Pão em Portugal De todas as plantas que o homem cultiva para a sua alimentação, os cereais são das mais importantes. Em Portugal a palavra pão designa um ciclo de várias etapas até chegar à nossa mesa: a semente, o campo semeado, o cereal crescido, ceifado, atado e transportado na eira, a farinha no moinho, a massa na masseira, no forno, e nalmente, o pão. Na Idade Média, e até ao século XVI, cultivava-se grande variedade de cereais como o trigo, centeio, cevada e aveia, na Primavera, e milho-alvo e painço na altura do Verão. Em tempo de escassez, misturavam-se as diferentes variedades de farinhas. Hoje em dia, os principais cereais de pão são o trigo, o centeio e o milho. O trigo cresce na zona mediterrânica, onde as planícies são férteis e os Verões quentes e secos. O centeio encontra-se na zona transmontana e montanhosa, com solos de qualidade medíocre, adaptando-se à altitude e aos Invernos rigorosos. O milho, introduzido em Portugal entre 1515 e 1525, ocupa grande parte da zona atlântica, onde o clima quente e húmido é favorável ao seu desenvolvimento. Para o distinguir dos milhos tradicionais (miúdo e painço), os portugueses passam ao designá-lo por milho grosso, milho graúdo ou milho de maçaroca. É muito rentável comparativamente aos outros cereais, pois a sua maturação faz-se apenas em quatro ou cinco meses. A sua cultura, iniciada no Centro e sobretudo no Noroeste do país, onde vai substituir outras menos rentáveis, intensicou-se nos dois sécu los seguintes, propagando-se ao Interior (Trás-os-Montes, Beiras) e ao Sul (Alentejo e Algarve).
Pão Alentejano - Alentejo
O pão alentejano é dobrado, com cabeça alta, côdea rija, uma crosta grossa e sem brilho, com bastante miolo devido à sua forma, e reconhece-se sobretudo, pelo agradável cheiro a trigo, cereal que dá força à massa. Só se pode amassar com fermento azedo que lhe confere um gosto hcaracterístico e deve ser cozido sempre em forno de lenha, normalmente de eucalipto que oferece um calor “mais compacto”. No Alentejo, o consumo do pão de trigo começou a ser generalizado à partir dos anos 20, graças à crescente produção deste cereal na região. Os Alentejanos chamam-lhe simplesmente “pão” e, para eles, é o único digno desse nome, já que se come a toda hora e a todas as refeições, constituindo a base da gastronomia alentejana. Quantos pratos não levam pão? Desde sopas (açordas, gaspacho), pratos de carne (ensopado de borrego, sarapatel), de peixe (sopa de cação), até às sobremesas e doces festivos (fatias douradas, boleimas).
Padas - Beira Litoral
Dá-se o nome de “pada” a um pão de trigo formado pela junção de dois ou mais “moletes”. Existem padas de vários feitios em Aveiro, Ul, Ovar, ou Viana do Castelo… As padas do Vale de Ílhavo, por exemplo, formam dois moletes apertados no meio, e o método de confecção faz com se assemelhe a pão caseiro. São amassadas à mão num alguidar, tendidas à mão, e cozidas em forno de lenha. No decorrer da cozedura, mantém-se um monte de brasas à entrada do forno para corar o pão, que as pessoas não gostam de ver o pão branco de mais, dizem que foi cozido ao ar! Depois de cozidas, as padas molinhas e ligeiramente enfarinhadas, cabem na palma da mão.
Broa - Entre o Douro e Minho
Nesta região, antes da introdução do milho, era com o milho-miúdo e o painço que se fazia a broa. Actualmente, depois da separação do milho amarelo, que apenas se destina aos animais, do milho branco, a broa é feita com farinha escaldada, um misturada com centeio e trigo o que a torna um pão bastante pesado e compacto. Junta-se o fermento – “o isco” – feito na véspera para dar à massa a qualidade do pão tradicional. Para a tender, é indispensável um recipiente de madeira enfarinhado, a “escudela de pau” ou o “gamelo”, para lhe dar uma forma arredondada. Depois de cozida, a broa é um pão pesado e compacto, com uma crosta aloirada e escura. Ainda há padeiros que a coze sobre uma folha de couve à moda antiga, o que lhe confere um sabor ligeiramente ácido. No Minho, não se comem sardinhas sem broa. No Porto, não há broa sem caldo verde.
