Partindo do estudo do conceito de ato criminoso, com seus elementos objetivos (tipicidade e antijuridicidade) e subjetivo (a culpabilidade), o Autor, em linguagem clara e fluente, discute as classificações criminológicas - fundamentos, critérios e teorias a que estão filiadas para, em seguida, apresentar o roteiro do exame criminológico, descrevendo as delinqüência~ ocasional, sintomática, neurótica, psicótica e essencj,Jt, o trato com o criminoso, seu diagnóstico e seu tr~ínento penitenciário.
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Com didática e claréza exemplar, usando gráficos, esquemas e exemplos, é Autor consegue transmitir noções extremamente complexas e especializadas de forma a que até mesmo o leigo possa compreender a matéria. Oportuna reedição desta obra, quando as discussões acerca da criminalidade e da exacerbação das penas deixam"de lado o aspecto principal da questão, como acentua o Prof. João Carvalhal Ribas: "o estudo de tal calamidade nas suas raizes e suas manif.e~Jaçô'es, no ideal de combater o crime em moldes etiológicos, para a felicidade, a saúde e mesmo a própria sobrevivência da pobre humanidade nos horizontes ainda obscuros do amanhã".
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RAMOS MARANHÃO foi Professor
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Titular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e Professor de Criminologia no curso de pós-graduação da mesma Faculdade. Foi, também, Professor Titular da mesma cadeira na Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie (1968/ 1970) e nas Faculdades Metropolitanas Unidas-FMU (1972/1985), onde foi coordenador do curso de pós-graduação
lato-sensu da Faculdade
de Direito
PSICOLOGIA DO CRIME
(1990/1992). Foi Presidente da Academia de Medicina de São Paulo (1984/1985) e membro efetivo do Conselho Penitenciário do Estado (1981/1994), além de Vice-Presidente da Academia Paulista de Psicologia (1994/1995). Reuniu as qualidades de excelente Professoràsde acatado especialista,sempre atualizado com as mais recentes inovações na matéria e sólido conhecimento teórico e prático da Medicina Legal. Publicou, também por esta Editora,
Curso Básico de Medicina Legal (8.1edição, 6>1 tiragem, 2002).
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2a edição, Ia tiragem, 1993; 2a tiragem, 1995; 3a tiragem, 1998.
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PREFÁCIO DA PRIMEIRA EDIÇÃO ISBN 85-7420-061-1
Direitos reservados desta edição por MALHElROS EDITORES LTDA. Rua Paes de AraÚjo, 29, co/!iunto 171 CEP 04531-940 - São Paulo - SP Tel.: (Oxxll) 3078-7205 Fax: (Oxxll) 3168-5495 URL:www.malheiroseditores.com.br e-mail:
[email protected]
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Capa Nadia Basso
Impresso no Brasil Printed in Brazil 03-2003
Esta obra expõe e debate, em estilo fluente e claro, todos os complexíssimosproblemas do mundo do crime, em ângulos absolutamenteatuais, repartindo a vasta matéria emcapítulos e itens muito bem sistematizadose didáticos.Revelaum Autor que, afeito ao trato dos temas notoriamente controvertidos, e ainda obscuros, da conduta anti-social, chegou a assimilá-Ias e a criticá-Ios tão bem a ponto de conseguir transmiti-Ias em moldes acessíveis a toda sorte de interessados, inclusiveao público não especializado, sem deixar de constituir um texto certamente, de elevadonível científico. . Como preliminar, o Autor debate o conceitode ato criminoso, com dois elementosobjetivos - a sua tipicidade e sua antijuridicidade - aliados a outro subjetivo - a sua culpabilidade.Em gráficos elucidativosesquematiza e critica os fatores que conduzem à delinqüência. Depois, em obediênciaà imposiçãodidática, discute as clássificaçõescriminológicas,os fundamentos, critérios e teorias a que estão filiadas, detendo-se, muito acertadamente, nas classificaçõesetiológicae "natural" dos delinqüentes,emprestando particular ênfase à classificaçãoetiológicade Hilário Veiga de Carvalho. Em seguida, na aplicação dos dados da atual criminologia a serviço da justiça social, o Autor apresenta o roteiro do exame criminológico, salientando, particularmente, a eficiênciado psicodiagnósticode Rorschachna caracterizaçãodo delinqüente,com as suas modificações no objetivo de facilitar e abreviar o emprego da prova projetiva. Como corolário, o Autor, em sucessivos capítulos, discrimina e descrevea delinqüênciaocasional, sinto-
4
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PSICOLOGIA DO CRIME
mática, neurótica, psicótica, caracterológica,psicopática e essencial, orientando, na rotina do trato com o criminoso, o seu diagnóstico e, como corolário, o seu tratamento penitenciário. O texto se apresenta enriquecidocom gráficosque melhor esclarecem os temas expostos. Todos os conceitos em debate surgem apoiados em abundante e excelentebibliografia, demonstrando a profundidade, o rigor e a atualização do Autor no convívio com matéria, sabidamente questionada, com opiniõesveementes e antagônicas. Acima de tudo, como ponto de máximo registro, salta à vista a oportunidade com que tal estudo ora é lançado ao público brasileiro, quando atinge proporções exorbitantes a violênciaem todas as suas faces tenebrosas, e se impõe, com urgência, o estudo de tal calamidadenas suas raízese suas manifestações,no ideal de combater o crimeem moldes mais etiológicos, para a felicidade, a saúde e mesmoa própria sobrevivênciada pobre humanidade nos horizontes ainda obscuros de amanhã. ProL Df. JOÃO CARVALHAL RIBAS
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SUMÁRIO
Prefácio da lI! edição
- Prof.
Nota Explicativa Capitulo l-Classificações Capitulo 2
-
... criminológicas
-
9 11
A Classificação "etiológica"
23
Capitulo 3 - A dinâmica do ato e a classificação natural dos criminosos Capitulo 4
3
João Carvalhal Ribas ................
Delinqüência ocasional
28 39
Capitulo 5 - Delinqüência sintomática
49
Capitulo 6 - Delinqüência neurótica
63
Capitulo 7 - Delinqüência psicopática: o "anti-social"
78
Capitulo 8 - Delinqüência "essencial" ou "dissocial"
99
Capitula; 9
- O neurótico, o psicopata e o "delinqüênte"
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HOMENAGEM Aos Colegas psiquiatras e psicólogos que se dedicam à árdua tarefa de procurar entender e ajudar os infratores da nossa Lei Penal. À Academia Paulista de Psicologia, que muito me honra, por me abrigar entre seus Membros Titulares.
o AUTOR
NOTA EXPLICATlVA
Esta segunda edição da Psicologia do Crime difere da primeira. As modificações do Código Penal e a vigência da Lei de Execução Penal recomendaram a desvinculaçãodo livro ao texto legal. Também conteúdos ligados à Criminologia Clínica e à Psicopatologia Forense foram reduzidos ao indispensável. Dois trabalhos que se apresentavamcomo "Apêndice" foram removidos: "A Prova de Harrower-Steiner" (SociedadeRorschach, sessãode 27.9.63)e "O M.M.P.I. e suas aplicaçõesem Criminologia" (Prêmio "Oscar Freire", 1970).Por outro lado, foram feitosdoisacréscimos: ilustração casuística em todos os capítulos que a comportam e uma análise dos principais diagnósticosdiferenciaisem psicologia criminal. Na expectativade melhor servir aos leitores, aqui está o novo texto da Psicologia do Crime.
o AUTOR
Capítulo 1 CLASSIFICAÇÕES
CRlMINOLÓGICAS
Os esforços para se obter uma conveniente sistemática destinada ao estudo dos criminosos não tem sido uma tarefa coroada de êxito. Pelo contrário, a extraordinária multiplicidade de classificação e tipologias atesta a indisfarçável insatisfação dos autores e pesquisadoresneste específicocampo de estudos. Até o presente, não dispomosde uma sistemáticaque tenha seimposto à aceitação geral, ao uso rotineiro e ao abrigo de críticas de várias ordens. As sessenta e sete, catalogadas por Veiga de Carvalho,I-*são apenas pequena amostra das que surgiram nas últimas décadas. Representam, por certo, um esforçopara venceras dificuldadesque seopõem à difícil tarefa de classificar. Se cada ação criminosa, como qualquer ato humano, resulta da combinaçãoparticular e singularde fatores individuaise sociais, todo agrupamento de comportamentos anti-sociais será, até certo ponto, artificial. Para formar grupos é preciso abstrair as diferenças e realçar as semelhanças,o que vai comprometer o caráter natural da operação. De outra parte é necessário ponderar que as atuações criminosas - essencialmentedíspares ent~e si - só têm em comuma sua ilegalidade, dentro do grupo social e no período histórico considerados. Além disso, a comparação de grupos de agentes criminosos e de pessoas obedientes à Lei não identificou nem definiu um fator causal da criminalidade.2 Por essesmotivos o classificador vê-se diante de tarefa complexae poucogratificante,mas de grandealcancepráticoe científico, .. As notas se encontram no final de cada capítulo.
lU. C. G. tlBLlOTEGA
12
pois facilitará a metodização do tratamento a ser ministrado ao delinqüente(interessecriminiátrico),auxiliará na previsãoda reincidência (prognósticocriminológico)e orientará nas medidaspreventivas da criminalidade (profilaxia criminal). Alguns autores estabelecem diferença entre as expressões "classificação" e "tipologia". Reservam o nome de "sistema de classificação" para designar um modo de agrupar pessoas em classesque se definem ou se caracterizampor uma ou muitas variáveis, comportando - no conjunto - todas as combinações possíveisou efetivas desses fatores considerados. A expressão "tipologia", de outra parte, refere-se a um elenco de grupos de tipos que se excluemmutuamente e se definem por diversos critérios, sendo que as variáveis estudadas agrupam-se de modo empírico. Esta distinção parece menos importante do que o método escolhido e adotado pelo pesquisador. Partindo da observação para construir uma doutrina, estará seguindo um processo empírico e se, ao contrário, partir da doutrina à elaboração tipológica seguirá método teórico. Quando, porém, se analisa apreciávelnúmero de tipologias, chega-se à interessante e inesperada conclusão de que esses dois métodos não são aplicados de modo puro, havendo sempre uma espécie de compromisso híbrido. Contudo há sempre necessidade da tipologia, qualquer que seja, atender a uma sériede requisitos para poder ser aceita como tendo base científica e significado útil na prática criminológica.
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CLASSIFICAÇÕES CRIMINOLÓGICAS
PSICOLOGIA DO CRIME
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13
para as mais teóricas especulações.O que se deseja aqui é saber quais os fatores delitógenos que mais atuaram ou contribuíram na gêneseda ação anti-social de um dado criminoso para se adotarem medidas capazes de neutralizar seus efeitos maléficos. As pesquisas etiológicasseguem cursos próprios em cada grupo delinqüencial considerado, mas têm de ser científicose não enveredar por caminhostortuosos de divagações,que se apresentam sob belas formas, desprovidas do mais comezinhoconteúdo. As tipologiascriminológicasterão de se assentar em base etiológicae procriar pesquisas de igual natureza. B) Deve ser tão ampla quanto possível Desde que as combinaçõespossíveisentre os diferentes fatores de delinqüência são infindáveis, se a tipologia for muito restrita não atenderá às eventualidadespráticas. Em outros termos: quando alguémfor se servirde uma tipologiarestrita, acabará não dispondo de grupo onde possa incluir apreciávelnúmero de casos reais. Contudo, não é possível,também, adotar um detalhismoexagerado a ponto de cada passo particular chegar a constituir um item da classificação.É preciso, portanto, proceder - ainda que sem preocupaçõesexageradamenteperfeccionistas - a uma análise das similitudese discrepânciaspara se formar grupos razoavelmente homogêneos. Estes, contudo, devem cobrir um campo tão vasto quanto possível.
A) Deve ensejar pesquisas etiológicas
C) Deve estabelecer tipos que se excluam mutuamente
Tendo-se em vista que o delinqüenteprecisa ser tratado para alcançar um nível de recuperação compatívelcom a livre agência social é de primeira intuição a premência do estabelecimentoda "causa" ou "causas" a serem removidas. Não se argumenteque até o presente essas "causas" não foram estabelecidas de modo irrefutável e indefectível. Não se procure, por inexeqüível,a causa primeira ou "causa das causas", pois dessemodo abandona-se o campo prático científicoe voa-se
Isto pode parecer um truísmo. Porém, não o é. Se cada grupo particular não for bem caracterizado, quando a tipologia for ser usada por terceiros, certamente ocorrerão erros de classificação e até conclusõesabsurdas poderão ser estabelecidas.É indispensável que seja feita análise das variáveis em estudo e conveniente descrição de cada grupo, definido por elementos claros e compreensíveis.A similitude intragrupal deve contrastar com as diferenças entre as diversas categorias ou grupos.
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PSICOLOGIA DO CRIME
D) Deve considerar as caracterlsticas da personalidade
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CLASSIFICAÇÕES CRIMINOLÓGICAS
do agente
Também poderia parecer de primeira intuição. Pessoas aparentemente iguaisou semelhantes, diante de estímulo externo parecido, podem reagir de modo completamente discrepante. Na gênesedelinqüencial,como em qualquer comportamento, o meio atua duplamente: ao tempo do fato e no período formativo da personalidade. A experiência atual se relacionará a antigas e estas certamente serão díspares. Daí a resposta diversificada, originando comportamentos distintos em cada pessoa. Se a estrutura global da personalidade não for levada em conta na organização da tipologia, então o caráter "genético" ou "causal" da mesma estará seriamente comprometido. Por essemotivo os fatores que prejudicam ou comprometem a formação da personalidade terão de ser levados em conta no critério adotado pela tipologia. E) Deve ensejar conclusões terapêuticase prognósticas Ao se estudar um caso particular para concluir a que tipo delinqüencial pertence, procura-se fazer um diagnóstico. A partir do conhecimentode quais os "fatores criminógenos" atuantes na gênesedesseparticular comportamento anti-social, chega-seà tarefa de propor medidas corretivas. Isto é, propõem-se medidas de caráter terapêutica, quer sejam de natureza médica, penitenciária, pedagógica, psicológica, social, etc. Tais medidas podem guardar conexão mais ou menos direta com cada grupo criminal considerado; isto é, a partir de um dado diagnóstico, decorrem certas providências terapêuticas. Por outro lado, essas medidas visam a recuperação do agente e a prevenção da reincidência. Também ensejam ensinamentos para a prof1laxiade novoscasos. Logoos estudosde naturezaprognóstica devem se relacionar aos grupos delinqüenciais descritos, integrantes da tipologia ou classificação proposta. Por certo, o critério adotado pelo pesquisador assume primordial importância, posto que constitui a linha mestra do pensamento sistematizador.É evidente,também, que a natureza desse critério enseja agrupamentos de classificações como ocorre no exemplo seguinte:
Critério
Autor
1. Manifestações exteriores
A) Abrahamsen B) Exner C) Di TuIlio D) Alexander & Staub
2. Causal 3. Misto 4. Psicanalítico
Com base em Veiga de Carvalho
Vejamosas característicasdessasclassificaçõesem separado: A) Abrahamsen3estabelecedois grupos: criminosos agudos ou momentâneos e crônicos ou habituais. É curioso observar que antes dessaconclusão final, lembra existiremduas motivaçõesbásicas na atuação anti-social: agressão à coletividade (delinqüente manifesto) e expressãode conflito interior (delin~üênciasintomática). Percebe-se, assim, que embora essa classificaçãoseja basicamente formal, não conseguefugir aos conceitos causais, a ponto de seu autor afirmar: "uma classificação de criminosos só é válida em bases etiológicas". B) Exner,4 citado entre os autores que adotam critério causal, oferece, na realidade, uma sistemática pluridimensional. Os "tipos" que enumera aparecemantes sob a consignaçãode "classificações". São os seguintes: I
-
Tipos caracterológicos:
a) de estado "ativo" b) de estado "passivo" c) ocasional ativo d) ocasional passivo II
-
Tipos sociológico-criminais:
a) especialistas; mistos; de transição b) anti-sociais e associais c) precoces e tardios 111 -
Tipos psicológico-criminais:
a) por cobiça b) por avidez sexual c) por vingança
r 16
PSICOLOGIA DO CRIME
CLASSIFICAÇÕES CRIMINOLÓGICAS
d) por paixão e) por política
. A escala seguinte pode ser esquematicamenteorganizada, tomando por base o grau crescente de participação do ego no ato criminoso:
de base para uma classificação criminológica"
-
Tipos legais O próprio autor acrescenta o seguinte comentário: "As seis classificaçõestipológicasaqui fornecidas, com os seussubgrupos, partem de pontos de vista diferentese se situam em planos distintos." É, igualmente, de se ponderar que um mesmo caso prático se enquadra simultaneamenteem vários itens dessa classificação.
f
C) Di Tulli05adota critério misto. É a seguinte a sua sistemática:
I
IV
1. criminalidade fantástica sonhos, sintomas neuróticos, fantasias 2. descuidosou enganos resultando em crime atos transição para o ato crimicompulsivos noso manifesto 3. atos impulsivos,acompanhados de conflito interior criminalidade neurótica
I - Delinqüentes ocasionais: a) puro (pseudodelinqüente) b) comum c) extraviado d) por estados emotivos e passionais II - Delinqüentes constitucionais: a) constitucional comum b) com orientação hipoevolutiva c) com orientação neuropsicopática: cI. epileptiforme c2. histeriforme c3. neurasteniforme d) com orientação psicopática: dI. deficitário d2. subobsessivo d3. paranóide d4. esquizóide d5. ciclóide d6. instável e) com orientação mista III
-
4. crime resultante de estado emocional ou situações especiais agentes normais 5. criminalidadesemconflito interno delinqüente normal
\
Delinqüentes enfermos mentais:
a) alienação criminal b) loucosdelinqüentes(anormaispsíquicos,neuropatas, psicopatas, enfermos mentais) D) Alexander & Staub6 estabelecemque "o grau de participação do ego na criminalidade de uma dada pessoa pode servir
l
17
"Excluem-seda classificaçãoacimaos demaiscasosresultantes de doença orgânica ou estados tóxicos, em que a participação do ego é limitada ou está ausente." Esta sistemática é apresentada como fundamento ou tomada de posição dos autores, pois em outro capítulo do seu livro firmam outra classificação. "Reconhecemos a existênciade (I) crimespraticados por'indivíduos que são afetados por certo número de tendências criminais (delinqüência crônica); são pessoas cujo aparelho psíquico é construído de forma a impulsioná-Iasà criminalidade.E (11)crimes cometidos por pessoas não criminosas (delinqüênciaacidental)"
.
I
-
Criminalidadecrônica:
a) comportamentocriminosode pessoascom seu ego danificadopor processostóxicosou organodestrutivos b) comportamentocriminosocondicionadopor neurose
,.
c) freqüência a companhias indesejáveis.. d) fuga do convívio familiar e) roubo f) ausência habitual da escola g) entradas tardias noturnas
c) comportamento criminoso de não neuróticos, cujo superego é criminoso d) criminosos genuínos II
-
Criminalidadeacidental: a) criminalidade resultante de atos falhos b) crimes situacionais
Outra forma de agrupar as classificaçõesé fazê-Iode acordo com a natureza das teorias em que se baseiam. Por exemplo: Teorias
Datas
Tipologias
Comportamentais
Hewitt e Jenkins (e) Roebuck (O
Sociológicas
Gibbons (g) Clinard e Quinney (h)
1944 1965 1965 1967
Psicogenéticas
Andersen (i) Mucchielli (j)
1963 1965
E) Hewitt & Jenkins7estudam e classificamos comportamentos criminais, analisando "sintomas". I -Comportamento agressivoanti-social: Neste grupo encontraram as seguintesparticularidades: a) tendências agressivas 650/0 b) crueldade 620/0 c) sentimento inadequado de culpa 55% e) promoção de motim f) desafio aberto à autoridade
.
51%
35% 24%
II -Delinqüência "socializada": As principais manifestações deste grupo são as seguintes: a) roubo em grupo 74% b) integração de gang 70%
l
56% 55% 530/0 51% 42%
1// -Comportamento usuperinibido": Integrado por portadores dos seguintes sinais: a) inquietude 60% b) timidez e apatia 59% c) submissão 570/0 d) temperamento solitário 51% e) sensibilidade 40% F) Roebuck8também adota critério comportamental e estabelece grupos de aparência simplista: I
-
Com base em Hood e Sparks
d) comportamento perturbador
19
CLASSIFICAÇÕESCRIMINOLÓGlCAS
PSICOLOGIA DO CRIME
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Tipos com motivo único: a) uso ou tráfico de estupefacientes b) roubo qualificado c) jogo de azar d) assalto e) atentado aos costumes f) fraude g) roubo de automóveis h) falsificação e contrafacção
/I -Tipos com motivo duplo: a) roubo simples e assalto b) embriaguez e agressão 111-Tipos com motivo triplo: a) embriaguez, agressão e roubo
V-
IV
Tipos com motivos múltiplos Sem motivos
20
c) relação entre o comportamento criminoso e os comportamentos legais; d) a relação da sociedade.
Seu estudo se baseou em 400 observações, que forneceram estes resultados:
Grupos I grupo 11grupo 111grupo IV grupo V grupo Totais
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CLASSIFICAÇÕES CRIMINOLÓGICAS
PSICOLOGIA DO CRIME
Casos 150 104 043 071 032
% 37.6 26.0 10.7 17.7 08.0
400
100.0
G) Gibbons9se baseia "num certo número de afirmações e hipótesesimportantesda teoria sociológicacontemporânea" e enumera quinze grupos: 1. ladrão profissional 2. criminoso perigoso profissional 3. semiprofissional de atentados à propriedade 4. autor de delito contra a propriedade (1? delito) 5. ladrão de automóveis (roubo de carros) 6. falsificador ingênuo de cheques 7. empregado desonesto 8. delinqüente profissional "marginal" 9. autor de desvio de fundos 10. autor de delito contra pessoa (1? delito) 11. psicopata autor de agressão 12. culpado de delito sexual violento 13. autor de estupro 14. autor de estupro "no sentido da Lei" 15. toxicômano (heroína)
.
São estes os oito grupos: 1. violência pessoal 2. atentado ocasional à propriedade 3. crime no exercíciodo trabalho 4. crime político 5. atentado à ordem pública 6. crime convencional 7. crime organizado 8. crime profissional I) Andersen11faz uma classificaçãobaseada no estudo da personalidade do agente criminal e propõe estesgrupos: 1. Personalidades não delinqüentes 2. Personalidades delinqüentes temporais 3. Personalidades pseudodelinqüentes 4. Personalidades delinqüentes J) Mucchielli12distingueas seguintesclassesde delinqüentes: I - Falsos delinqüentes: a) doentes mentais b) epiléticos c) orgânicos d) débeis e) pervertidos sexuais 11
-
Delinqüentes verdadeiros.
Notas e referências
__H) Clinard & QuinneylOtambém com orientação sociológica estabelecemoito grupos, utilizando-sede interessante critério. A sua tipologia adota três níveis (alto, médio, baixo) para cada variável estudada e considera quatro características:
a) carreiracriminaldo delinqüente;
.
b) medida em que o seu comportamento é recomendado pelo grupo~
1. Veiga de Carvalho, H. Os Criminosos e suas Classes, 2~ ed., São Paulo, Coletânea Acácio Nogueira, 1964, pp. 38-59. 2. Hood, R. e Sparks, R., La Delinquance, Ed. Hachette, 1970, pp. 111-113. 3. Abrahamsen, D., The Psychology o/Crime, Nova York, S. Wiley & Sons, 1960, "The Classification of Criminais", capo VII, pp. 117-122. 4. Exner, F., Biologia Criminal en sus Rasgos Fundamentales, Barcelona, Ed. Bosch, 1957, pp. 340-356. 5. Di Tullio, B., Tratado de Antropologia Criminal, Buenos Aires, Inst. Panam. de Cultura, 1950, pp. 389-606.
U.
S.
G.
L'BLIOTECA
22
PSICOLOGIA DO CRIME 6. AIexander,
F. & Staub, H., The Criminal,
the Judge & the Pub/ie
-
A Psyeho-
10giealAnalysys (trad. do alemão), Nova York, Ed. MaeMilIan, 1931, pp. 84-98 e 145-152. 7. Hewitt, L. & Jenkins R.L., Fundamental Patterns of Maladjustment - The Dynamies of their Origin, Springfield, State Printer, 1944, apud Hood, R. e Sparks, R., ob., loe. cito 8. Roebuck, J., Criminal Typology, Springfield, C . Thomas, 1965, apud Hood, R. e Sparks, ob., loc. cito 9. Gibbons, D., Changing the Lawbreaker, Nova Jersey, Prentice Hall, 1965, apud Hood, R. e Sparks, R., ob., loco eit. 10. Clinard, M.B. & Quinney, E.T., Criminal Behaviour Systems: a Typology, Nova York, Pinehart & e Winston, 1967, apud Hood, R. e Sparks, R., ob., loc. cito 11. Pinatel, J., "Les concepts de personalité crimminelle et de personalité anormale dans l'oeuvre de Charles Andersen", Rev. Se. Crim., 1963, p. 583. . 12. Mucchielli, R., Comment ils Deviennent De/inquants, Paris, Ed. Sociales, 1965.
Capítulo 2 A CLASSIFICAÇÃO "ETIOLÓGICA"
o capítuloanteriorprocuroumostrar a existênciade um elenco apreciávelde classificaçõese demonstrar que cada autor parte de uma determinada "teoria do crime". Essa atitude tem sido criticada, pois de acordo com a posição aprioristicamente adotada, cada pesquisador chegará a uma conclusão, até certo ponto, individualista. Para alguns isso parece altamente artificial. A classificação "etiológica", elaborada e aprimorada pelo eminente Prof. Veigade Carvalho" apresentou-secomo um protesto a essa atitude preconcebida. Pretendeu mesmo adotar uma atitude "natural" diante do fenômeno criminal e considerá-Io,de certa forma, comparável ao comportamento socialmente ajustado. o ponto de partida da "classificação etiológica" é o seguinte: quando se dá a produção de um ato criminoso, o agente responde a estímulos que procedem de seu meio interno (biologia) ou do ambiente circundante (mesológicos). O processo de integração psíquica atenderá, em última análise, a um dinamismo do tipo descrito por Abrahamsen.2 Isto é, as solicitaçõesexternas ou internas terão de venceros meios contensores (resistência)para chegar a levar alguém à prática criminosa. Estabelece, mesmo, que a vontade do agente é o elemento central no processo decisório. ( Dessa forma, a classificação fundamenta-se em um preciso elemento: saber se as forças que venceram a contenção do agente criminal procederam do seu meio interno ou do ambiente externo. Aliás, argumenta seu autor: "se existemdois grupos de fatores criminógenos- e apenas dois - ter-se-á aí, nessa dupla ori-
24
A CLASSIFICAÇÃO "ETIOLÓGICA"
PSICOLOGIA DO CRIME
gem, a base mais científica e, portanto, mais verdadeira e mais singela da classificaçãode criminosos".3 Trata-se de um verdadeiro "corte transversal" na interpretação do ato criminoso. Em outros termos a classificaçãoetiológica se atém a uma interpretação que pode ser considerada "estática". Na realidade procura descreverum "dinamismo" restrito a um "desequilíbrio de forças" verificado num dado momento. Assim, a resistência oferecida aos fatores solicitantes é vencida (e tudo faz crer que momentaneamente)por forças mais potentes e provenientesseja do meio interno (biológicas)seja do ambiente social (mesológicas). É claro que esserompimento do equilíbrio pode se atribuir a uma excessivaforça solicitante, como a uma fraqueza dos meios contensores dos impulsos. Cada eventualidadehá de ser analisada em particular. O binômio "fator interno" versus "fator ex.. terno" não é matéria pacífica, mas deixaremosde lado essainterminável controvérsia. MEIO INTERNO MEIO EE EXTERNO
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Conseqüentemente,foram estabelecidosinicialmente,três grupos: dois puros e um intermediário. Daí surgiram: a) mesocriminoso b) mesobiocriminoso c) biocriminoso Posteriormenteapareceua conveniênciade seestabelecergraus intermediários e assim apareceu a classificaçãocompleta, assim enumerada: I?) mesocriminoso puro 2?) mesocriminoso preponderante 3?) mesobiocriminoso 4?) biocriminoso preponderante 5?) biocriminoso puro O mesocriminosopuro é aqueleque atua anti-socialmentepor força de injunções do próprio meio exterior. Tudo se passa como se ele fosse mero "agente passivo", quase uma "vítima de circunstânciasexteriores".O autor da classificaçãocita comoexemplo típico o do silvícolaque, no meio civilizado,pratica ato considerado criminoso, tido por aceitável no seu meio de origem.4 O biocriminosopuro é o agente criminal que atua em virtude de incitaçõesendógenas,comoocorre com os perturbados mentais. Aqui é dado como exemplocaracterístico o epilético, em estado de crise de furor, a fazer disparos de arma de fogo.5 Estes casos extremos, porém, não apresentam elementos de completacaracterizaçãode açõescriminosas;ao primeirofalta animus delinquendie ao segundoa "capacidade de imputação" . Devem, por essesmotivos, ser consideradoscomo "pseudocriminosos". Às outras três classespertencem, então, os "criminosos verdadeiros"
R (Adaptado de Sertain et ai., Psychology:understandinghuman behaviour) SNC = Sistemanervosocentral. - EE = estímulo externo. _ EI = estímulointerno. - RI e R2 = receptores. - R = resposta.
A "cl~ssificaçãoetiológica", inicialmente,mostra que os fatores causais podem ser de um só tipo: biológico ou mesológico. Os primeiros "provêm do próprio indivíduo, em obediência à sua especialcondição de ser" e os segundos "do ambiente, cósmico ou social".
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.
O mesocriminosopreponderante é aquele de cuja ação delituosa participaram mais evidentementeos fatores ambientais, em detrimento dos sociais, contudo, também, partícipes. A prática delituosa do mesobiocriminoso responde, de modo equânime, ou quase, a determinantes tanto ambientais quanto biológicos. O biocriminosopreponderante é aquele que, portador de alguma anomalia biológica insuficiente para levá-Ioao crime, torna-se vulnerávela uma solicitação exterior e a ela responde facilmente.
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PSICOLOGIA DO CRIME
A CLASSIFICAÇÃO "ETIOLÓGlCA"
o enquadramentode um casoconcretoem determinadogrupo desta classificaçãoimplicaráum estudoanalítico-sintético,que será analisado mais adiante. Contud9, como é evidente, uma comparação "quantitativa", ainda que em base empírica e não mensurável, entre os dois grupos de fatores, se faz imprescindível. É possível uma representação diagramática das idéias básicas desta classificação. Ei-Ia:
1 234 5 Representação esquemática da quantidade respectiva dos fatores criminógenos (meso e biológico) nas 5 classes de criminosos. Em branco, o fator mesológico e, em negro, o fator biológico. Legenda: 1 - mesocriminoso(puro); 2 mesocriminoso preponderante; 3 mesobiocriminoso; 4 biocriminoso preponderante; 5 biocriminoso (puro).
-
-
-
_
A tarefa classificatória(que gera conseqüênciasna execução da pena) não pode ser realizada de modo aleatório ou arbitrário. O Prof. Veigade Carvalho propõe um método analítico-sintético. A observação do infrator deve ser minuciosa e abrangente. Alguns textos de Criminologia clínica apresentam "roteiros". 6 Em consonânciacom os demaisMestresda Criminologia,reconhecea importância capital do estudo da personalidade do delinqüente e se expressaem termos que vale a pena seremtranscritos: "Assim, necessáriose faz determinar a personalidade do delinqüente. Para tal fim, Oswaldo Loudet traçou magistralmente as seguintes normas: 1) O estudo científico do delinqüente mediante o método experimental (antropológico-clínico) deve objetivar-seem uma história de clínicacriminológica;2) A história de clínica criminológica é uma investigaçã,ocronológica dos
/
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fatores endógenose exógenosque levam um indivíduo ao delito, considerado este último como um fenômeno biológico-social; 3) As fases da dita história devem ser, em suas grandes linhas, as de uma história de clínica médica, no sentido de integrar uma "anamnese" antropológica e social; um "estado atual" - a personalidadefisiopsíquicado delinqüentee a sua sintomatologiaantijurídica: o delito; e a "evolução" ulterior do indivíduo,sob a ação do tratamento penitenciário; 4) O levantamento da dita história, em suas primeiras fases, devemefetuá-Io peritos médicos legistas e ser prévio ao julgamento criminal; depois da sentença, a história devecompletar-seem estabelecimentosde reforma, para a melhor individualizaçãodo tratamento; 5) Todos os estabelecimentos penais devemadotar o mesmo modelo de história criminológica para o efeito de organizar uma estatística científica e uniforme da criminalidade". 7 Finalmente convém anotar que, por simplificaçãoou desconhecimento, não faltou quem optasse pela inclusão apressada da maioria dos casos entre os "mesobiocriminosos". Muitos casos precisaram de "revisão", para que se fizesseadequada avaliação. Notas e referências 1. Veiga de Carvalho, Os Criminosos e suas Classes, 2~ ed., São Paulo, 1964, e Manual de Introdução ao Estudo da Criminologia, 2~ ed., São Paulo, 1964, capo VI. 2. Abrahamsen, D., The Psychology 01 Crime, Nova York, Science Ed., 1960, p.37. 3. Veiga de Carvalho, H., Criminologia, São Paulo, Bushatsky, 1973, p. 142. 4. Idem, ibidem, p. 164. 5. Idem, ibidem, p. 164. 6. Cf. capo IX - Compêndio de Criminologia. 7. Ob. cit., p. ISO.
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A DINÂMICA DO ATO
C=
Capítulo 3 A DINÂMICA DO Aro E A CLASSIFICAÇÃO NATURAL DOS CRIMINOSOS
"A ação humana, para ser criminosa, há de responder objetivamente à conduta descrita pela lei, contrariando a ordem jurídica e incorrendo seu autor no juízo de censura ou reprovação social. Considera-se, então, o delito como a ação típica, antijurídiJ ca e culpável".1Assimconceituada,caracterizar-se-iapor dois elementos objetivos: sua tipicidade e sua antijuridicidade, aliados a outro de natureza subjetiva: a culpabilidade.Este, contudo, pressupõe seja o autor imputável, pois "não poderá ser objeto de reprovação quem não tenha capacidadepara tanto".2 Assim, atualmente, aceita-se que "a culpabilidade não é requisito do crime, funcionando como condição da pena".3 Se o delito se caracteriza, então, por sua tipicidade e sua antijuridicidade, pode-se desde logo - adiantar que a sua motivação, em última análise, é absolutamente superponível à do ato considerado socialmente ajustado. Aliás, é de se lembrar que determinado ato pode ser objeto de criminalizaçãoou descriminalização,segundoa conveniência e o interesse sociais, que são mutáveis no tempo e no espaço. Assim, um paralelo pode ser estabelecido entre a motivação do delito (ato criminoso)e a do ato socialmenteaceito (ato ajustado). Abrahamsen4descreveo que denominou "fórmula do comportamento criminoso". "Ao explicara origem de um ato criminoso precisamosconsiderar três fatores: tendênciascriminais(T), a situaçãoglobal (S)e as resistênciasmentaise emocionaisda pessoa à solicitação(R)." "O ato criminosoé a soma das tendências criminaisde um indivíduo com sua situação global, divididapelo acervo de suas resistências."
T+S R
"As tendênciascriminosas de uma pessoa e suas resistências a elas podem resultar numa ação criminosa (anti-social) ou em ato socialmente aceitável, na dependência de qual dessas forças venha a predominar." Apesar da simplicidade, essa formulação é extremamenteclara e judiciosa, pois coloca em evidênciao fato das disposições (tendências) se aliarem a solicitaçõesmomentâneas (situação)para levar alguéma um ato, que poderá ser contido pelos meios repressores (resistência). Esse processo dinâmico se faz sempre presente, sem depender primária ou obrigatoriamente da natureza jurídica da ação. Tanto assim, que determinadascondutas, situadasna faixa do socialmenteaceitávele fora da punibilidadejurídica, provocam sentimentos de culpa em seus autores. Isso indica terem sido vencidas lacunarmente suas resistências,o que posteriormente recebeu reprovação da censura individual, apesar de não ocorrer o mesmo no plano social. A fórmulaproposta oferecea vantagemde lembrar que o processoevolutivode estruturação do caráter é o que - pela introjeção de valores - promove a formação da crítica e desenvolveos meios capazes de conter os impulsos ou as respostas às solicitações (situação) de variadas origens. Haverá sempre uma integração de fatores causais, por meio de um processo de natureza intrapsíquica, do que resulta a manifestação final: o ato. Poderíamos, com propriedade, nos expressar de outra forma: o ato exigeo concurso de duas ordens de condições: de um lado as solicitadoras (desencadeantes)e de outro a personalidade do agente (predispondo e resistindo).
FATORESDO A TO CRIMINOSO5
~ IC
FM
FGS
FIC FM
= fatoresindividuaiscorporais
= fatores mentais
~
B
CRIME
FGS
= fatores gerais sociais
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Se substituirmos nos esquemasanteriores o termo crime por ato, estaremos diante de conceitos superponíveis.Aliás, até aqui estamos vendo que os processos dinâmicos geradores do ato criminoso e do ato socialmenteajustado não diferem. Sempreocorrerá uma somaçãode tendênciase solicitaçõesque enfrentará uma contenção: os fatores individuais e sociais associam-separa passar por uma integração psíquica, que levará ou não à prática do ato; a personalidadeglobal num dado momento será levadaa executar certa ação, ou freará os impulsos. As características do produto final - o ato - é que dirão se chega a configurar crime. Assim, diante de uma inimputabilidadenão se cogitaráde punição do agente, mas de tratamento de uma situação anormal. Ocorrendo imputabilidade há de se cogitar da antijuridicidade, só estabelecíveldiante de uma norma jurídica vigente. Por isso toda tentativa de compreensão dinâmica do ato criminoso há de se socorrer dos mesmoselementos presentesna gênesedo ato socialmente ajustado. INIMPUT Á VEL
AJUSTADO
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A DINÂMICA DO ATO
PSICOLOGIA DO CRIME
CRIMINOSO
Dispostas as coisas desta forma, é possíveldeixar-sede lado duas controvérsias intermináveis: de uma parte a complexidade da motivação humana em termos de "fatores causais" 6-7e, de outra parte, as "teorias criminogenéticas". 8-9-10-11 Não se trata de uma posição simplista, mas basicamente "compreensível", pois permite a explicaçãodo ato (e conseqüentemente do comportamento) em condiçõesnormais ou patológicas, de ajuste social ou de atividade criminosa. É evidente que essa compreensão requer adequado conhecimento da estrutura global da personalidade do agente ao tempo do fato considerado12bem como de sua "circunstância". Portanto interessamaqui as condiçõesparticulares extrínsecas e intrínsecas, dentro das quais o agente chegou a praticar determinada ação. Em síntese,qualquerato implicauma personalidade,com suas disposiçõese seusmeioscontensoresa par de fator ou fatores precipitantes ou desencadeantes.
DINÂMICA DO ATO
G = personalidadedo agente FS = fator solicitante
P
o substrato biopsíquico, constituído pelas disposiçõese aptidões recebidashereditariamente, é trabalhado pelas experiências adquiridas e progressivamenteincorporadas, de modo que cada pessoaadquire, pelaintegraçãodetodos esseselementos,uma configuração própria e unitária.13Esta "síntese de todos os elementos que concorrem para a conformação mental de uma pessoa, de modo a comunicar-lhe fisionomia própria" chamamos personalidade.14São incontáveis os fatores que participam ~esse processo evolutivo desde os primórdios da vida até o momento em que observamos o produto final: uma dada estrutura de personalidade. A natureza dos fatores constitucionais e evolutivos é certamente polimorfa: alguns são biológicos,outros psicológicose outros ainda sociais. Contudo, numa primeira fase, estão participando da estruturação de uma personalidade e por esse motivo devem ser consideradosprimários. Usando-se essa terminologia estaremos pondo em evidência a importância formativa dessesfatores, mais do que nos ocupando de suas características de ordem estática. Dessa forma podemos nos reportar a uma constituição biopsíquica e a um processopsico-evolutivo para chegaràquela configuração individual e unitária a que se fez menção inicialmente. De outra parte, num dado momento ocorre uma solicitação que leva alguém a agir. Este fator (ou fatores) agora atua sobre uma estrutura já pronta e acabada. Pode e deve ser considerado, por isso, secundário. Também este poderá pertencer a variadas categorias, da mesma forma que os fatores "primários". A característica básica, que nos interessa neste momento, é a de ser desencadeador de uma ação.