Carcaça - Estremadura
A carcaça é a versão industrializada dos pequenos pães que se faziam antigamente no país, moldados à mão, vincados ou bicudos. Inicialmente, em Lisboa, chamava-se “papo-seco”, mas depois de perder as extremidades, as “maminhas”, para aumento da produtividade, adquiriu a designação de “carcaça” no formato grande; e de “carcacinha” num formato mais pequeno. Entre os pães pequenos, é o mais comum e o mais vendido, e é sobretudo consumido em sandes.
Pão de Mafra - Estremadura
A fama deste pão saloio é bastante remota. Tradicionalmente, fabricava-se com farinha de trigo duro, que se cultivava em abundância nos arredores de Lisboa. Na altura em que as padeiras de Lisboa tinham de pagar a dízima de todo o pão que vendiam, passou a ser mais frequente fazer este pão em Mafra, para fugir a estes impostos. Nos nossos dias, o pão de Mafra continua a ser cozido em fornos de alvenaria aquecidos a lenha. É feito à base de produtos naturais como a farinha em rama, muito pouco fermento, ou que suponha uma fermentação lenta, e muita água. Para tender o pão, o padeiro estica uma bola de massa e levanta uma das extremidades, pegando-lhe pelas pontas, dobrando e deslizando-as para baixo do pão. O aspecto nal assemelha-se ao nó de uma gravata. É um pão que se aguenta bastante tem po, e o seu aspecto compacto, massudo, sem buracos, é o ideal para fazer tostas.
Broa de Avintes - Douro Litural
Cozida pelas padeiras de Avintes que depois de atravessarem o rio, chegavam à praça de Santa Maria, no Porto, com as suas canastras, a broa adquiriu fama pelo seu gosto e apresentação. A sua forma característica, alta, com a parte superior arredondada e os lados achatados; a côdea branca e gretada; e o miolo, compacto e amarelo-acastanhado, constituiu uma especialidade. A broa de Avintes só leva farinhas de milho e de centeio, escaldadas em água fervente, e sal. A massa deve ser trabalhada durante duas horas e o processo de tender é inteiramente manual e com a participação de quatro pessoas. As broas são encostadas umas às outras no fundo do forno aquecido a lenha, e uma vez tapada a boca do forno, levam três a quatro horas a cozer.
Bolo do Caco - Madeira
Antigamente, este pequeno pão de trigo, redondo e achatado era cozido sobre um caco de telha aquecido nas brasas, particularidade que deu origem ao seu nome. Aliás, há diferentes maneiras de o cozer: sobre uma chapa de ferro, numa frigideira, no fundo de uma panela de barro ou de ferro, ou sobre uma laje chamada “pedra de tufo”, sendo que todos estes utensílios estão a escaldar. O bolo do caco leva batatas-doces, alho, farinha de trigo, fermento de padeiro, água e sal. Costuma ser um pão de fabrico caseiro, mas é fácil comprá-lo aos vendedores ambulantes que o confeccionam em grandes alguidares de barro e o cozem em fogões instalados na rua, já que o hábito é comê-lo quente. A cozedura é rápida; quando o bolo adquire uma crosta na ligeiramente queimada, vira-se com a mão ou com uma espátula, e deixa-se cozer do outro lado. Depois, abre-se ao meio, cobrese com salsa picada e barra-se com manteiga de alho que se derrete e embebe o miolo.
Pão de Milho - Açores
Com o aparecimento do milho, cuja cultura começou a ser praticada nos Açores depois de 1600, o pão de trigo deixou de ser a base da alimentação dos habitantes da região, sendo substituído pelo pão de milho, cereal que no século XIX era já a plantação dominante. Hoje em dia, o pão de milho de farinha branca escaldada, leva também um pouco de farinha de trigo a que se dá o nome de “doçura”, e que tem por nalidade tornar o pão mais macio. A massa leveda com fermento renova do, “o crescente”, e os pães tendidos com uma tigela, são cozidos no forno de lenha, sobre umas folhas verdes que pertencem a uma planta cuja or tem a forma de um fuso, pelo que são chama das “folhas de rocas”. Também é costume usar folhas de bananeiras, a de milho, de milheiro, de coquilho e até de couve. Ao saírem do forno apresentam um aspecto crocante e uma cor dourada e uma abertura lateral, através da qual se entrevê um pouco do miolo. Entretanto, as folhas caem, deixando desenhos sinuosos no solo dos pães.