32
PSICOLOGIA DO CRIME
A DINÂMICA DO ATO
É óbvio que ao tempo do ato (ou mesmo antes) essesfatores primários e secundários passam por uma integração intrapsíquica. Não importa, em termos dinâmicos, a categoria (biológica, psicológicaou social)a que pertençam, nem se procedemdo meio interno ou do ambiente exterior: é mais importante saber se interferiram na formação da personalidade do agente ou no desencadeamento da ação. FATORES PRIMÁRIOS
F. PRIM.
I
{~
I
F. SECo
I
E SECUNDÁRIOS
~G
I
Compreendidoo complexo"constituição- formação-
so=-
licitação - ato", nãoseráimpossível,numsegundotempo,apre-
ciar as características de cada fator ou grupo de fatores. Em síntese, os fatores constitucionaise psico-evolutivos(primários) estruturam uma personalidade, enquanto outros (secundários) desencadeiam a ação. FATORES PRIMÁRIOS E SECUNDÁRIOS DO CRIME
I
F. PRIM.
F. SEC
Como parece ter ficado claro, os chamados "fatores causais do crime" (ou outra denominação equivalente que se possa empregar), na realidade, interferem duas vezes: na estruturação da personalidade (1~tempo) e no desencadeamento do ato (2~tempo). Esseresultado final- o ato - só é possívelapós um processo de integração intrapsíquica. É aí que as disposições (tendências) se associam à solicitação (fatores situacionais) e enfrentam os mecanismos contensores (resistência). Assim, a pessoa poderá chegar ou não à ação. Tudo vai depender de um equilíbrioou desequilíbriode forças (confira a "fórmula de Abrahamsen"). A par do ato ajustado, aqui, nos interessa a ação criminosa. Uma pessoabem formada e bem constituída poderá ter rompido lacunarmente o seu equilíbrio e praticar um crime, por reação. Conquanto seja uma conduta judicialmenteprevista (típica), difere do teor geral do comportamento desta pessoa (psicologicamente é atípico): trata-se de crime eventual (o agente é uma personalidade normal). Chega a ser sintoma da perturbação: trata-se de delinqüência sintomática. Pode ocorrer defeito da personalidade, por má constituição ou por má formação, e o ato criminoso chega a ser expressãode caráter. É o que sedá com as "personalidadespsicopáticas"e "personalidades delinqüentes". Como não é difícil de perceber, os "fatores causais" podem ser enfocadosde várias formas. Para uma simplificaçãocompreensiva, vejamos o quadro seguinte:
I
I
I
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I
F. PRIM. = Fatores primários F. SECo = Fatores secundários
P = Personalidade FS = Fatorsolicitante
CRIME
I
Modo
Tempo
Natureza
Geral Individual
Primário Secundário
Constitucional Psico-evolutivo Social
Esses mesmos conceitos podem ser enfocados de outra maneira. Em Criminologia distingue-sea dinâmica do ato agudo da responsável pelo comportamento delinqüencialcrônico.ls (a) Ato agudo (ato grave) - O agente tem personalidade bem
formada: integrou os valoresbásicosde sua cultura; aceitou ajus-
A DINÂMICA DO ATO
PSICOLOGIA DO CRIME
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tar-se à sociedade, à família e ao trabalho; é tido e havido como obediente à lei. Um ato delituoso não combina com o feitio de sua personalidade, cujos traços básicos se conservam para além da ação criminosa. Somenteum rompimento lacunar de seu equilíbrio interior explicao crime. Essa ação se apresenta como sendojuridicamentetípicaepsicologicamenteatípica.Manifestamente os fatores circunstanciaisvenceram lacunarmente as resistências e dominaram o funcionamento global da personalidade do agente. A "circunstância" se apresenta como "situação específica" e geradora do ato criminoso. Usualmenteesseato é percebidocomo uma violência, desencadeiasentimentode culpa e pode até sinalizar arrependimento. As reações súbitas de ira, as ações explosivas' 'em curto circuito", algumas violências sexuais, podem indicar agente anormal ou limítrofe e, assim, essescasosmerecemestudo especial(pode tratar-se de "delito sintomático", inserido no campo da psicopatologia forense). (b) Comportamento delinqüencialcrônico("processo de maturação criminal") - Aqui as coisas são bem diferentes: o agente não integrou ou até rejeitou os valores comuns da sua cultura; passou a aceitar com naturalidade a prática delituosa; tem comprometimento da crítica e do senso ético; a recidiva é usual; o arrependimento é questionável; os delitos são cuidadosamentepreparados individual ou coletivamente(conforme o caso). A personalidade domina a circunstância e o crime se converte em "estilo de vida". As condiçõespara delinqüir são procuradas ou preparadas. Ato delitivo
Circunstância
Agudo Grave Eventual
Específica "sui generis"
Praticado por maturação criminal
Inespecífica procurada ou preparada
Dinâmica Circunstância predomina e vence resistências pessoais Personalidade domina a circunstância - resistência fraca ou nula
De tudo isto resulta uma diferenciação simples e clara entre ato delitivo (agudo) e comportamento criminoso (crônico).
35
Christiano de Souza16reuniu elementos para estabelecer os "fundamentos da classificação natural dos delinqüentes". Esta classificaçãoprocura se abster de uma posição preconcebida ou "artificial". O ponto de partida está na comparação do ato criminoso com o ato ajustado. Considerando que o conceito de crimeé variávelno tempo e no espaço, admite que a motivação independeda natureza jurídica do ato. Lembre-se,de passagem, o que ocorreu com menores franceses durante a Segunda Guerra: treinados a burlar a vigilânciadas forças invasoras e saquear víveresalém do cerco militar, foram tidos por verdadeiros heróis até o armistício e, a partir daí, converteram-seem objeto de repressão policial. Se é verdade que a situação social se modificou e, com ela, os valores, não é menos certo que o ato anteriormente louvávelconverteu-seem prática delituosa. É de se considerar que a "motivação" afetada pelas circunstânciasde guerra, agora deveriaatender aos ditames de uma sociedadepacífica. Muitos, porém, não se adaptaram às novas circunstâncias, que modificaram a natureza jurídica de um mesmo ato. Ora, conforme se esclareceuna dinâmica do ato criminoso, o processo gerador da ação é idêntico nas atuações ajustadas, criminosas e até mesmo inimputáveis. Esse dinamismo, pois, é a base da "classificaçãonatural", que, aliás, é assimdenominada exatamente por atentar para esse processo psicodinâmico. "Para que um crime seja possível, é necessário o concurso de duas ordens de condições: de um lado o ambiente no momento do crimee de outro a personalidadedo criminoso" (p. 29). Ora, se levarmos em conta o princípio da causalidade,17teremosque aceitar um infinito encadeamento de "causas", desde as "imediatas" até as mais "remotas". A última, na realidade mais próxima, funcionaria como um denotador de um processo pregressamente iniciado. "A maioria das condições (mesológicasou constitucionais) apontadas como criminógenassão, na verdade, fatores que contribuem para modelar a personalidade dos sujeitos que, um dia, poderão tornar-se delinqüentes.São causas mais ou menos remotas da criminalidade." 18 Assim,teremosde consideraros "fatores primários", que participam do processo formativo ou psico-evolutivo, como sendo "causas remotas", enquanto os precipitantes de uma dada ação devem ser tidos como "secundários".
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PSICOLOGIA DO CRIME
A DINÂMICA DO ATO
Dessa forma, fica fácil estabelecer uma sistemática, válida não só para o ato criminoso, como para o ato ajustado: a) 1~ hipótese os fatores secundários predominam, de modo
Como sepercebe,as característicasda personalidadedo agente, ao tempo do crime e sua participação na dinâmica do ato é o que define a que grupo natural ele pertence. No primeiro caso trata-se de personalidade normal; no segundo, de uma personalidade mórbida e no terceiro, de um portador de defeito. Trata-se de um tríptico bastante abrangente, de fácil compreensão e imediata aplicabilidade. Contudo, parececonvenienteuma especificaçãodo que sedeve aqui entender por personalidade "normal", "mórbida" ou "de-
-
exagerado, sobre os primários e os dominam no processo gerador da ação; b) 2~hipótese - as condiçõesprecipitantessão de pequena monta e as causasremotas, quasepor sisós, levama pessoaao ato. Poderíamos, então, cogitar de ações de "motivação primária" e de "motivação secundária" e, assim, chegarmos aos diferentes grupos da classificação "natural". As consideraçõesanteriores permitem que se estabeleçamos seguintes grupos naturais: 1~)delito ocasional- Trata-se da personalidadebem constituída e bem formada, socialmenteajustada que, mediante solicitação particularmente forte, rompe lacunarmente o seu equilíbrio e chega à prática anti-social. É evidenteque os fatores primários tiveram pouca ou nenhuma participação na dinâmica do ato. 2~) delito secundário ou sintomático
-
Atribuível
~estado
mórbido, convertendo-senum verdadeirosintomada doençae com o mesmo valor que os demais, guarda nexo causal com a perturbação referida, seja esta permanente ou transitória. 3~) delito primário ou essencial- Agora estamos diante de uma "manifestação fundamental do delito pessoal" (p. 30). Podemos dizer que se trata de agente portador de "defeito do caráter"
Tipo
CLASSIFICAÇÃO NATURAL DOS CRIMINOSOS Caracter{sticas
Ocasional
a) personalidade normal b) poderoso fator desencadeante c) ato conseqüente do rompimento transitório dos meios contensores dos impulsos
Sintomático.
a) personalidade com perturbação transitória ou permanente b) mínimo ou nulo fator desencadeante c) ato vinculado à sintomatologia da doença
Caracterológico
a) personalidade com defeito constitucional ou formativo do caráter b) mínimo ou eventual fator desencadeante c) ato ligado à natureza do caráter do agente *Estes casos são da alçada da PsicopatologiaForense
.
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feituosa"
I
.
Considera-se"normal" o indivíduo que, apesar de seusproblemas, traumas e conflitos, apresenta-se como "ajustado" até o tempo da prática anti-social considerada. É claro que no processo formativo passou por incontáveisexperiências,tanto construtivas como conflitantes, mas que não o impediram de se adaptar às normas sociaisvigentes.Não setrata de uma abstração, nem se pretende entrar na controvérsia do que seria o "normal", falar em "pessoa socialmenteajustada" , mas esta expressãocriaria confusões com as atenuações ou períodos intercríticos de certas anomalias.Na realidadeo "normal" aqui é o indivíduo"comum" , que permanece obediente à lei até uma infração de certo modo imprevista e inesperada. A personalidadeserá considerada "mórbida" , q1,landoapresentar perturbações das funçõespsíquicas, de qualquer natureza. Inicialmente não interessa a causa ou o curso evolutivo da perturbação, mas a sua vigênciaao tempo do fato criminoso. Estes últimos dados (causa e curso) poderão servir para uma nova sistemática dentro destegrupo. Mesmonas perturbaçõescíclicas,nos períodos intercríticos, poderemos encontrar nexo entre o fato e a anomalia, o que será suficientepara o enquadramentp do caso no grupo da delinqüência sintomática. Finalmente, falamos em "defeito", quando, apesar da preservação das funções psíquicas superiores, está comprometida a capacidade de jugamento. Esta levao agente a uma atitude "antisocial" ou "parassocial", pelo que se torna um candidato à reincidência na prática criminal, na dependência direta da estruturação do referido "defeito".
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PSICOLOGIA DO CRIME
Notas e referências
p.77.
1. Magalhães Noronha, E., Direito Penal, 11~ed., Saraiva, 1974, voI. I, § 50, p. 92. 2. Da Costa Jr., P., Direito Penal Objetivo, 2~ ed., Forense Universitária, 1991,
3. De Jesus, D., Direito Penal, 1~ ed., Saraiva, 1985, 1~ voI., p. 137. 4. Abrahamsen, D., ThePsychologyofCrime, Nova York, ScienceEd., 1960,capo 11. 5. Leauté, J., Criminologie et Science Penitentiaire, Paris, PUF, 1972, p. 463 _ atribui a Mannhein, H., in Comparative Criminology, 1965. 6. Sargent, S.S., Basic Teachings ofGreat Psychologists, Nova York, Barnes & Noble, 1947, capo VIII.
Capítulo 4 DELINQÜÊNCIA OCASIONAL
7. Klineberg, O., Psicologia Social, Rio de Janeiro, Ed. F. Cultura, 1957,2 vols. 8. Hesnard, A., Psicologia do Crime, 2~ ed. (trad. esp.), ISBN, 1974, capo I. 9. Di Tullio, B., Tratado de Antropologia Criminal, 1~ ed. (trad. esp.), Buenos Aires, 1945, capo 3~, pp. 85-200. 10. Lopez-Rey y Arrojo, M., Criminologia, 3~ ed., Madri, Aguilar, 1975, capo lI, pp. 90"166.
Poderia parecer que a "delinqüência ocasional" não ofereceria maiores problemas conceituais. Contudo, isso não é verdade, pois cada autor que emprega essa terminologia o faz com diverso conteúdo. Bastante esclarecedor dessa matéria é este parágrafo de Pinatel:1"A interrogação que domina a matéria é saber se a ocasião faz o ladrão ou revela o ladrão. Garofalo era partidário desta última opinião. Depoisdele, Carrara pensou que os delinqüentes ocasionaiseram sempreligeiramentepredispostosà delinqüência. Ottolenghi, pelo contrário, estimava que o delinqüente ocasional não é revelado pela ocasião, mas produzido por ela. Segundo ele, em circunstânciasexcepcionais,todo homem pode ser levado ao delito. Para Vervaeck, igualmente, há de se admitir a existência de uma delinqüência ocasional como a expressão de acontecimentos episódicos, ligados a circunstânciasexcepcionais e a fatores psicossociais. Falco acertou, também, que os verdadeiros delinqüentes ocasionais são aqueles em que só a ocasião determina o ato delitivo. Enrico Ferri colocou-seem posição intermediária: os delinqüentesocasionaissão aquelesque, sem apresentar uma tendência inata para o delito, cometeminfrações sob a influênciadas tentaçõescausadaspor fatores pessoaisou do ambiente exterior." Dessasváriasposições,a classificaçãonaturaltem optado pela que parece mais clara: trata-se de delito praticado por agente até então socialmenteajustado, obedienteà Lei e que só chegouà ação anti-social respondendo a uma forte solicitação externa. Di Tulli02escreve: "São indivíduos que, em geral, pertencem ao termo médio e que, no referente à sua conduta social, po-
11. Di Tullio, B., Principios de Criminologfa Clfnica y Psiquiatrfa Forense (trad. esp.), Madri, Aguilar, 1963, capo lI, pp. 21-60. 12. Mayrink da Costa, A., Exame Criminol6gico, Rio de Janeiro, Ed. Jurídica e
Universitária,1972.
_
13. Vallejo Nagera, A., Tratado de Psiquiatrfa, Buenos Aires, Ed. SaIvat, 1944 (citando os conceitos de Honimann), p. 218. 14. Porot, A. et alii, Manuel Alphabétique de Psychiatrie, PUF, 1965, p. 423. 15. Pinatel, J., "Criminologie Clinique", in Dérobert, L., Médicine Légale, Paris, Flammarion, 1976, parte X, capo 43. 16. Christiano de Souza, C., "Fundamentos da Classificação Natural dos Delinqüentes", Revista Psicol. Normal e Patol., 8 (1-4): 21-38, 1962. 17. Gregory, L, Fundamentais of Psychiatry, Ed. Saunders, 1968,capo4~, pp. 46-80. Na realidade existem outros "princlpios", como o "teleológico". 18. Christiano de Souza, C., ob., loc. cits.
I
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PSICOLOGIA DO CRIME
dem usualmente entrar no grupo dos chamados normais, indiferentes e conformistas". Também Hurwitz3reforça: "Este grupo não apresenta traços anti-sociais ou associais pronunciados e não tem traços típicos comuns de nenhuma classe, como se observa em certos grupos de delinqüenteshabituais e profissionais,senão que compreende indivíduos médios de todas as classes". O elemento mais típico deste grupo é o fato do agente apresentar uma personalidade "normal" e "socialmente ajustada antes do crime". Logo, a história vital não registrará antecedentespsicopatológicos ou disgênicos; o curso evolutivo estará isento de desvios ou distúrbios; o exame mental estará dentro da chamada normalidade; as provaspsicológicasindicarãoharmonia, controlede impulsos e adaptabilidade; a observação social indicará ajuste ao meio, no passado e no presente. Trata-se aqui de um grupo bastante homogêneo e o trabalho original não cogitou de subgrupos4. Isto se deve à importância atribuída ao fator secundário, no caso de porte avantajado. Esta superioridade da força solicitantesobre os mecanismosde equilíbrio pessoal presente, caracteristicamente seria elemento seguro a garantir homogeneidade intragrupal. É de se perguntar, contudo, seuma subclassificaçãoteria utilidade prática. Algumas subdivisõespoderiam ser lembradas. Por exemplo, Jimenez de Asúa5usa a denominação de "criminalidade acidental" abrangendo duas formas: "delitos por equívoco" e "delitos de situação". E anota: "Delito por equívoco: com este título designam os psicanalistas o que é denominado pelos juristas "delitos culposos". As condutas deste tipo se produzem quando o ego está com a atenção fixa em coisa distinta da ocupação real que o indivíduo empreende, e no caso, qualquer tendência criminal inconsciente chega a desbordá-Io". E mais adiante: "Delitos de situação: com cuja nova nomenclatura designam os psicanalistas o que os cultores do Direito Penal chamam delitos "ocasionais". Todo mundo compreende e desculpa estas ações, executadas em certas circunstânciasem que o choque afetivo provoca no sujeito uma reação criminal".
DELINQÜeNCIA
OCASIONAL
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Contudo, nos parece muito mais clara a exposiçãode Di Tullio,6quando escreve:"Cremos que pode considerar-sedelinqüente ocasional aquele que chegou ao delito por causas distintas preferentemente exógenas, que agem como estímulos criminógenos de particular intensidade, pelosquais, em certo momento, sua habitual capacidade de adaptação à vida social e, particularmente, às exigênciasdas normas morais codificadas, chega a debilitar-se ou a faltar." Subdivide-seem três classes: a) ocasional puro - que chega a delitos de levíssima gravidade por causas e circunstâncias completamente acidentais; b) por situações ambientais desfavoráveis, hábitos prejudiciais, más companhias, sugestões imorais; c) por estados emocionais e passionais. Este esquema parece claro e prático. No demaisestegrupo parecenão oferecerdificuldades.Apesar disto, às vezes, aparecem. Pinatel diz que "representam a grande maioria dos delinqüentes" e "entre os adultos há de setenta a oitenta por cento de sujeitos que, por não reincidirempodemserconsideradoscomo "ocasionais" . É preciso não confundir delinqüência "primária" (sentido jurídico) com "delinqüência ocasional" (sentido psicológico).A primariedade penal não implica delito eventual, pois este requer - nos conceitos da "classificação natural" - que o infrator apresente uma "personalidade normal". Há certos tipos de delito que por sua simples natureza já atestam defeito de personalidade: da capacidade crítica, do senso ético, da inadaptação social. Assim, o seqüestrador, o estelionatário, o estuprador (por exemplo) não podem ser tidos por "delinqüentes eventuais" ou "ocasionais"
.
A inclusãode alguémneste grupo de infratores requer de modo claro e inequívoco fique constatada uma ruptura lacunarno funcionamento de seus meios contensores de impulsos, que sucumbiram frente a desproporcional solicitação fortuita. Essa situação, de regra, não se repetirá (embora possa haver exceções, que requerem cuidadosa análise). Uma pessoa normal apresenta:
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PSICOLOGIA DO CRIME
1. harmonia psicológica 2. ajuste comportamental (ao longo do tempo) 3. adoção dos valores sócio-culturais (do seu meio) Ao mesmo tempo não apresenta: 1. Sintomas de desvios ou perturbações psíquicas - Quan-
do há sofrimento "neurótico", este é insuficiente para produzir desajuste social grave ou levar à prática delitiva, exceto o que se descreve no capítulo "Delinqüência neurótica". 2. Desobediênciaà lei, com infrações evidentes - Se cometer alguma "falha", será insignificante, tolerada pela sociedade, não dando lugar a um "Processo-crime". 3. Revolta imotivada aos usos e valores - É claro que sempre ocorrem fatos que são objeto de contestação, mas dentro dos limites socialmente aceitos. Os "reformadores" não rejeitam os valores de sua cultura ab initio, mas somente depois de cuidadosa análise. Não são revoltados: desejam troca dessesvalores por outros, que consideram "melhores".
. Transcrevemos,a seguir, um laudo em que se firmou o diagnóstico de "delito eventual". A hipótese de alteração patológica restou totalmente afastada. Foi feita observação demorada, multiprofissionale integrada.A sua inclusãoaqui pareceesclarecedora. LAUDO MÉDICO l. Por determinação da Vara Auxiliar do Tribunal do Júri, o indiciado J. G. F., brasileiro, solteiro, leucodermo, com 21 anos de idade, é submetido a examede sanidade mental no Instituto de BiotipologiaCriminal. Motivou essa determinação o acórdão da 2~ Câmara Criminal proferido no Recurso Criminal. Histórico e Antecedentes 2. Foi denunciado perante a Justiça Pública porque nas proximidades da esquina da rua X e Av. Y, após desinteligência com companheiros e ingestão de bebida alcoólica, usando arma de fogo fez disparos, do que resultou a morte de A. B. S. e ferimentos em C. C. E. e R. P. Foi indiciado no art. 121do Código Penal. 3. Havendo informe de que o acusado estivesse por duas vezes no Serviço Médico do Departamento de Assistência aos Psicopatas, acometido, anteriormente, de crises convulsivas, foi determinado o exame prévio no Manicômio Ju-
DELINQÜeNCIA
OCASIONAL
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diciário do Estado. O laudo de fls. do apenso de incidente de sanidade mental, de lavra dos Drs. J. R. B. e P. F., estabelecem: a) "Trata-se de paciente portador de epilepsia, em que alternam-se as crises convulsivas, perfeitamente caracterizadas no pass!ido e atualmente no decorrer de sua internação; b) "Trata-se de delito que não foi praticado em período de fase crepuscular, mas sim sob a impulsão epilética, manifestando o internado nítida lembrança do ato delituoso (fls.); c) "... pelas considerações que acabamos de tecer, nos levam a considerar o internado em questão como inimputável frente ao delito praticado" (fls.). 4. Com tal conclusão não concordou a Defesa, que solicitou Parecer, de lavra dos Drs. O.R.L., D.R. e W.C. Incluso no Processo do Tribunal do Júri, integra a fls. do mesmo. Em síntese, estabelece: a) não se caracteriza, pelos dados registrados no Processo e no laudo original, impulsão epilética no ato delituoso (fls.); b) não se pode concluir por inimputabilidade do indiciado (fls.); c) trata-se de "epilepsia - crises do tipo grande mal: etiologia por elucidar" (fls.); d) diante da morfologia delituosa e das características do autor e do modo como recompõe os fatos, preferem considerá-Io "imputável" (fls.). 5. Tendo a Defesa interposto Recurso, a matéria subiu à consideração da 2~ Câmara Criminal e esta, por votação unânime, resolveu "converter o julgamento em diligência a fim de que seja feita outra perícia pelo Instituto de Biotipologia Criminal". Daí o presente exame. 6. Natural de XX, procede de família sadia, em que não se registram casos de neuropsicopatias ou delinqüência. Ignoram-se casos de convulsões entre ascendentes e colaterais. Infância sadia, sem particularidades. Freqüentou escolas primárias e secundárias, tendo alcançado a terceira série do "curso básico". Quando contava 13 a 14 anos de idade apresentou crises convulsivas durante o sono e, por isso, chegou a ser levado ao Departamento de Assistência a Psicopatas e a ser tratado tanto ali como com médicos particulares. Uma vez medicado, passou perfeitamente bem, sem crises convulsivas ou equivalentes. Na realidade, afirma não mais tê-Ias tido até o presente. Nega doenças infantis ou infanto-juvenis de grave repercussão no desenvolvimento somato-psíquico. Refere passado pessoal sem outros dados de interesse psiquiátrico. Trabalhou em vários lugares, especialmente bancos, com razoável ajuste, alegando que de um saiu por causa de sua insuficiente produtividade, mas em outro adaptou-se normalmente. Nega disposição toxicófila e diz que somente de modo fortuito e eventual usa bebidas alcoólicas. Seu ambiente familiar lhe parece sadio, com bom ajuste e entendimento entre os familiares. Refere uma única vez em que se envolveu em luta corporal, sem maior importância e razoavelmente bem motivada. Não se colhem outros dados de interesse. 7. Fornece relato coerente a respeito dos eventos motivadores do presente Processo e este se mostra de acordo com o relato do inquérito policial. É capaz de repetir os pormenores todos, os nomes das pessoas e a seqüência dos aconte-
u. C. G. r'bl In,TP'"..
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PSICOLOGIA DO CRIME
cimentos. Não foge à responsabilidade e atribui à ação do álcool e à provocação por ele sofrida as ações que praticou. Também não oculta o tratamento a que se submeteu, bem como onde e como foi medicado. Revolta-se com as conclusões do laudo elaborado no Manicômio Judiciário e alega ter sempre passado bem, tanto no período em que lá esteve para exames, bem como o de observação na Penitenciária.
Descrição 8. Paciente leucodermo, de boa composição física, do tipo constitucional atlético, sem particularidades dignas de nota. 9. O exame clínico geral apura boa constituição óssea, musculatura eutrófica e eutônica, ausência de adenopatias ou lesões cutâneas. 10. O exame semiológico sistemático não evidência sintomas ou sinais próprios de processo organopatológico em atividade ou evolução. 11. Equilíbrio e marcha íntegros. Motricidade e sensibilidade dentro dos limites considerados normais. Ausência dos sinais de Romberg e Argyll Robertsono 12. Apresenta-se a exame calmo, consciente, orientado globalmente, tendo perfeita noção de sua pessoa, seu estado e sua situação processual. Interessado e bem posto, presta informes com facilidade, coerência e desce a pormenores, com certa dose de viscosidade. Inteligência normal. Associação ideativa rápida, lógica, coerente. Não se apuram perturbações do curso ou da estrutura do pensamento. Inexistem dados sugestivos de deterioração. Tem certo grau de agressividade, com a vontade consciente controlada. Refere crises do tipo convulsivo em tempos passados e nega que as tenha no presente. Observam-se pequenas lacunas de memória referentes a fatos muito anteriores e não são observadas em relação a fatos recentes. É capaz de descrever com pormenores e coerência os fatos ocorridos no dia do evento delituoso. Não perdeu a consciência e conserva precisa memória das pessoas, de suas atitudes e repete com precisão como executou todos os atos de interesse para o presente exame. Traços de personalidade algo primária. Emotividade exaltada, porém sem respostas impulsivas. Nega fenômenos do tipo do dromomânico, do dipsomânico, e do furor epilético. Capacidade crítica e senso ético preservados, sofrendo as influências do colorido global da personalidade. Não se colhem dados de linhagem psicótica. 13. Submeteu-se a variados exames eletroencefalográficos no Instituto de Biotipologia Criminal, todos com resultado negativo. I?) EEG n. X: Traçado em condições técnicas não muito satisfatórias pela pouca cooperação do paciente. Exame realizado em vigília. Atividade elétrica cerebral mostrando ritmo de base alfa subdominante, irregular, freqüência 12-14 c/pseg., amplitude 10-15microvolts, simétrico bilateralmente. A hiperpnéia não revelou sinais elétricos do tipo patológico. Conclusão: ritmo de base alfa subdominante, irregular e simétrico. EEG normal. Dr. T.P.M. 2?) EEG n. X-A: Traçado em condições técnicas satisfatórias. Exame realizado em sono induzido por 2 1/2 cápsulas de Nembutal. Atividade elétrica ce-
DELlNQO~NCIA
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rebral revelandoritmo de base com as característicasde forma, freqüência-apindles, voltageme simetria dos traçados de sono. Durante todo o período de exame não se registraram sinais elétricos do tipo patológico. Conclusão: EEG normal no sono induzido. Dr. T.P.M. 14.Estevesempreem regimede observaçãono Serviçode Psiquiatria Pavilhonar. Constam de seu boletim anotações do tipo das seguintes: a) "Até o momento não foi observada crise convulsiva alguma" (Dr. J.F.N.). b) "Explica com os mínimos detalhes o seu crime, dizendo ter atirado porque queria invadir sua casa" (Dr. J.F .N). c) "Sua narrativa tem bastante verossimilhança" (Dr. A.F.G.G.B.). 15. Submeteu-se a detalhado exame na secção de psicologia. Foram aplicados os testes INV de Pierre Weill, PMK de Mire y Lopes, Pirâmides de Max pfister e o Psicodiagnóstico de Rorschach. I) Inteligência: Trata-se de pessoa de inteligência definidamente superior. No INV obteve um escore bruto de 51 pontos, atingindo assim o percentil 95 em relação à população geral, colocando-se no grupo superior da população penitenciária. Há um equilíbrio nos fatores concreto-práticos e teórico-abstratos, não manifestando pendor para um trabalho minucioso. O pensamento é rígido, inflexível, estereotipado e por isso a adaptação intelectual é pouco rápida. Os interesses são limitados, percebendo-se a falta de cultura, de escolaridade e de experiência no plano intelectual. A visão e aceitação da realidade são normais, percebendo-se uma suficiente integração no pensamento coletivo. Tem capacidade imaginativa, mas as fantasias são muito pueris e por isso pouco construtivas. É evidente a sua preocupação com o próprio esquema corporal (traços hipocondríacos?) em detrimento do interesse social pelos outros. 11)Miocinético (PMK): Traços normais do ponto de vista qualitativo. Sem alterações rítmicas, revelando bom desenvolvimento psicomotor e intelectual. Reações atuais e constitucionais indicativas de: baixo tônus psicomotor; forte excitabilidade e impulsividade; agressividade normal; intratensão; pessoa racionalmente tensa, mas não emotiva; ansiedade. 111)Max PjlSter: Trata-se de
pessoa com forte controle sobre si mesma.
O controle é tanto de tipo racional como de tipo repressivo. A conseqüência é uma expressão afetivo-emocional muito pobre, revelando apatia neste plano. É pouco emotivo, procurando não deixar-se levar pelos sentimentos. No comportamento atual predomina a formalização da conduta, ou seja, guia-se por sistemas e esquemas anteriormente apreendidos, o que leva a uma maciça redução da espontaneidade e autenticidade de manifestação afetiva. Tende ao pessimismo, denotando-se forte angústia e ansiedade de tipo flutuante. Não consegue elaborar suficientemente os estímulos recebidos que assim nele se sedimentam, sendo uma fonte contínua de inquietação, de ansiedade, de ruminação. Na camada periférica mostra-se fortemente introversivo com preocupação consigo mesmo. É ambicioso mas sua energia vital não corresponde aos objetivos que se põem nem às suas reais capacidades. Embora a agressividade esteja sob forte controle, mal suporta a frustração de seus desejos e necessidades. Está atualmente muito interessado no auto-aperfeiçoamento. Revela certa estrutura de per-
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PSICOLOGIA DO CRIME
sonalidade e o teste deixa entrever que J. teria maiores possibilidades do que revela. Revela certa instabilidade e presença de traços neuróticos. IV) Rorschach: J. revela uma personalidade coartada com grande dificuldade de expressão afetiva e emocional. Está presente um controle formal e racional normal ao lado de forte repressão. Quando se externa no plano emocional é de maneira muito prudente e cautelosa, sendo muito inseguro. Por isso, procura constantemente maternalizar as pessoas, pondo-as ao seu lado e tentando satisfazer as exigências e expectativas que os outros têm ou poderiam ter em relação a ele. É patente sua imaturidade e sua dependência afetiva ao ambiente. Não chega realmente a um trabalho individual e pessoal, temendo sempre desagradar. Tem medo dos outros e o relacionamento com os outros causalhe muita ansiedade que tenta controlar intelectualmente. No fundo de sua personalidade é predominantemente introversivo. A preocupação narcisista consigo mesmo não permite um bom relacionamento. Consegue uma certa adaptação mas em detrimento da própria individualidade. É mais rico e diferenciado que demonstra, fugindo porém, para o mundo de suas fantasias, tão logo encontre algum obstáculo no contato com a realidade. Parece ter algum problema com a figura paterna e talvez com a identificação com o próprio sexo, pois é muito passivo, atitude usada para esconder talvez sua agressividade que nos testes não se manifesta. O tempo de reação e de adaptação é longo, pois sempre precisa de algum tempo para estruturar sua defesa. V) Conclusão: Trata-se de uma personalidade imatura, com dificuldade de adaptação, egocêntrica, inseguro e muito ansioso. Há indícios claros de tendências neuróticas. Os testes aplicados não evidenciaram disritmia ou qualquer outro indício que justificariam a suspeita de uma lesão cerebral (Theodorus von Kolck). 16. Além de todos esses exames, o interessado foi mantido longo período em observação no Serviço de Psiquiatria Pavilhonar. Jamais se observou crise convulsiva, equivalente motor ou similar. A medicação anticonvulsiva, de início instituída para observação e possível tratamento, foi suspensa e mesmo assim não se observou a presença de crise. vação.Essa situação foi sempre a mesma desde o início até o fim da longa obser-
Discussão
e conclusão
17. Os exames psiquiátrico e psicológico, os achados eletroencefalográficos e clínicos podem ser assim resumidos: ses;
a) não se observou crise convulsiva num período muito superior a seis me-
b) não se apuraram sintomas ou sinal próprio de perturbação de natureza psicótica; c) nos achados eletroencefalográficos repetidos foram sempre negativos; d) observam-se traços neuróticos de imaturidade, insegurança e discreta impulsividade controlada;
DELINQoeNCIA
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OCASIONAL
e) não se registram doenças orgânicas de interesse psiquiátrico, psicopatológico ou criminológico;
O observa-se
que houve conservação
da consciência
e preservação
da me-
mória em relação aos fatos criminais. 18. Tendo havido diagnósticos anteriores, houve necessidade de prolongar a observação, pois como se percebe não se colheram dados no mesmo sentido. Somente a reiteração de exames, as observações por vários especialistas do Instituto de Biotipologia Criminal (Drs. O.R.M., J.F.N., A.F.G.G.B., T.K.) permitiram que se chegasse à convicção da realidade do registrado neste laudo. 19. O delito foi praticado após uso fortuito de etílicos, provocação e agressão das vitimas e por agente que conservou a consciência e a memória dos eventos. O conjunto sugere conduta reativa. Seria de origem epilética? O epilético é portador de impulsividade e explosividade de difícil contensão. Há no passado do interessado referência a crises tratadas e difícil vinculação à prática delituosa. E isso porque as observações que lhe sucederam não registram distúrbios do caráter de linhagem epilética. Seria o delito um ato impulsivo isolado? A impulsão epilética geralmente é repetitiva e até periódica. Como estabelecer sua vigência no ato delituoso, sem características caracterológicas correspondentes? 20. Se não se trata de impulsão epilética, a que se deveria a ação do indivíduo? Os traços psicológicos apurados explicam: imaturo, inseguro, provocado e sob ação do álcool foi levado a uma conduta reativa psicogênica. Não é preciso estar vinculada à epilepsia. 21. Por que afasta a participação do fundo epilético? Procuramos afastá10pela simples razão de que não pudemos firmá-Io. Temos reservas em afirmar o diagnóstico de perturbação do círculo epilético pelas seguintes razões: a) não se comprovou crise epilética ou equivalente em longa observação e regime de internato e sem medicação; b) os traçados eletroencefalográficos sempre se mostraram negativos, não chegando sequer a sugerir lesão cerebral ou "zona convulsígena"; c) os traços caracterológicos típicos do epilético não estão presentes, salvo discreta viscosidade; d) os sintomas clínicos próprios do quadro epilético não estão presentes e vários especialistas observaram o periciando. 22. Em conclusão clfnica, não dispomos de dados cientificamente suficientes para firmar o diagnóstico de epilético e por outro lado, apuramos imaturidade, insegurança e disposição a condutas reativas. 23. Tendo conservado a consciência e preservado a memória, não sendo epilético e não apresentando perturbação psicótica, não nos parece que as capacidades de entendimento e de determinação se comprometessem e assim, deve a nosso ver, ser tido por plenamente imputável. 24. Em conclusão criminol6gica estabelecemos que o examinando é um delinqüente eventual e plenamente imputável. 25. As considerações clínicas baseiam-se nos ensinamentos de Mayer-Gross, Vallejo Fagora, Penfield, Mickleit, Gibbs e Gibbs, e outros, enquanto as conclusões criminológicas fundamentam-se na classificação de Christiano de Souza
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PSICOLOGIA DO CRIME
e na análise fundamental da responsabilidade do epilético de Ruiz Maya. Deixamos de analisar e transcrever os textos dos autores, para brevidade e simplificação do presente laudo. 26. Diante dos dados apontados é de perguntar a que se devem as crises que o levaram ao D.A.P. Convém ponderar que nessa época não foi feito EEG. Essas crises podiam ser simuladas ou de outra origem não epilética. Nem toda convulsão é epilética.
Capítulo5
27. Em conclusão: os dados colhidos em demorada observação e registrados neste laudo não nos autorizam a considerar o examinando um epilético e permitem inclui-Io entre os neuróticos imaturos e inseguros, sujeitos a condutas reativas. Trata-se de delinqüente eventual, plenamente imputável penalmente. Essa nossa conclusão, salvo melhor juizo.
DELINQÜÊNCIA
SINTOMÁTICA
Df. O.R.M. - Relator Dr. A.C.N. - Diretor 1/
Notas e referências 1. Pinatel, J. (Bozat, P. & Pinatel, J.), Tratado de Derecho Penal y Criminologfa (trad. esp.), Ed. Venez., Univ. Central Venez., 1974, 3? vol., p. 411. 2. Di TuIlio, B., Principios de Criminologfa Clfnicay Psiquiatrfa Forense (trad. esp.), Madri, Aguilar, 1963, p. 173. 3. Hurwitz, S., Criminologfa (trad. esp.), Barcelona, Ed. Ariel, 1956, p. 415. 4. Christiano de Souza, C., "Fundamentos da classificação natural dos delinqüentes, Revista Psicol. Normal e Patol., 8 (1-4):21-38, 1962. 5. Jimenez de Asúa, L., Psicoanálisis Criminal, 5~ ed., Ed. Losada, 1947, p. 89. 6. Di TuIlio, B., Princ(pios... cit., p. 174. 7. Pinatel, J., Tratado... cit., p. 440.
o segundo grande grupo da "classificação natural" é representado pela "delinqüência sintomática". Aparentemente o conceito é extremamentesimples:todas as vezesem que o agente criminal for portador de alguma anomalia da personalidade, a prática criminosa estará vinculada a essaperturbação e, por isso, trata-se de "delito sintomático". Mas, não é bem assim, pois é necessário que essa personalidade anormal tenha praticado o crime em virtude dessa anomalia, o que nem sempre ocorre. Em outros termos, é preciso que a prática criminal consideradafaça parte do conjunto mórbido ou tenha sido resultante do psicodinamismopatológico. Deverá, assim, integrar o elencode sintomasda perturbação, convertendose em expressãodessa mesma anomalia. Esse "nexo causal" é inteiramente necessárioe indispensávelpara que o crime possa ser tido por "sintomático". Muitas vezes,apesar do agente ser portador de determinada anomalia, falta o liame entre sua prática delituosa e seu quadro psicopatológico. Neste caso, o delito, praticado por pessoa não normal, tem efetivamenteoutra causa. Pareceser mais fácila compreensão deste ponto, depois da análise de várias formas caracteristicamente sintomáticas. Para simplificaro estudo e tornar o método seguramenteaplicávelna prática criminológica,é útil estabelecer-sesubgrupos.Tendo em vista que a "classificação natural" está baseada na participação e feitio da personalidade na dinâmica do ato, a subclassificação das formas sintomáticas pode se socorrer do esquema proposto por Porot e Kammerer: 1
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PSICOLOGIA DO CRIME
a) perturbações do desenvolvimentoe da continuidade, representadas pelas oligojrenias;
DELINQÜeNCIA
SINTOMÁTICA
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b) perturbações da senso-percepção,ideação e juízo crítico, representadas pelas psicoses e pelas demências; c) perturbações da harmonia intrapsíquica, provocando sofrimentos conscientesde causa inconsciente, representadas pelas neuroses(as anomaliasdo caráter devemser consideradasà parte).
dio, podem ser homicida, agredir autoridade, praticar ato de bestialidade, usar tóxicos ou praticar atentados ao pudor e violências sexuais. Nas formas mais graves, mostram-se irritáveis, podem praticar atos monstruosos, até parricídio ou tornarem-se incendiários.4 É evidenteque essesgraus avançados comprometem a capacidade de imputação.