Pão de Testa - Algarve
Bastante parecido com o pão alentejano, este pão de trigo de tipo caseiro é um pão grande, redondo, cuja “cabeça” tem quase o mesmo diâmetro que a base. Os pães tendidos à mão vão sendo acamados nos tabuleiros, meio escondidos pelas pregas dos lençóis e das mantas brancas, enquanto esperam o momento de entrar no forno. Como dizem os Algarvios, “são cozidos no barro”, ou seja num forno de lajes de barro. À entrada do forno, as bolas de massa são esticadas num dos lados para obter a cabeça, e dobradas sobre a base, espalmando a massa com as mãos. O pão de testa apresenta uma côdea ligeiramente dourada, sem brilho, e bastante miolo.
Pão com Chouriço - Ribatejo
“No tempo do corporativismo. as padarias fechavam ao sábado, ao meio-dia e deixavam os restaurantes sem pão fresco ao domingo. Contrariando a lei, alguns restaurantes começaram a fazer pães pequenos de cem gramas que chegavam à mesa ainda quentes.” Em Almeirim e nos arredores, algumas padeiras ainda fabricam estes pães também chamados de “bolinhas”, recorrendo ao método tradicional. A massa é batida, cresce no alguidar e vai ao forno. Os grandes pães são os primeiros a entrar, enquanto os pequenos cam mais perto da boca do forno, atrás das brasas. Alguns destes pãezinhos levam dentro chouriço cortado em rodelas nas. Depois de vinte minutos, saem do for nos coradinhos e avermelhados pela gordura a derreter.
Pão de Quartos - Beira Interior
É um pão de trigo em forma de orão, que se divide em quatro partes iguais. O padeiro espalma e dobra a massa, até formar um quadrado: depois enrola-a e vinca-a ao meio com o cutelo da mão, fazendo um rasgo. Repete a operação no sentido oposto de forma a obter quatro lóbulos de massa. Antes de o pôr no forno a cozer, borrifa o coração do pão, para que as quatro partes se separem, abrindo como pétalas de or.
Regueifa - Douro Litoral
A regueifa, do árabe (ar)rgaifâ, é uma rosca feita de massa de pão alvo. Este pão torcido, tradicional do Norte do país, é uma variedade de pão espanhol, cuja massa é sujeita a uma compressão, manual ou mecânica, processo que permite torná-la mais na, mais branca e menos aguada. De pois da missa dominical, era comum as pessoas passearem com uma regueifa enada no braço, o que lhe valeu o nome de “pão do Domingo”. Este pão aparece à venda em todas as festas e romarias, sendo que a regueifa de Valongo é a mais conhecida e reconhece-se por apresentar enfeites de massa: laços, pinhas, folhas, nozes, espigas, entre outros.
Pão de Centeio - Trás-os-Montes
O centeio cultiva-se ainda hoje nas terras frias de Trás-os-Montes, unica das poucas regiões que o produz e vende para a panicação. Aqui, onde os moinhos de rodízio ainda sobrevivem, os padeiros preferem utilizar a farinha do moleiro por esta conferir um sabor especial à massa. O pão de centeio é escuro, com um miolo bastante compacto, na medida em que este cereal contém menos glúten do que o trigo. Amassado só com massa velha, o pão grande, ou o “pão de quilo”, predominante na região, mantém-se fresco durante muito tempo, sem perder quase nenhum dos atributos que possui ao sair do forno.
Pão da Mealhada - Beira Litoral
Este pequeno pão de trigo de aspecto arredondado, pontuado por quatro bicos que fazem lembrar uma or, é também conhecido como “pão da Bairrada” por ser um dos típicos acompanhantes do leitão assado, especialidade da região. Depois de duas horas a levedar, tendem-se as bolinhas e, com uma tesoura, corta-se a parte superior em forma de cruz, com o objectivo de abrir a massa e deixar escapar o gás que se criou durante a fermentação, tomando o miolo mais compacto e com um sabor característico.