Delinqüência frenastênica
Delinqüência psicótica
Trata-se da prática criminosa do infranormal pelo que também poderia ser chamada oligofrênica. Aqui é necessárioque se faça um diagnósticopluridimensional do agente (critérioescolar, clínico, psicométrico, social) e se tenha presente que atualmente consideram a oligofrenia como uma insuficiênciaglobal, em termos de infranormalidade.
Trata-seda delinqüênciapraticada por "perturbado mental". Esta pessoa está com comprometimento das funções psíquicas e, por isso, no passado foi chamada de "alienada". Entendemospor "delinqüênciapsicótica" a prática criminosa que se efetiva em função de uma perturbação mental qualquer. O indispensávelé que ao tempo da ação o agente fosse portador de comprometimento das funções psíquicas superiores. É evidenteque o agente se beneficiará do art. 26 do Código Penal e, por muitos, não se configura crime, no sentido restrito do termo. O que nos interessa,porém, do ponto de vistaclínico-criminológico é o nexo entre anomalia psíquica e ato criminoso. O mais importante, do ponto de vista criminológicoé a particular condição do agente ao tempo do fato que lhe é atribuído como crime. É evidenteque a causalidadeda perturbação seja em termos preponderantes ou desencadeantes5-6interfere no curso evolutivo da perturbação considerada. Levando-seem conta que o agentecriminalé examinadomuito posteriormente ao tempo do fato (mesmoquando se trata de "incidente de sanidade mental" nos termos do art. 149do CPP), o exame sempre terá um caráter retrospectivo, o que constitui dificuldade a ser enfrentada pelo perito. Mesmo com limitações várias, deverá o examinador procurar esclarecerqual das formas evolutivasé a do caso em observação. a) Episódio - Este se caracteriza por sua reversibilidade e não repetividade. Dito de outra forma, um período mórbido único, se intercala entre dois sadios e não há recidiva. Esquematicamente:
Efetivamente não se trata de moléstia única e comporta vários enfoques.2 O que interessa ao jurista não é a causa (disgenesias,defeitos do desenvolvimento,distúrbios inatos do metabolismo, hereditariedade dominante, recessivaou sex linked, etc.), mas apenas o produto final: um cidadão que está abaixo da média dos seus pares e, por isso, tem dificuldades adaptativas.3 É necessário,também, que se afaste a participação efetiva de outro fator criminógenoprecipitante,comoo tóxico,por exemplo. O nexo causal deveser firmado entre oligofrenia e ato delituoso. Um simplesachado de quocientede inteligênciamedíocreou mesmo definidamenteinfranormal não é suficiente para considerar o delito como "frenastênico". De outra parte é preciso considerar que o infranormal é sugestionávele, por vezes, se torna agente criminal, por indução e esta se vincula ao seu particular estado pessoal. Em outros termos, é preciso diferenciar claramente entre delinqüência débil (nexodireto) e delinqüênciapraticada por débil, por outro motivo (sem nexo causal). Nas formas leves, os agentes se inclinam ao roubo, atentados ao pudor, homossexualidadee falsas denúncias. No grau mé-
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PSICOLOGIA DO CRIME
Período sadio
Período sadio Fase mórbida
Para fins penitenciáriossó interessa a eventualidadede prática criminosa ocorrida durante o período mórbido, quando, então, o agente é inimputável. Tendo ocorrido volta à normalidade, o agente isento de outros desviosou anomalias não é dotado de potencial criminógeno e, por apresentar impossibilidade de reincidência, deve ser tido por não perigoso e retomar ao livre convívio social. Em nossa casuísticase inclui um cidadão que apresentou episódio delirante no curso de uma anemia perniciosa, quando tentou assassinara esposa.Uma veztratado, jamais apresentouanormalidades e foi tido por inimputável ao tempo dos fatos e sem periculosidadeao tempo da perícia. Tratava-se de típico episódio psicopatológico. b) Processo - O "processo psicopatológico" se caracteriza exatamente pelo contrário do episódio: uma vez instalado, mostra-se irreversível.Assim, o agente criminal apresenta duas fases no seu curso vital: sadio e mórbido. Período sadio
Período mórbido
Aqui as coisas se complicam um pouco, pois existemvárias possibilidades: bJ. Crime no período sadio e perturbação ao tempo do exame ou da execuçãoda pena. É o que se chama "doença mental superveniente" na linguagem do Código (art. 682 do CPP). Não se poderá pretender "punir" o agente, que deverá, antes, ser tratado. Uma vez apurada a anormalidade não se aplicará pena, mas medida de segurança para internação em Manicômio Judiciário. Se a anormalidade ocorrer já durante a execução da pena, o cursodestadeverásersuspensopara seassistirao doente (substitui-se a pena por medida de segurança).
DELINQoeNCIA
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SINTOMÁTICA
b2. O fato criminoso já é do período mórbido. Nesse caso o agente deverá, desde logo, ser remetido ao Manicômio. O problema a ser considerado é a transição de uma fase para outra, que nem sempre é tão bem delimitada, como pode parecer. Certas doenças apresentam um período prodrômico de extensão variável, a ser apreciado em cada caso particular. Aqui, a análisedos sintomas, eventuaistratamentos e a "morfologia criminal" deverão ser apreciados cuidadosamente pelo perito. Este não infreqüentementeestará diante de situação controvertida e somente sua habilidade o orientará na solução do caso particular. c) Surto - A evoluçãopor "surtos" se faz de modo intermitente;fases sadiase mórbidassesucedem.É quaseimpossívelsaberse qual será a duração de um intervalo (chamado "lúcido intervalo"), mas o esperável é a repetição da fase doentia. Fase sadia
fase sadia fase mórbida
fase sadia fase mórbida
Nestes casos pode ocorrer inimputabilidade na fase mórbida e semi-imputabilidadena fase sadia. A recuperaçãototal nem sempre é compatível com a imputabilidade plena, por ser necessário tratamento preventivo de nova fase mórbida. Pode-se, aqui, incluir os distúrbios ciclofrênicose as manifestações psicóticas recidivantes.7A expressão "surto" também tem aplicação nas formas delinqüenciaisde outra natureza: tóxica e disrítmica. Nem sempre é fácil estabelecerdiferença entre "episódio" e "surto" , pelo menos na manifestação inicial em que ocorra dificuldade quanto ao diagnóstico básico. A história da doença, as manifestações, os eventuais atendimentos médicose hospitalares anteriores podem oferecer subsídios diagnósticos valiosos. d) Defeito - Chama-se "defeito" ao reliquat de manifestação psicopatológica pregressa. Esta seqüela pode ser de variado grau. Aprecia-se em casos especiais e em criminologia interessa mais provavelmentea reincidentes.A situação é clara: houve perturbação anterior, tratada ou não, e agora a recuperação foi apenas parcial. Interessa, também, no caso de se opinar sobre saída de Manicômio Judiciário ou concessão de liberdade vigiada.
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PSICOLOGIA DO CRIME
l fase sadia seqüel~ fase mórbida
Se ocorreu crimeem fase anterior, o exame na época própria terá apurado qual a situação do observando ao tempo do interesse jurídico-penal. Mas ao se avaliar a seqüela, é preciso que se faça uma avaliação de seu grau. Não só pode permanecer a condição de inimputabilidade, como a responsabilidadepode ser restrita ou até plena: tudo depende do caso particular. Como se percebe, o enquadramento num dado tipo de evolução é elemento de apreciávelimportância nos interessescriminológicos. Conforme já se anotou, um delito deve ser considerado sintomático na medidaem que é expressãodapr6priapatologiamental, de que o agente é portador. Dessaforma, o delito sintomático deve ser analisado em termos de psicopatologia, e _ conseqüentemente seu estudo situa-se no campo da psicopatologia ou psiquiatria- forense.
. Como ilustração,incluímosaqui doislaudos de sanidademental (Incidente de Sanidade): um caso de epilepsia e um de esquizofrenia paranóide. LA UDO 1 EXAME DE SANIDADE MENTAL 1. Por determinaçãodo Juízo da 2~ Vara da Comarca de XXX, G.M.S., branco, brasileiro, solteiro, pedreiro, com 22 anos de idade, compareceao Instituto de BiotipologiaCriminal para ser submetido a exame psiquiátrico. Histórico
e antecedentes
2. Consta da denúncia contra ele oferecida pelo Ministério Público que, em XXX, desferiu golpes de punhal em seu cunhado H.G. produzindo-lhe ca-
DELINQÜ~NCIA
SINTOMÁTICA
ss
torze ferimentos, do que lhe resultou morte a curto prazo. Foi por isso o agente considerado incurso no artigo 121 do Código Penal. 3. Tendo no inquérito surgido alegações de que o indiciado é portador de quadro epilético, sendo portador de várias crises já anteriormente observadas, foi determinado o presente exame para se avaliar a capacidade de imputação do mesmo. 4. Nascido e criado em XXX, sempre viveu com a família na qual não se registram casos de neuropsicopatias ou de delinqüência. Nada refere de especial à sua primeira infância. Freqüentou escolas primárias até o segundo grau. Desde os sete anos tem se dedicado a trabalhos variados promovendo a automanutenção. Há cerca de quatro anos vem exercendo o ofício de pedreiro. Nega passagem por Juizado de Menores, tendo, entretanto, sido uma vez preso por ter adquirido de outrem um objeto roubado. Refere também uso de álcool de uma maneira mais ou menos intempestiva até algum tempo atrás, não sabendo fornecer dados precisos. Descreve, entretanto, crises epileptiformes vigentes desde a época em que contava 16 anos de idade. Nada informa sobre tratamento anterior.
Descrição 5. Paciente leucodermo, de boa compleição física, sem particularidades a anotar. Clinicamente assintomático, não externa sinais de processo organopatológico em atividade ou evolução. 6. Equilíbrio e marcha conservados. Motricidade e sensibilidade sem alterações patológicas. Reflexos superficiais e profundos sem anomalias. Ausência dos sinais de Romberg e Argyll-Robertson. 7. Examinado por vários psiquiatras do Instituto de Biotipologia Criminal verificou-se ser pessoa consciente, orientada auto e aIopsiquicamente, com boa noção de sua pessoa, estado e situação processual. Temperamento viscoso, prolixo, fala seguidamente mudando constantemente de assunto. Apresenta lacunas mecânicas, paramnésia e descreve crises de perda de consciência com queda, abalos tôpico-crônicos, exaustão, sono e perda de memória posterior. Refere que essas crises de tipo Grande Mal apareceram desde a sua adolescência e vêm se repetindo sucessivamente. A versão do delito, bastante minuciosa, concorda com os dados fornecidos no processo. É lábil de humor, irritável e explosivo. Apresenta também equivalências de crises tanto de caráter psicológico como de caráter motor. Os demais dados referentes à esfera psíquica ficam prejudicados pelo colorido geral da personalidade bem característica do tipo epilético. 8. Foi submetido a exame eletroencefalográfico. O traçado enseja o seguinte relatório: traçado em condições técnicas satisfatórias. Exame realizado em vigília. Atividade elétrica cerebral mostrando ritmo de base alfa dominante, irregular, com freqüência de 9 ciclos por segundo, amplitude média de 25 microvolts nas áreas do hemisfério esquerdo. Nas áreas da direita ritmo irregular mais desorganizado com freqüência e voltagem variáveis. Durante todo o período de exame de repouso, espontaneamente e também com a hiperpnéia, registraramse disritmias por ondas lentificadas e ondas "sharp", permanentes nas projeções F4, C4, P4, 02, F8, T4, T6, predominando em F8, T4, T6. Conclusão: Ritmo de base aIfa dominante e assimétrico em detrimento das áreas do hemisfério direito. EEG revelando sinais de sofrimento neuronal nas áreas do hemisfério
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direito (F4, C4, P4, 02, F8, T4, T6) com sinais lesionais convulsígenos mais evidentes na região temporal ântero-médio-posterior (F8, T4, T6). EEO anormal. 9. Foi submetido a exame psicológico. Foram aplicadas as provas de Pierre Weill, de Harrower e Pfister. O relatório dos psicólogos está assim redigido: Inteligência - Seus resultados intelectuais são muito bons. Na população geral, classifica-se no percentil 70, zona média superior. Comparado com a população da Casa atinge o percentil 85, zona superior. Trata-se como vemos de pessoa intelectualmente bem dotada, apesar de sua aparência primitiva. Personalidade - É um indivíduo que tem dificuldade para manter seu comportamento ajustado às exigências do meio, apesar do esforço feito nesse sentido. Tem tendência a perder com relativa facilidade o autocontrole e a reagir de forma impulsiva, explosiva. Reage a um grupo muito grande de estímulos e tem dificuldade para integrá-Ios às suas reações. Apresenta sinais de egocentrismo, de primitivismo, procura sempre satisfazer suas tendências básicas, suas necessidades primárias, sem se importar com os meios para atingi-Ios. É rústico, teimoso e obstinado na defesa de suas idéias, que apesar de limitadas são enraizadas. Apesar dessas características é sugestionável. Tende a agir em função de tais sugestões, embora procure negá-Ias. Seus mecanismos de controle são frágeis e fundamentados nos atos repressivos e na negação da realidade. Conclusão: É um indivíduo com bom potencial intelectual, atento, porém lento no trabalho. Personalidade impulsiva com fracos mecanismos de controle, teimoso e obstinado. É egocêntrico e primitivo de aparência. Discussão
DELINQüêNCIA
PSICOLOGIA DO CRIME
e conclusão
10. O exame clínico e o exame eletrencefalográfico confirmam o diagnóstico de epilepsia. Trata-se de pessoa portadora de crises convulsivas em virtude de lesão cerebral, apurada no exame especializado. Também os testes psicológicos mostram impulsividade, agressividade e pobreza dos meios contensores. 11. Em face do exposto, concluímos que o paciente é realmente portador de epilepsia tipo Orande Mal conseqüente ao processo lesional focal. O seu delito pela sua própria morfologia deve ser considerado de caráter sintomático. Em outros termos o delito é uma franca expressão da perturbação psíquica de que o paciente é portador. Deve ser tido por semi-imputável penalmente, carente de tratamento especializado, devendo ser internado para esse fim. 12. Em conclusão - trata-se de epilético, com prática delituosa sintomática, carente de tratamento especializado.
Quesitos e respostas 13. Quesitos da Promotoria e Defesa: 1~) O indiciado, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação, inteiramente incapaz de entender o caráter criminoso do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento?
SINTOMÁTICA
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2~) O indiciado, em virtude de perturbação da saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado, não possuía, ao tempo da ação, a plena capacidade de entender o caráter criminoso do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento? 3~) Qual a espécie nosológica? 4~) É curável? 14. Resposta aos quesitos da Promotoria e Defesa: Ao l~: Era portador de epilepsia, parcialmente capaz de entender o caráter criminoso do fato e de se determinar de acordo com esse entendimento. Ao 2~: Possuía apenas parcial capacidade em virtude da doença de que é portador, epilepsia conforme se dá conta no presente laudo. Ao 3~: Epilepsia. Ao 4~: O tratamento é indispensável; a supressão da causa não é segura. Dr. O.R.M. - Relator Dr. A.C.N. - Diretor
LA UDO 2 Indiciado: O.O.S. Natureza: Sanidade Mental 1. O.O.S., preto, brasileiro, solteiro, cantor, com 33 anos de idade, submetese a exames no Instituto de Biotipologia Criminal, conforme determinação do Dr. Juiz de Direito da 13~ Vara Criminal. Histórico
e antecedentes
2. Consta da denúncia contra ele oferecida pelo Ministério Público que, O.O.S., por motivos injustificáveis, agrediu seu genitor. Foi, por isso, considerado sob as sanções do artigo 129 do Código Penal. 3. Na fase de inquérito apurou-se que o indiciado foi tratado por psiquiatra, o que deu origem a dúvidas quanto a sua integridade psíquica. Dai a determinação do presente exame. 4. Das cópias do Processo que nos foram fornecidas constam os seguintes dados de interesse: a) foi submetido a leucotomia; b) internado no Sanatório X; c) referência a comportamento agressivo anterior. 5. A genitora do interessado forneceu um relato de sua vida passada e juntou os seguintes documentos em fotocópia:
a) EEO
-
resultado normal -
Dr.A.F.J.;
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DELlNQÜ~NCIA
PSICOLOGIA DO CRIME
b) atestado
- Dra. N.H. -
Antecedentes Pessoais: ignora condições de gestação, parto e nascimento. Desconhece as condições do desenvolvimento neuro-psicomotor. Nega antecedentes de comicialidade. Viroses da infância, aparentemente sem repercussão nervosa. Refere que sempre foi calado, não tinha amizades, porém, gostava de músicas e principalmente de cantar. Fez uso de Pervitin esporádico. Tabagista moderado. Etilista ocasional. Primeira experiência sexual aos 16 anos de idade. Nega outros antecedentes.
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Antecedentes Familiares: Pais vivos e sadios. Desconhece doenças mentais na família, comiciais e etilistas. Nega outros antecedentes.
"não foi prescrito leucotomia transorbitária";
c) EEG - Dr. P.V.A. - EEG anormal- "presença de foco de moderado grau de desorganização difusa da atividade elétrica cerebral". 6. Natural de São Paulo. Diz ser filho único. Cursou até o 3~ ano primário deixando a escola quando contava aproximadamente 14 anos. Passou a trabalhar numa oficina mecânica especializando-se em serviços de funilaria e motores a explosão. Posteriormente trabalhou em oficinas de rádio e televisão. Diz que o ambiente em sua casa sempre foi harmônico. Seu pai era mecânico de automóveis e o informante era seu assistente. Trabalhou quando contava 15 anos aproximadamente numa firma editora como encarregado de serviços postais, durante oito anos aproximadamente. Diz que optou pelo emprego nesta firma motivado pelo salário que era compensador quando comparado com o seu salário de mecânico. Neste período refere que apresentava dores gástricas freqüentes e periódicas, mas os facultativos não descobriram sua doença. Até que descobriram, após uma radiografia, úlcera duodenal. Submeteu-se a intervenção cirúrgica, através do I.N.P .S. e afastou-se do serviço definitivamente, alegando que ganhou a "caixa" devido a operação do estômago. Passou então a trabalhar em rádio e televisão como distração, "sem cobiça". Diz que antes da intervenção cirúrgica no estômago, esteve internado em Sanatório Psiquiátrico devido às suas múltiplas queixas gástricas. Diz que foi internado devido à sua mania de doença. Refere que em sua primeira internação submeteu-se a eletrochoque e posteriormente a insulinoterapia. Após gastroctomia vivia amasiado com uma companheira que conhecia há nove anos aproximadamente. Diz que não gostava da companheira porque a mesma era infiel e fazia "macumba contra si". Apesar da infidelidade da companheira, alega que não a maltratava, somente discutia com a mesma, pedindo-lhe que não procedesse desta maneira e que não andasse com más companhias. Diz que sua amásia procurou o Prof. P.L., alegando ao mesmo que não "vivia bem" com o informante. Refere que após esse fato convidou o informante a fazer uma consulta no Hospital X, em que o informante atendeu e lá chegando foi internado, quando foi anestesiado e submetido a intervenção cirúrgica na cabeça (Leucotomia transorbitária). Após a alta hospitalar, refere que passou a ter queixas múltiplas e queria saber o responsável pela autorização de sua intervenção cirúrgica. Refere que a amásia fugiu, seu pai e mãe não tinham autorizado a intervenção. Deste modo abriu processo contra o Hospital, para que se apurassem as responsabilidades e que indenizassem o informante dos danos físicos e financeiros que acarretara a intervenção. Refere que nestes últimos anos não tinha mais sucesso como cantor, razão pela qual freqüentemente brigava com os pais, sempre em virtude da intervenção. Em uma das discussões agrediu o pai e mãe, razão pela qual encontra-se neste Estabelecimento.
SINTOMÁTICA
Descrição 7. Pessoa melanoderma, de boa compleição física, sem particularidades a anotar. Clinicamente não externa indícios de processo organo-patológico em evolução. 8. Exame Psíquico: Apresenta-se à entrevista quando solicitado, de indumentária carcerária e "barba crescida" . Mostra-se desconfiado e extremamente cauteloso. "Desde que fui operado sem minha vontade, passei a ter alterações psíquicas", "cefaléia", pneumoencefalos anormais, desorganização difusa da atividade elétrica cerebral, perda das forças nas pernas e impotência sexual. "Após a.cirurgia, era barítono, não podia mais cantar na televisão..." "São esses os motivos que evoco contra o Hospital X, para que se apurem as responsabilidades e que me indenizem" (sic). Atento, estabelece bom diálogo, memória íntegra. Globalmente orientado. Não se constata ao exame direto distúrbios da esfera sensoperceptiva. "Eu antes da cirurgia era o melhor cantor do Brasil, como barítono não encontrava páreo, nem o Gregório Barrios." "Não era conhecido pelo povo, porque as gravadoras não soltavam meus discos para não ultrapassar o Gregório Barrios." "Após a cirurgia, vi-me prejudicado na minha vida artística, a voz alterou-se, a memória enfraqueceu, de tal maneira que o meu repertório diminuiu" (sic). Mostra-se discretamente deprimido. Pensamento sem alterações no seu aspecto formal. Persiste delírio crônico de fundo persecutório e de grandeza. Conclusão diagnóstica: Esquizofrenia paranóide. 9. Submetido a exame por psicotestes. O relatório é o seguinte:
I
I
I
\ I
Inteligência: Trata-se de pessoa com rendimento mental dentro dos limites da normalidade. Tendo no INV um escore bruto de 34 pontos, atinge o per. centil 40 na escala elaborada sobre a população geral, colocando-se no grupo médio da população penitenciária. Personalidade: No plano da personalidade revela um controle insuficiente, o que leva a uma externalização explosiva dos afetos. Normalmente a expressão afetivo-emocional é pobre, devido à forte atitude de defesa que consiste em evitar as situações que poderiam envolvê-lo afetiva e emocionalmente. Procura ao máximo, aproveitar os elementos racionais para o autodomínio, mas só consegue um equilíbrio precário. É instável externamente e irriquieto interiormente, apresentando forte ansiedade. No plano emocional revela um desajustamento que se exterioriza mais sob a forma de apatia e pobreza emocional. Consegue levar a vida, devido a certa rigidez, mas se sente inseguro, débil e é influenciável, suscetível à ofensa e crítica. Revela traços como: cautela, suspeita e desconfiança. É fortemente coartativo e introvertido, com rebaixamento do tônus vital. A agressividade está atualmente sob controle, embora os desenhos revelem sentimento de culpa pelo uso indevido da mão. É deprimido, revelando conflitos sexuais não resolvidos. Há constante temor de castração (Prof. T. V. K., psicologista). 10. Submeteu-se também a exame eletrencefalográfico. O traçado se acompanha do seguinte relatório: traçado em condições técnicas satisfatórias. Exame
I1
61 60
PSICOLOGIA DO CRIME
realizado em vigília. Atividade elétrica cerebral mostrando ritmo de base alfa dominante irregular, freqüência 9-12cps., amplitude média de 15 microvolts, simétricobilateralmente.A hiperpnéiaprovocouondas lentasde elevadopotencial, irregulares, ritmadas, difusas de curta duração. Conclusão:ritmo de base alfa dominante, irregular e simétrico. A hiperpnéia revelou leve instabilidade dos centros cerebrais profundos (diencefálicos).EEG anormal.
Discussão
e conclusão
11. Os exames apuram quadro delirante do ciclo esquizofrênico, configurando esquizofrenia paranóide. Trata-se de processo crônico, de evolução lenta e que facilita ou provocou atuações socialmente inaceitáveis. A atuação agressiva obedece a essa gênese e não pode ser considerada como ação responsável. Em outros termos o agente é inimputáel por perturbação mental. 12. A leucotomia transorbitária foi usada para reduzir o potencial agressivo e melhorar a socialização de pessoa perturbada. O I Congresso LatinoAmericano de Saúde Mental, reunido em São Paulo, mostrou a precariedade dos resultados que podem ser assim obtidos. E o paciente em questão entra na regra geral, pois continuou agressivo mesmo após a leucotomia. 13. A alteração do EEG pode ser conseqüente à intervenção cirúrgica ou não. Esse vínculo só pode ser estabelecido por eletrencefalografista e as especialistas que examinaram o paciente podem esclarecer convenientemente este aspecto, que deixamos de analisar. 14. As disposições pleitistas, reivindicatórias e persecutórias do paciente são crônicas, de difícil remoção e fazem parte do quadro de esquizofrenia paranóide, de que é portador. 15. Em conclusão: esquizofrênico paranóide, leucotomizado, que conserva apreciável potencial agressivo, inimputável penalmente e carente de internação.
Quesitos e repostas 16. Quesitos do Ministério Público: 1~) Se o paciente é portador de doença mental, e, em caso positivo, qual a sua classificação nosológica? 2~) Se o paciente, ao tempo da ação, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era inteiramente incapaz de entender o caráter criminoso do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento? 3~) Se o paciente, ao tempo da ação, em virtude de perturbação da saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado, não possuía
DELlNQÜ~NCIA
SINTOMÁTICA
plena capacidade de entender o caráter criminoso do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento? 17. Respostas aos quesitos do Ministério Público: Ao 1~: Inimputável por perturbação mental. Ao 2~: Inimputável por perturbação mental. Ao 3~: Inimputável por perturbação mental. 18. Quesitos da Defesa: 1~) O examinando, por motivo de doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era ao tempo da ação descrita na inicial dos autos, da 13~ Vara Criminal, inteiramente incapaz de entender o caráter criminoso do fato, ou de determinar-se de acordo com esse entendimento? 2~) Em caso de resposta afirmativa, qual a espécie nosológica? 3~) Em caso de resposta negativa ao quesito 1, o examinando possuía, ao tempo da ação referida, plena capacidade de entender o caráter criminoso do fato, ou determinar-se de acordo com esse entendimento? 4~) Em caso de resposta negativa ao quesito n. 3, advém essa incapacidade perturbação mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado? 5~) Em caso de resposta afirmativa ao quesito 4, qual a espécie nosológica? 6~) Quais os elementos de exames fornecidos aos Drs. Peritos? 7~) Quais os sintomas apresentados pelo examinando durante a observação alínea? 8~) Podem os Drs. Peritos acrescentar outros esclarecimentos úteis à boa compreensão da espécie? 9~) Segundo as Os., o examinando foi submetido em 1964 a uma leucotomia frontal transorbitária bilateral. Pergunta-se aos Drs. Peritos: poderia essa intervenção alterar o procedimento do examinando devido a trauma sofrido? 19. Respostas aos quesitos da Defesa: Ao 1~: Inimputável por doença mental. Ao 2~: Esquizofrenia paranóide. Ao 3~: Prejudicado. Ao 4~: Prejudicado. Ao 5~: Vide resposta ao quesito 2~. Ao 6~: Vide laudo supra. Ao 7~: Vide descrição e exames complementares. Ao 8~: Vide laudo supra. Ao 9~: Vide itens 12 e 13 do laudo.
Dr. O.R.M. - Primeiro Relator Dr. C.T.L.A. - Segundo Relator Dr. A.C.N. - Diretor
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PSICOLOGIA DO CRIME
Notas e referências 1. Porot, Kammerer, Th., "Personalité", trie, Paris, PUF,A.,1965, pp. 423-424.
in Manuel Alphabétique de Psychia-
2. Krynski,sobre S., Deficiência tensa literatura essa matéria.Mental, São Paulo. Ed. Liv. Ateneu, 1969; aliás há ex3. Langelüddeke, A., Psiquiatrfa Forense (trad. esp.), Espasa, 1972, pp. 416-421. 4. Ruiz Maya, M., Psiquiatrfa Penal y Civil, 1931, pp. 350-368. Zimman, L., Tratado Elemental de Psiquiatria, capo lU, Buenos Aires, 5. Ed.Figueras, López, A.; 1952. 1., Fundamentais of Psychiatry, 2~ ed., Philadelphia, Saunders, 1968, caps. 46.a Oregory, 18, pp. 66-191.
Capítulo 6 DELINQÜÊNCIA NEURÓTICA
7. Huber, O., Esquizofrenfa y Ciclotimfa, Madri, Ed. Morata, 1972.
A psicanálise, interessada,em resolver problemas da clínica psiquiátrica,não pode se furtar ao estudo do fenômenodelinqüencial. Assim,surgiramos primeirostrabalhosprocurandointerpretar o comportamentocriminosoe atribuindo-oa quadro neurótico.I-2 Entretanto, com certa freqüência, os delinqüentesnão apresentavam sentimentos de culpa ou indícios de sofrimento neurótico. Apreciávelcontingentede reclusosera portador de comportamento anti-social juridicamente previsto e punível, desacompanhado de sintomas ou sinais de psicose ou neurose. Eram, por isso, considerados portadores de "personalidade psicopática" , entidade clínica de base heredo-constitucional.3 Embora a psicanálise não desprezassea hereditariedade,4estava preocupada especificamente com a motivação psicológicadas ações humanas. Talvez seja por isso que alguns autores procuraram interpretar o comportamento cronicamenteanti-social como tendo base psicogenéticae criaram o conceito de "neurose de caráter". 5 Essa diversificaçãode conceitos criou mais confusão do que esclarecimento. Tanto assim, que alguns se referem à delinqüência como fenômeno ou sintoma de neurose ("delinqüência neurótica"),6-7 outros a atribuem a desvios do caráter ("neurose de caráter")8 e terceiros negam a participação da neurose na gênese do comportamento crimina1.9-1O Por todos essesmotivos, torna-se imperiosauma tomada de posição: afinal o que se deveentender por "deiinqüência neurótica"? Entendemos que "neurose de caráter" e "personalidade delinqüente" ("essencial ou primária") são expressõesque se refe-
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PSICOLOGIA DO CRIME
rem à mesma coisa:ll integração defeituosa de valores, resultando em comportamentocronicamenteanti-social(trata-semais precisamentede personalidadesdissociais).Aproxima-semais dos psicopatas verdadeiros do que dos socialmente ajustados. Os neuróticos, porém, são aquelesportadores de fortes processosinibitórios, sujeitos, portanto, mais a conflitos internos do que a exteriores.Dessaforma, a posição clássicaparecemais aceitável: delinqüêncianeutórica nada mais é do que a prática criminosa, cujo agenteé portador de uma neurose. Assim, a delinqüência neurótica se converte em sintoma do próprio distúrbio, pelo que pode - e deve - ser enquadrada no grupo da delinqüência sintomática. "As neurosescaracterizam-sepositivamentepor uma síndrome clínica definida e negativamentepela ausência de claras alterações orgânicas, demênciaou alteraçõesprimitivas do caráter ou transtornos substanciaise permanentesda experiênciaexternaafetiva."12 "São afecçõesmuito difundidas, que, apesar de intimamente ligadas à vida psíquica do paciente, não lhe alteram a personalidade como as psicosese conseqüentementese acompanham da consciênciapenosa e freqüentemente excessivado estado mórbido. Revelam-seclinicamentepor vários sintomas precisos, quepor se associaremde diferentesformas - apresentaminfinitasvariações. Têm alguns elementos comuns: a) uma perturbação afetiva, mais ou menos consciente, que se expressapor uma hiperemotividade parasita (angústia e emoções derivadas); b) um comportamento de inadaptação à realidade e ao meio social,por impossibilidadede desviaro interessede si mesmo e usar a atividade para objetivos da vida prática; c) uma sensaçãode insuficiênciaafetiva e sexual(em sentido amplo),por incapacidadede sobrepujaros conflitosda vida moral íntima; d) uma insatisfação vital, que se traduz por: 1. desordens neurovegetativas, na neurose de angústia; 2. fuga dos objetos simbolicamenterelacionados aos conflitos, nas neurosesjóbicas; 3. atos mágicos de solução do conflito, nas neuroses obsessivas;
DELINQÜ~NCIA
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NEURÓTICA
4. conversão da tensão emocional em expressões corpóreas, nas neuroses histéricas".13-14 Essas perturbações atingem nível suficiente para serem percebidas subjetivamente,mas não para provocar importantes alterações do comportamento exterior. O conflito, permanecendono mundo interno, não chega a ser apreciávelfator delitógeno.15Devido à atuação dos processosinibitórios, há mesmo quem chegue a estabelecer relação inversa entre neurose e delinqüência.16 Dispostas as coisas desta forma, poderia parecer certa a posição dos que excluema neurose de entre os fatores motivadores do crime. Em outros termos, seria de se concluir pela inexistência da delinqüêncianeurótica. Tal, porém, não é o caso. São várias ,as instânciasem que a deliqüênciase relaciona à neurose e emtermos causais,embora apreciávelnúmero de neurosenão leveà prática delituosa. Esquematicamente podemos concluir: a) neuroseconflitiva, com permanênciaem nívelintrapsíquico, não levando a ato anti-social; e b) neurose conflitiva, com tendência à passagem ao ato (do tipo acting-out).Nestahipótese,teremos,novamente,duas possibilidades: b1. acting-out do "tipo de conduta psicopática". Trata-se, aqui, de "neurose pré-edipiana", que dá origemao "delinqüente essencial".17-18-19 É preferível incluir esta entidade entre os distúrbios do caráter; b2. acting-out- especificamenteligado a determinadocomplexoou conflito - "neurose edipiana" - predominantemente inconsciente, em que a conduta criminal pode ser interpretada como ação simbólica.20 Assim delimitada, a delinqüêncianeurótica se coloca em posição clara e sua participaçãona criminogênesesetorna compreensível. De fato, como já se anotou, é uma delinqüência sintomática. Os sintomasdas neuroses são tentativas de solução para conflitos internos.21Apreciável número de neuróticos é representado por pessoasválidase socialmenteúteis. Essessintomas'- quando considerados isoladamente (cada um per se)
-
fazem parte
do processo adaptativo normal.22-23-24 Tanto é assimque a ansiedade, a angústia, a insônia, a queda de produtividade, a insatis-
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fação sexual, a desadaptação, a reação psicossomática,a depressão, etc. - se apreciadascomofenômenoisolado(fato)e não como estado - integram a experiênciahumana universal. Quando, porém, se associam e formam um quadro clínico persistente, já estamos diante de situação em que o sofrimento desborda os limites do equilíbrio emocional. Em outros termos, quando condicionam estado emocional duradouro ou permanente, então falamos em quadro neutótico, neurose ou estado neurótico. É verdade que a ne.urosepode ser considerada como simples falha no controle de dada situação, em que a pessoa deixa de ser capaz de obter gratificação socialmenteaceitável,para as suas necessidades subjetivas.2s Essa falha pode desencadear um processo, cujas conseqüências e manifestações são polimorfas. A evolução desse processo pode ser compreendida a partir do modelo proposto por Alexander.26
8-0S 1. FP = Fator precipitante. 2. FS = Falha na solução dos problemas atuais. 3. R = Regressão. 4. CP = Revivênciado conflito primário pela regressão. 5. MAP = Medidas autopunitivas. 6. CS = Conflito secundário, com empobrecimento do Eu (ego).
O fator precipitante é representado por uma situação atual, geradora de conflito,do que resultasentimentode culpa. Esseconflito torna a pessoaincapaz de manipular adequadamente suas dificuldades e lhe comunica uma sensação de impotência para enfrentar as questões presentes, produzindo uma falha na solução do problema atual. O fenômeno se torna agudo e sua intensidade só pode ser compreendidacom base nas suas experiênciasantigas (com seusgenitores).Na realidade ocorre uma revivênciado conflito edipiano, pois há uma regressãoàs fases precocesdo processo psicoevolutivo.Dessamaneira, o conflito primário ressurgeem forma de fantasias, de sorte que as sensaçõesculposas se avolumamoDaí surgiremmedidas autopunitivas variadas, que - con-
DELINQO~NCIA
seqüentemente
-
NEURÓTICA
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geramumconflitosecundário,alimentama in-
capacidade de resolver a situação atual e a regressão, criando-se um círculo vicioso. Podemos simplificar o esquema da seguinte forma:
8-&--8 FPR= fatores SC
precipitantes
= sentimento de culpa.
MAP
=
e regressivos.
medidas autopunitivas.
As medidas autopunitivas, porém, são variadas, podendo ocorrer: a) estruturação ou cronificaçãoda neurose;b) doençapsicossomática; c) toxicofilia neurótica; e d) delinqüência neurótica. a) Cronificaçãoda neurose: O círculo vicioso, atrás descrito, vai alimentandocronicamenteos fenômenosneuróticos.A personalidade vai progressivamenteempobrecendo e o quadro clínico - visivelmentemórbido - se estrutura. Trata-se de medida c1aramenie autopunitiva, de causalidade inconsciente.27-28
SC = sentimentode culpa. NC = neurose crônica. DPS = doença psicossomática. TN = toxicofilia neurótica. DN = delinqüêncianeurótica.
b) Doençapsicossomática:Asdoenças"psicossomáticas" têm
sempreuma raiz em conflitosdo tipo neurótico.Respondema uma causalidadeinconscientede sentimentoculposo.A escolhado "órgão choque" ou nívelde respostafísicaa reaçõespsicológicaspode variar, mas há certa unificação na causalidade emocional desses distúrbios. São bem conhecidasas alterações mórbidas de origem
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PSICOLOGIA DO CRIME
DELINQoeNCIA
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NEURÓTICA
psicogenéticanos aparelhos digestivo,respiratório, circulatório e urogenital. 29-30
c) Toxicofilia neurótica: As disposições toxicófilas são, geralmente, de base psicopática (próprias de personalidade psicopática), mas podemtambém ocorrer em nívelneurótico,como medida autopunitiva. É o que se observacom a alcoolizaçãode base neurótica, em que ocorre um "suicídio simbólico crônico" .31É, evidentemente, medida autopunitiva. Outras substâncias tóxicas lhe podem ser equiparadas.32 d) Delinqüêncianeurótica:É a prática de ato anti-social previsto em Lei, com a finalidade inconscientede punição. O agente pratica o crime e tem consciência (parcial ou total) de que será punido por isso. Essa punição, entretanto, servepara aplacar sentimento de culpa de outra origem (o conflito primário já referido).33-34 Estes esquemas se mostram válidos para a "neurose edipiana", em que se verificam duas situações:a) conflito interno, sem passagemao ato e, por isso, seminteressecriminológico,e b) atuação especificamenteligada a complexoou conflito inconsciente, com caráter simbólico. Fica excluída a "neurose pré-edipiana", que condiciona"caráter delinqüente", personalidade"delinqüente essencial" ou "delinqüente primário" ("neurose de caráter"). Os processos psicodinâmicosdeste último caso são diferentes e devem ser considerados ao lado das característicasdas "Personalidades Psicopáticas", de quem estes (delinqüentes)mais se aproximam. Conforme acabamos de lembrar, o portador de "neurose de caráter" (para quem preferimos a denominação de "delinqüente essencial"ou "personalidadedelinqüente")se aproximadas "Personalidades Psicopáticas". Embora alguns confundam essas entidades - preferindo os organicistas a expressão "Personalidades Psicopáticas" e os psicogeneticistasa expressão "Delinqüente Essencial" - na verdade são diferentese devemser analisadas no estudo do "delito caracterológico". De outra parte, o "delinqüenteessencial"("neurose de caráter") tem sidoconfundidocom o portador de neurose simples. Em outros termos, as neuroses pré-edipiana e edipiana têm sido confundidas. Isso se devea uma série de semelhanças. Podemos resumi-Ias assim:
,,~_..
- - ---
PARTICULARIDADESCOMUNSAO NEURÓTICO E AO DELINQÜENTE. a) ambos apresentam conflitos, mais freqüentemente inconscientes; b) ambos assumem atitudes emocionais irracionais; c) as ações de ambos têm significado simbólico; d) apresentam, no desenvolvimento psicossexual, fixações precoces;.. e) são extremamente narcisicos; f) apesar da necessidade básica de confiar, são muito desconfiados; g) todos apresentam sentimento de culpa; h) carecem de um ou mais eventos para desencadear a sintomatologia, mas são de natureza psicológica interna.
. ..
Com base em Abrahamsen.3s Na realidade
a neurose simples tem origem em conflito edipiano
e o caráter
delinqüente (delinqüência essencial ou neurose de caráter) é anterior, ou seja, resulta de conflito da fase pré-edipiana.
Essas semelhançasdevemser responsáveis - pelo menos em boa parte - pela confusão que às vezes se apresentou aos estudiosos. Há, pois, conveniênciaem seestabeleceras diferenças,certamente esclarecedoras.Tendo emvista que a "neurose" , em sentido clínico, corresponde ao conflito edipiano e que a "neurose pré-edipiana" causa a "personalidade delinqüente", remetemos o seu estudo para o capítulo 9 (cf., especialmente, p. 130). A freqüência com que a delinqüência neurótica aparece nas estatísticas varia muito de autor a autor. É possívelque a diversificação de conceitos aqui analisada interfira nessesdados. Vejamos alguns exemplos: a) Glueck, S. & Gluek, E.36 neurose: delinqüentes não delinqüentes b) Strõp37 c) Guze et al.38 d) Guze39 e) Oltman & Friedman40
24,6010 35,8010 20,0010 12,0010 19,7010 3,0010
70
PSICOLOGIA DO CRIME
DELINQÜ~NCIA
Em 300 perícias de nossa lavra, no Instituto de Biotipologia Criminal, foram estes os resultados obtidos:
Diagnósticos a) b) c) d)
Esquizofrenias ........................................ Distúrbios do caráter ............................... Personalidades psicopáticas ....................... Debilidade mental ...................................
e) Epilepsias .............................................. f) Alcoolismo ............................................ g) Lesões cerebrais ...................................... h) Neuroses e) Outros
............................................... ..................................................
0/0
18,0
16,3 15,6 13,0 7,6 6,0 3,3 2,0 18,2
Essa freqüência de 20/0é baixa, mas o critério restritivo foi o adotado. Sob o título de "distúrbios do caráter" incluímos as personalidadesdelinqüentes,por considerarentidadeautônoma.41 LA UDO 1 EXAME DE SANIDADE MENTAL 1. Por determinaçãodo MM. Juiz de Direitoda 1~Vara Criminal, o indiciado M. V. a., branco, brasileiro, solteiro, com 21 anos de idade, estudante, comparece a exame psiquiátrico no Instituto de BiotipologiaCriminal. Histórico
e antecedentes
2. Consta da denúncia contra ele oferecida perante o Ministério Público, que, em companhia de terceiros, apoderou-se de um automóvel e ao dirigi-Io com imprudência deu causa a uma colisão de veículos. nal. Foi assim considerado incurso nas sanções do artigo 155 do Código Pe3. Tendo estado anteriormente em tratamento especializado (métodos de Sakel e Cerletti-Bini), sob a orientação clínica do ProL P.W.L. foi posta em dúvida a sua completa recuperação, pelo que se determinou o presente exame. 4. Nascido e criado em XXX, é o primeiro e varão único de uma série de três filhos havidos por seus pais, que são vivos e sadios. Nega doenças infantis de interesse neuropsiquiátrico. Desde os 7 anos de idade freqüenta escolas, cursando presentemente o curso ginasial. Nunca exerceu funções profissionais remuneradas fora de sua casa, dedicando-se fundamente a seus estudos. Nega casos de neuropsicopatias e delinqüência entre ascendentes e colaterais.
NEURÓTICA
71
5. Foi examinado pelo ProL P. L. que atestou tratar-se de "síndrome esquizofrênica", tratada por insulina e eletroconvulsoterapia. Submetido ao psicodiagnóstico de Rorschach (Dr~ M. Y. F. R. M.) apurou-se: "intelectualidade nos limites do normal, francamente negativo e com grande coartação e com ligeiros traços neuróticos". 6. Internado atualmente na Casa de Detenção, de lá procede para os exames do presente laudo.
Estado atual 7. Ao comparecer a exame, mostra-se calmo, consciente, orientado globalmente, tendo adequada noção de sua pessoa, estado e situação processual. Estabelece aceitável contacto com o meio exterior, informando com facilidade e interesse. Mantém durante toda a entrevista um aspecto tristonho, mostrando-se levemente deprimido. Conversa lógica e coerentemente, não externando perturbações do curso e da estrutura do pensamento, não se apuram perturbações da senso-percepção. Faz adequada avaliação de seu feito, que reconhece inadequado e em relação ao que procura mostrar-se arrependido. Não se colhem outros dados de interesse. 8. Os exames clínico e neurológico mostram-se dentro dos limites da normalidade. Equilíbrio íntegro. Marcha sem alteração. Motricidade e sensibilidade conservadas sob todas as formas. Reflexos pupilares e osteotendinosos presentes e normais. Ausência dos sinais de Romberg, Argyll-Robertson e Babinsky. 9. O exame psicológico efetuado pelo Dr. O. permite o seguinte relatório: "Examinando - Trata-se de um rapaz de 21 anos, nascido em XX, solteiro, estudante do curso ginasial. Está preso na Casa de Detenção de XX por haver furtado um automóvel em companhia de amigos e, com o mesmo, haver cometido um acidente de trânsito. Exame Direto - Apresenta-se bem posto e cuidado. Indivíduo lúcido e cooperativo, realizou de bom grado todas as tarefas que lhe foram solicitadas; não externou idéias ilógicas ou absurdas. Está ansiado e bastante intimidado com a situação em que se encontra. Exames com Provas Psicol6gicas - Foi submetido às seguintes provas: 1) Prova das Matrizes Progressivas de Raven; 2) Psicodiagnóstico de Rorschach; 3) Estudo de valores de Allport e Vernon. Resultados: No Raven o paciente resolveu 43 das 60 matrizes que constituem a prova, o que o coloca no 50~ percentil. Este resultado é confIrmado pela prova de Rorschach. Indivíduo basicamente introversivo, apresenta, no momento, completa repressão das respostas cinestésicas, com inibição das capacidades criadoras e sintetizadoras do espírito, as quais funcionam em plano infantil. Vida emocional desorganizada, com boa dose de ansiedade, inclusive em planos mais profundos da personalidade. Afetividade do tipo egocêntrico. índice de estereotipia um tanto elevado para a sua idade. Apresenta bom contacto com a realidade. Do ponto de vista de seus valores conscientes (sistema de Spranger) são predominantes os valores "político", "teórico" e "econômico", sendo quase nulo o valor "religioso". Conclusões: O examinando é pessoa de nível intelectual mediano. As provas indicam a inexistência de psicose ou de lesão cortical. Mostram indivíduo com dificuldades no ajustamento emocional,
u. C. G. ___0"'
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PSICOLOGIA DO CRIME
DELINQÜ~NCIA
falando a favor de um diagnóstico de traços neuróticos da personalidade, e, no momento, de traços depressivos, provavelmente de natureza reativa (C.C.S.)." Discussão
Descrição
10. Frente aos exames realizados, o periciando não apresenta nível psicótico, nem é portador de psicopatia ou frenastenia. Trata-se de pessoa com traços neuróticos na personalidade. 11. Embora apresente esses traços, não são eles de molde a comprometer as capacidades de entendimento e determinação do indiciado, que, a nosso ver, deve ser tido por plenamente imputável.
13. Em conclusão, podemos estabelecer que se trata de pessoa portadora de traços neur6ticos em sua personalidade, mas plenamente imputável.
LA UDO 2 EXAME DE SANIDADE MENTAL 1. Por determinação do MM. Juiz de Direito da 5~ Vara Criminal, o indiciado M.M.M., brasileiro, leucodermo, com 41 anos de idade, comerciante, comparece ao Instituto de BiotipologiaCriminal para exame de sanidade mental. Histórico
e antecedentes
2. Consta da denúncia contra ele oferecida perante o Ministério Público que M.M.M. fez várias operações comerciais e de crédito, as quais vieram configurar infração do artigo 186 da Lei das Falências. Nessas condições o Juízo da 3~ Vara Cível remeteu Processo à Vara Criminal acima referida. 3. Considerando ter estado internado por algum tempo para tratamento especializado, requereu o interessado fosse submetido ao presente exame. Esse pedido mereceu acolhida por parte da autoridade judiciária, que determinou a elaboração desta perícia. 4. Natural de XX, é o caçula dentre os três fihos havidos por seus pais, já falecidos. Nega doenças infanto-juvenis de grave repercussão no desenvolvimento somato-psíquico. Freqüentou irregularmente escolas várias, dos sete aos dezenove anos de idade, tendo atingido o primeiro grau do curso secundário. Esteve cursando o preparatório para curso teológico católico. Aos 13 anos co-
73
meçou a trabalhar, mudando com freqüência de natureza e sede de trabalho. Casou-se, enviuvou e contraiu novas núpcias, três anos depois. Nega passado pessoal e familiar de natureza delinqüencial. Nega doenças pessoais de vida adulta que possam apresentar interesse neuro-psiquiátrico.
e conclusão
12. Se exames anteriores falaram a favor de esquizofrenia, devemos agora (diante da evolução e exames atuais) aceitar que se tratasse de episódio do círculo esquizofrênico e não de esquizofrenia processual. Aliás, a alta concedida já o foi diante de uma' 'remissão clínica aparente". Dessa forma, os exames e tratamentos anteriores não invalidam as conclusões aqui apresentadas.
NEURÓTICA
11 \
5. Paciente leucodermo, de compleição franzina, pertencente ao tipo constitucionalleptossômico, sem particularidades dignas de nota. Não externa sintomas ou sinais próprios de processo organo-patológico em atividade. 6. Equilíbrio e marcha sem alterações patológicas. Motricidade e sensibilidade conservadas sob todas as formas. Reflexos pupilares e ósteo-tendinosos presentes e normais. Ausência dos sinais de Romberg e Argyll-Robertson. 7. Ao comparecer a exame, mostra-se emocionado, em franca labilidade de humor. Está consciente, orientado globalmente e tem conservadas as noções de pessoa, estado e situação processual. Mostra-se interessado no exame e presta informes prontos e de bom grado. O curso e estrutura do pensamento estão íntegros. Não se apura perturbação da esfera senso-perceptiva. Inteligência dentro dos limites da normalidade, na faixa média. Descreve com precisão crises de angústia e de ansiedade. Tem crises de choro e de insônia. Diz ter sido tratado de síndrome depressiva psicogênica reativa (sic). Capacidade crítica e senso ético de acordo com o colorido geral da personalidade, que é carente de valores afetivo-volitivos. Não se colhem outros dados de interesse. 8. As provas de Raven e Hertzer foram feitas. Apura-se nível mental na faixa média. Projeta-se com normalidade no desenho livre. Discussão
e conclusão
9. O exame atual não apura debilidade mental, nem sintomas de nível psicótico ou de seqüela de surto pregresso. Os sintomas são de nível neurótico, com traços depressivos prevalentes. No presente não há comprometimento das capacidades de entendimento e de autodeterminação. 10. A neurose depressiva leva, geralmente, a uma hipobulia transitória, que remite posteriormente. É de se acreditar que nessas condições prejudique a volição no sentido de diminuir a iniciativa geral e conseqüentemente criminal. Em havendo prática delituosa é possível que as capacidades de entendimento e de autodeterminação estivessem conservadas. Contudo, tratando-se de agente assistido medicamente ao tempo dos eventos objeto de denúncia, e logo após estes, poderiam os médicos que o assistiram opinar com maior conhecimento de causa. O exame direto atual sugere agente plenamente imputável, a nosso ver. Não podemos assegurar quais as condições ao tempo que interessa à Justiça. 11. Em conclusão: Trata-se de agente portador de neurose depressiva, plenamente imputável, no presente.
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PSICOLOGIA DO CRIME
DELINQÜ~NCIA
LA UDO 3 EXAME DE SANIDADE MENTAL
Antecedentes
Histórico
3. Detido e recolhido à Casa de Detenção de XX, apresentou-se agitado. Examinado pelo médico da Casa, este constatou e atestou "apresentar os mesmos sintomas de perturbação mental, com caráter de agressividade, tendo sido medicado" . 4. Constam dos depoimentos, tomados no Processo, declarações que merecem destaque, como as seguintes: a) "Há mais de dois anos W. tentou contra a própria existência, tentando ingerir ácido sulfúrico" (pags. ... - 1~ testemunha); b) "W. lhe respondeu que o embrulho poderia cair"... "você não deve saber e ninguém mais; só depois da experiência é que eu próprio vou saber o resultado" (pag. ...); c) "em determinada ocasião quase pôs fogo na oficina, fato esse ocorrido quando W. fazia experiência com uma 'bomba'" (pags. ...); d) "se você não vier falar comigo amanhã eu acabo com sua vida". Isso dirigido a I. (pag. ...); e) "ficou sabendo que W. teria agredido o próprio pai, sendo por isso internado em um Manicômio" (pag. ...). Além disso constam: f) Certificado de arquivamento de processo contra o mesmo cidadão por "lesões corporais do10sas", em outubro de 1953 (pag. ...); g) descrição pela Polícia Técnica de dois explosivos semelhantes aos usados em construção, sendo um em XXX (no Correio local) e outro o do presente processo (pags. ...).
iê...;
75
5. Em face desses elementos todos foi determinado o exame mental do indiciado, nos termos do item primeiro do presente laudo.
1. Por determinação do MM. Juiz de Direito da Vara Auxiliar do Júri, devido a falta de vagas no Manicômio Judiciário do Estado, comparece ao Instituto de Biotipologia Criminal o cidadão W.M.S. ou W.J.S., natural de XXX, branco, solteiro, radiotécnico e com 21 anos de idade, para se submeter a exame de sanidade mental.
2. A denúncia contra ele oferecida pelo Ministério Público, baseada no competente inquérito, estabelece que o mesmo, "objetivando vingar-se da exnoiva I.D.A., que o repudiara, colocou, com o fim de eliminá-Ia, na residência da tia desta, à rua XXX, no quadro do relógio da luz, a bomba descrita e fotografada a fls. e segs., embrulhada de modo a aparentar um pacote de presente, que veio a detonar na manhã do dia 4 quando I. principiava a abri-Io, causando, nesta e na menor G.Z., as lesões descritas nos laudos de fls. ...". Assim está considerado como incurso nas sanções do artigo 121 § 2~ ns. I, 11e IV combinado com os artigos 12, 53 e 51 § 1~, todos do Código Penal Brasileiro.
NEURÓTICA
\
6. Nascido em XXX, é o primeiro dos quatro irmãos (três homens e uma mulher). Veio para XX juntamente com sua família ao tempo em que contava dois anos de idade. Nega doenças graves na infância. Aos 7 anos iniciou seus estudos, tendo cursado seguidamente o primário, o primeiro ciclo secundário e Química Industrial (este interrompido). Além disso diplomou-se em radiotécnico por correspondência. Aos 14 anos já trabalhava em radiotécnica, tendo sido auxiliar dos serviços. Nega doenças de natureza neuropsicopática e delinqüência entre ascedentes e colaterais.
Descrição 7. Trata-se de pessoa de cor branca, tipo constitucional tendente ao atlético, sem sinais particulares de interesse. 8. O exame clínico não oferece dados de interesse, exceto sinais de vitriolagem na face anterior do tórax, ao nível da fúrcula esternal e propagadas até as regiões claviculares. O exame neurológico evidencia: equilíbrio e marcha sem alterações patológicas; motricidade e sensibilidade íntegras sob todas as formas; reflexos pupilares e osteotendinosos presentes e normais; ausência dos sinais de Romberg, Argyll-Robertson e Babinsky. 9. Apresenta-se para exame (nas várias sessões a que se submeteu) calmo, consciente e orientado. Informa com facilidade, com indiferença afetiva. Atenção conservada. Memória sem distúrbios evidentes. Associação ideativa lógica. Faz uma apreciação dos fatos que lhe são imputados e nega sua autoria. Afirma que tem capacidade cultural e prática para construir aparelhos semelhantes aos descritos nas peças do Processo e até melhores, mais aperfeiçoados. Justifica as lesões que apresenta como conseqüentes à explosão de vidro com reativos e esta teria sido por ele provocada para se defender de pessoas que pretendiam prendê-Io sem justa causa. Após reiterados inquéritos e exames não se apuraram distúrbios senso-perceptivos. Não se evidenciam alucinações nem delírios. O examinando mostra-se, por vezes, ansioso e angustiado. Não se apuram outros dados de interesse. 10. Foi submetido aos psicotestes de Raven e Rorschach no Instituto de Biotipologia Criminal. Pelo Dr. C.C.S. foram fornecidas as seguintes conclusões: "Ambas as provas mostram indivíduo de nível intelectual satisfatório. No Raven, coloca-se no percentil 75, que corresponde a um quociente intelectual de cerca de 120. Tem boa capacidade de pensar em termos abstratos e genéricos. O Rorschach mostra a existência de fortes inibições, que não lhe permitem usar integralmente as suas capacidades intelectivas. Seu equilíbrio emocional é
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PSICOLOGIA DO CRIME
DELINQÜeNCIA
precário, com certa dose de ansiedade. Há, no Rorschach, sinais de sensualidade. Não há, nas provas, qualquer indicação de psicose ou de lesão cortical, mas sim de neurose."
385.
Discussão
500.
e conclusão
11. Os exames realizados permitem estabelecer que o referido cidadão é portador de quadro neurótico. Não se evidenciaram sinais de psicose, de retardo mental ou de psicopatia. Trata-se, contudo, de exames realizados com o indivíduo fora do serviço, onde vem apenas para se submeter a exames. Não se dispõe do dia. de informes seguros sobre sua conduta durante as vinte e quatro horas 12. O quadro que apresentou na Casa de Detenção pode ter sido episódio carcerário, que remitiu após medicação. 13. Até o presente não se dispõe de elementos consistentes para se estabelecer nexo entre os fatos delituosos que lhe são atribuídos e doença mental, visto não existir - no presente - quadro psicopatológico do tipo psicose. 14. Frente ao exposto é de se considerar o referido cidadão como plenamente imputável pelos feitos que lhe estão sendo atribuídos. 15. Em conclusão: Trata-se de cidadão sem perturbação mental do tipo psicose (somente é neurótico) que tem conservada sua plena capacidade de entender o caráter criminoso dos feitos constantes da denúncia e de se determinar de acordo com esse entendimento. Notas e referências 1. Freud, S., "EI delincuente por sentimiento de culpabilidad", in Obras Completas (trad. esp.), Ed. Bibl. Nueva, 1948, vol. 11, seco XIII: capo 8:3, pp. 1.001-1.002. 2. Spandudis, T., Delinqüência e Psicanálise, São Paulo, Ed. IBCD, 1954, pp. 7-20. 3. Slater, E., & Roth, M., Clinical Psychiatry, 3~ ed., Londres, Tindall & CasseI, 1969, pp. 60-68. 4. Freud, S., Obras..., cit., vol. I, seco 9, pp. 205-212. 5. Alexander, F., Fundamentais o/ Psychoanalisys, Londres, Ed. George Allen & Unwin, 1949, pp. 234-240. 6. Jimenez de Asúa, L., Psicoanálisis Criminal, Buenos Aires, Ed. Lesada, 1947, 5~ vol., pp. 43-57. 7. Di Tullio, B., Principios de Criminologfa Clfnicay Psiquiatrfa Forense (trad. esp.), Madri, Aguilar, 1966, pp. 80-83. 8. Alexander, F., Fundamentais... cit., pp. 234-240, e também Psiquiatrfa Dinámica, Buenos Aires, Ed. Paidos, 1958, capo V, pp. 130-132. 9. Schmideberg, M., The Neurotic O//ense: Does it exist?, Montreal, Prec. III World Congress of Psychiatry, 1961, pp. 328-330. 10. Banay, R.S., Neurotic De/inquents?, Montreal, Proc. 111World Congress of Psychiatry, 1961, pp. 354-355. 11. Alexander, F., Fundamentais... cit., pp. 234. 12. Hurwitz, S., Criminologfa (trad. esp.), Barcelona, Ed. Ariel, 1956,p. 176. Trata-se de conceito baseado em Stürup.
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NEURÓTICA
13. Porot, A., Manuel Aphabétique de Psychiatrie, 3~ ed., Paris, PUF, 1965, p. 14. Martin, B., Ansiedade e Distúrbios Neuróticos, 1~ ed. (trad. port.), Rio de Janeiro, Livros Tec. e Científicos, 1974, capo 2, pp. 6-16. 15. Leauté, J., Criminologie et Science Pénitentiaire, 1~ ed., Paris, PUF, 1972, p. 16. Tappan, P.W., Crime, Justice & Correction, Nova York, McGraw-Hill, 1960, p. 131. 17. Aichhorn, A., Wayward Youth, Nova York, MeridianBooks, 1955, todo o texto. 18. Jenkins, R.L., "The psychopathic or antisocial personality", J. Nerv. & Mental Dis., 131:318-334, 1960. 19. Ramos Maranhão, O., "Personalidade psicopática e personalidade delinqüente essencial", Ciência Penal II (3):47-68, 1975. 20. Di Tullio, B., Principios... cit., p. 83. 21. Gregory, L, Fundamentais o/ Psychiatry, 2~ ed., Philadelphia, Saunders, 1968, capo XV, pp. 347-393. 22. Horney, K., The Neurotic Personality o/Our Time, Nova York, Ed. Norton, 1937, capo I, pp. 13-29. 23. Horney, K., La Neurosis y el Desarro//o Humano, Buenos Aires, Ed. Psique, 1955. 24. Jung, C.G., The Integration o/the Personality, 6~ ed., Londres, Ed. Routledge & Kejan, 1950, p. 301. 25. Alexander, F. & French, T.M., Psychoanalytic Therapy, Nova York, Ed. Ronald Press, 1941, capo I, pp. 2-12. 26. Alexander, F., Fundamentais... cit., capo IX, 4~, pp. 209-212. 27. Horney, K., The Neurotic... cit., capo 13, pp. 230-258. 28. Alexander, K., Fundamentais... cit., pp. 208-213. 29. Carballo, J.R., Patologfa Psicosomática, Madri, Ed. Paz Montalvo, 1949. 30. Alexander, F. & French, T.M., Studies in Psychosomatic Medicine, Nova York, Ed. Ronald Press, 1948. 31. Slater, E. & Roth, M. (Mayer-Gross), C/inical Psychiatry, 3~ ed., Londres, Tindall & CasseI, 1969, p. 393. 32. Menninger, K.A., EI Hombre Contra Sf Mismo (trad. esp.), Buenos Aires, Ed. 'Losada, 1952, p. 159. 33. Jimenez de Asúa, L., ob. cit., p. 127. 34. Freud, S., ob. cit., p. 125. 35. Abrahamsen, D., The Psychology o/Crime, Nova York, Science Ed., 1960,capo VI, pp. 105-116. 36. Leauté, J., Criminologie... cit., p. 500. 37. Hurwitz, S., Criminologfa... cit., p. 176. 38. Guze, S.B., Tuason, V.B., Gatfield, P.D., Stuart, M.A. & Picken, B., "Psychiatric illness and crime with particular
reference
to acoholism"
, J. Nervous
& Mental Dis.
,
134:512-521, 1962. 39. Guze, S.B., "A study ofrecidivism ba~ed upon a follow-up of 217 consecutive criminaIs", J. Nervous & Mental Dis., 138:575-580, 1964. 40. Oltman, J .E. & Friedman, S., "A psychiatric study of one hundred criminais", J. Nervous & Mental Dis., 39:16-41, 1941. 41. Ramos Maranhão, Personalidade psicopática... cito
DELINQÜ~NCIA
Capítulo 7
DELINQÜÊNCIA PSICOPÃTICA: O "ANTI-SOCIAL"
Num terceiro grupo, a "classificação natural" inclui a chamada "delinqüência primária" e com essenome faz referência a portador de um comportamento cronicamente anti-social. Efetivamenteos multi-reincidentes,especialmenteespecíficos, apresentam distúrbios do caráter, o que constitui o marco mais característico deste grupo. A denominação de "delinqüentes primários" adotada pela classificaçãoé perfeitamentejustificável.Trata-se, é claro, de "primário" em sentidopsicológico,o que não se confunde com o sentido jurídico, mas seria prudente evitá-Io. Os distúrbios e os defeitos do caráter apresentam tendência à estruturação e, ;)s vezes, são irreversíveis. É preferível a denominação de delinqüênciacaracterológica, para indicar as formas criminais atribuíveis a uma participação direta e decididamentepredominante do feitio da personalidade sobre os fatores precipitantes. Devemosincluir aqui tanto os defeitos de base constitucional, quanto os desvios de formação da personalidade. O que servirácomocaracterísticacomumao grupo e elemento suficientepara enquadrar aqui um caso concreto é o fato do comportamento agressivoà sociedade ser um traço marcante da personalidade do agente. Isto não significaque somente os reincidentesestarão enquadrados neste grupo, já que há possibilidadede um ajuste precário disfarçar o quadro clínico, como muitas vezesa agressão à sociedade, por váriosmotivos,pode manter-seao nívelda impunidade.
PSICOP ÁTICA
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Há pessoas que, tendo vivido em ambientes deficitários, incorporam maus valores ou, reagindo a um abandono, tornam-se adversas à estrutura social. Estas têm capacidade de aproveitar (no sentido de incorporar) a experiênciavivida e, se saem caracteres mal formados, tudo se deve a uma inconveniente estrutura cultural. São mal formados porque não tiveram oportunidade de ser bem formados. \ . Outros, porém, mostram-se Incapazes de aprender pela experiência, integrar grupos e efetivar um plano de vida. Tudo faz crer que já nascem com um defeito impediente do aproveitamento da experiênciavivida. Não são mal formados: são mal constituídos. Com esses dados é possível desenvolver-seum conveniente critério para uma subclassificação.Ela pode ser assim expressa: a) delinqüênciacaracterológicapor má constituição;b) delinqüência caracterológica por má formação. No primeiro caso, trata-se de pessoa portadora de defeito do caráter e constitui a chamada personalidadepsicopática. No segundo há um desvio do caráter,que forma a "personalidade delinqüente". Os primeiros são também chamados "anti-sociais" e os segundos "para-sociais" ou "dissociais". Temos proposto as denominações de: a) delinqüênciapsicopática para os delitos praticados por personalidadespsicopáticas, e b) delinqüênciaessencial para os crimes praticados por caracteres mal formados, pois aqui se trata de "personalidade delinqüente". "São psicopáticasas personalidadesanormais, cuja anormalidade consiste especificamenteem anomalias do temperamento e do caráter, que determinam uma conduta anormal e configuram uma minusvalia social"'. Esta foi a conceituação exposta por Koch em 1888,com o título de "Inferioridades psicopáticas". Porém, o conceitomais difundido, embora semprecriticado, tem sido o de Schneider,2 enunciado em 1923- "As personalidades psicopáticas são personalidades anormais, cujo caráter anormal lhes faz sofrer ou faz sofrer a sociedade." E acrescenta: "Os psicopatas são personalidades anormais que em função do caráter anormal de sua personalidade, mais ou menos marcadas segundo as situações, as coloca, em todas as circunstâncias, em conflitos externos e internos". A conceituação de psicopatia foi progressivamentese comprometendo, sofrendo críticase alcançando um sentido quase pe-
80
DELlNQoeNCIA
PSICOLOGIA DO CRIME
..,
JIlédiacomeçam a se atenuar. / I C) O Distúrbio anti-socialcaracteriza-se por comportamen/to irresponsável,iniciadoprecocemente(antesdos 15anos), acompanhado de mentira, roubo, vadiagem, vandalismo, brigas provocadas, crueldade física, atividades ilícitas (tóxicos). A sistemática adotada é a seguinte: 6-7-8 Grupo I - bizarro ou excêntrico: a) Distúrbio esquizotípico b) Distúrbio esquizóide c) Distúrbio paranóide
Grupo 11- dramático, emocional ou errático: a) b) c) d)
Desde1968a AssociaçãoPsiquiátricaBrasileiravemadotando
) igualmente uma tradução adaptada doconceitodepersonalidade Manual Diagnóstico e Estatlstico, onde seencontrao anti-social -
(
"301.7" - "Este termo é reservado para indivíduos basicamente insocializáveis, e cujo padrão de comportamento os coloca repetidamente em conflito com a sociedade. São incapazes de lealdade significativa para com os indivíduos, grupos ou valores sociais. São manifestamente egoístas, rudes, irresponsáveis, impulsivos e incapazes de sentir culpa ou aprender com a experiência e o castigo.
" "A tolerância à frustração é baixa. Tendem a culpar os outros ou a oferecer racionalizações plausíveispelo seu comportamento. Uma simples história de repetidas ofensas legais ou so) ciais não é suficientepara justificar este diagnóstico. As relações delinqüenciaisde grupo na infância (ou adolescência)e desajustamento social sem desordens psiquiátricas manifestas devemser eliminadas antes de fazer este diagnóstico".s Os mais recentesconceitos nos são fornecidos pela 3~edição revista do Manual Diagnóstico e Estatlstico (D.S.M. lU R) e podem ser assim resumidos: A) São caracterfsticasde personalidadeos padrões duradouros de percepção, relação e pensamento acerca de si e do ambiente, alcançando ampla faixa de contextos pessoais e sociais. B) Quando essascaracterísticasse mostram inflexíveise inadaptadas, causando comprometimento funcional e/ou sofrimento subjetivo, passam a constituir um Distúrbio depersonalidade.
81
São reconhecíveis precocemente (infância ou adolescência), persistem por quase toda a vida adulta e somente depois da idade
jorativo, a ponto de levar Leo Kranner3a fazer um comentário jocoso: "Um psicopata é alguém de quem você não gosta." --., ! O Manual Estatlsticode Diagnósticode DoençasMentais da , AssociaçãoAmericanade Psiquiatriapassoua denominaressequadro clínico de ReaçãoAnti-social e a descrevê-lo da seguinteforv ma: "Este termo se refere a indivíduoscronicamenteanti-sociais, e que estão em dificudades, não tirando proveito nem da experiência e nem das punições sofridas e não mantendo lealdade real a qualquer pessoa, grupo ou código. São freqüentemente empedernidos e hedonistas, mostrando acentuada imaturidade emocional, com falta de senso de responsabilidade, falta de tirocínio e habilidade de racionalizar sua conduta de modo que ela pareça justificável e razoável".4
(
PSICOPÁTICA
Distúrbio Distúrbio Distúrbio Distúrbio
Grupo
111
- ansioso
a) Distúrbio b) Distúrbio c) Distúrbio d) Distúrbio
I
histriônico narcisista anti-social borderline ou receoso: evitativo dependente obsessivo-compulsivo passivo-agressivo
7~ Observa-se concordância com os conceitos da Classificação de Doenças (CID 9 - OMS):9
/Internacional
"301 Transtornos da personalidade
)
I
"Padrões de comportamento desajustados e profundamente arraigados que são reconhecidos geralmente desde a adolescência ou antes e que persistem durante maior parte da vida adulta, apesar de se tornarem menos óbvios na idade madura ou na velhice. A personalidade é anormal tanto em relação ao equilíbrio dos seus componentes, em suas qualidades e expressão, quanto em relação ao seu aspecto total. Em virtude desse desvio ou psicopatia o paciente sofre ou os outros têm de sofrer e ocorre um efeito adverso sobre o indivíduo ou sobre a sociedade. Inclui o que algumas vezes é chamado de personalidade psicopática, mas caso esta tenha sido determinada primariamente por mau funcionamento do cérebro, não deveria ser classificado aqui mas como uma das síndromes cerebrais orgânicas não-psicóticas (310). Quando o paciente apresenta uma anomalia da personalidade diretamente relacionada à sua neurose ou psicose, por ,~empl0,
personalidade esquizóide e esquizofrênica, ou personalidade anancás-
r 82
DELINQoeNCIA
PSICOLOGIA DO CRIME
tica e neurose obsessivo-compulsiva, deve ser diagnosticada também a neurose ( ou psicose pertinente em evidência. Neurose de caráter 'J
u301.7 Transtorno da personalidade com predomfnio de manifestações so-
lioPáticas ou associais "Transtorno da personalidade caracterizado pelo desprezo pelas obrigaes sociais, falta de sentimentos pelos outros, violência impetuosa ou indifeença insensível. Há uma grande disparidade entre o comportamento e as noras sociais vigentes. O comportamento não se modifica facilmente pela expeiência, inclusive pelo castigo. As pessoas com esta personalidade são afetivaente frias e podem ser anormalmente agressivas e irresponsáveis. Sua tolerância à frustração é baixa, culpam a outros ou apresentam racionalizações plausíveis para o comportamento que as coloca em conflito com a sociedade. perSOnalidade amoral Personalidade associal Personalidade anti-social
-
~
l,,Exclui: distúrbio de conduta sem transtorno de personalidade especifico (312.-) personalidade explosiva (301.3)"
A psicopatia - no sentidorestritode "personalidadepsicopática" - sempre foi atribuída a fatores heredo-constitucionais. Já em 1850,MoreI falava em "herança degenerativa" e em 1888 Koch dava-lhe a denominação de "inferioridades psicopáticas". Até hoje não se afastou a causalidade biológico-constitucional. O estudo comparativo de gêmeos adquiriu importância primordial nas investigaçõesda hereditariedade. No que se refere à psicopatia os dados mais significativosforam obtidos no estudo da criminalidade gemelar, como assinalam Slater e Roth.1O Uma revisão incompleta da literatura especializada11pode nos levar a 478 pares de gêmeos estudados: Pafs
Autor 1
-
Lange
2 - Legras 3 Rosanoff 4 Stumpfl 5 Kranz 6 - Newman Freeman e Holzinger
-
--
Amostra total
Alemanha Holanda Estados Unidos Alemanha Alemanha
40 pares 9 pares 97 pares 75 pares 125pares
Estados Unidos
132 pares 478 pares
TOTAL
A amostra é integrada por 183monozigóticos e 295 dizigóticosoOs resultados de concordânéia quanto a um comportamento criminal foram os seguintes: dizigóticos discordantes .. dizigóticos concordantes .. monozigóticos discordantes
........ 80,3070 19,7% ...
......................................
25,2%
..................... 74,8%
monozigóticosconcordantes
Observa-sealta discordância entre dizigóticos(80,3%) e elevada concordânciaentre gêmeosmonozigóticos(74,8070). Essesresultados apóiam a atribuição dessetipo de personalidade à causa biológico-constitucional. Isso, porém, não afetou o interesse em se obter uma explicação psicodinâmicados processos desencadeadores do comportamento psicopata. Assim, McCord e McCord12concluíram que os aspectos essenciaissão dois: a) incapacidade de amar (IA), e b) ausência de sentimento de culpa (ASC).
IA = incapacidadede amar ASC
~
= ausência de sentimento de culpa
AAS = açãoanti-social
A explicação oferecida por Craft parece mais completa e mais clara. Os processos primários seriam, segundo esse autor, dois: a) falta de sentimento (amor ou afeição pelas outras pessoas), e b) tendência à ação impulsiva. Destes resultariam quatro processos secundários: 1. agressividade; 2. ausência de culpa; 3. incapacidade de aprender pela experiência; 4. falta de motivação adequada.
8 88
(0
~B FS TI
l
83
PSICOP ÁTICA
= falta de sentimento = tendência impulsiva
84
PSICOLOGIA DO CRIME
= ausência
de sentimento de culpa agressividade IAE = incapacidade de aprender pela experiência FMA = falta de motivação adequada AAS = ação anti-social ASC
AGR
=
Os autores, visando um diagnóstico clínico, desdelogo, descrevem uma tipologia psicopática. MoreI os classificou em quatro grupos: I - temperamento nervoso congênito 11- indivíduoscom estigmas físicos,intelectuaisou morais 111 - indivíduos de existência intelectual limitada IV - simples de espírito Foram denominados degenerados. Koch usou a denominação de inferiorespsicopáticose os distribuiu em três grupos: A) simples disposição psicopática. B) tarados com defeitos constitucionais: débeis, indiferentes e energéticos C) degeneração psicopática congênita em forma de estados graves de debilidade intelectual e moral Kraepelin já as designa como estados e personalidades psicopáticas, distribuindo-as assim: I
-
estados psicopáticos originários: a) nervosismo b) excitação constitucional c) depressão constitucional d) loucura obsessiva e) aberrações sexuais
11- personalidades psicopáticas: a) delinqüente nato b) inconstantes c) mentirosos e farsantes d) pseudoquerelantes
DELINQüêNCIA
PSICOP ÁTICA
85
o próprio Schneider não deixou de estabel~er uma tipologia, tendo descrito uma sistemática integrada por dez itens: 1. hipertímicos 2. depressivos 3. inquietos 4. fanáticos 5. carentes de valor 6. instáveis 7. explosivos 8. apáticos 9. abúlicos 10. astênicos Esse polimorfismo sempre dificultou o diagnóstico preciso de psicopatia. Graye Hutchison, com base nos resultados que obtiveram por meio de inquérito do qual participaram 667 psiquiatras, enumeraram as seguintes características como próprias da psicopatia: 1) não aprende pela experiência; 2) falta-lhe senso de responsabilidade; 3) é incapaz de estabelecer relações significativas; 4) falta-lhe controle sobre os impulsos; 5) falta-lhe senso moral; 6) é crônica ou periodicamente anti-social; 7) a punição não lhe altera o comportamento; 8) é emocionalmente imaturo; 9) é incapaz de sentir culpa; 10) é egocêntrico. Uma das mais clarase precisasdescriçõesdo psicopatase deve a McCorde McCord,quando escrevem:"O.psicopataé anti-social. Sua conduta freqüentemente o leva a conflitos com a sociedade. Ele é impelido por impulsos primitivos e por ardentes desejos de excitação. Na sua busca autocentrada de prazeres, ignora as restrições de sua cultura. O psicopata é altamente impulsivo. É um homem para quem o momento que passa é um segmentode tempo separado dos demais. Suas ações não são planejadas e ele é guiado pelos seus impulsos. O psicopata é agressivo.Ele aprendeu poucos meios socializados de lutar contra frustrações. Tem pequeno ou nenhum sentimento de culpa. Pode cometer os mais
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PSICOLOGIA DO CRIME
apavorantesatos e ainda rememorá-Iossemqualquerremorso.Tem uma capacidade pervertida para o amor. Suas relações emocionais, quando existem,são estéreis, passageirase intentam apenas satisfazer seus próprios desejos. Estes dois últimos traços: ausência de amor e de sentimento de culpa marcam visivelmenteo psicopata, como diferente dos demais homens." As classificaçõestipológicasvão sendoprogressivamentesubstituídas pela descriçãode uma síndromepsicopática. Merecemespecial destaque os roteiros diagnósticos de McCord & McCord12 e de Cleckley: 13 1 - Roteiro de McCord & McCord: 1) o psicopata é associal; 2) o psicopata é movido por desejos incontrolados; 3) o psicopata é altamente impulsivo; 4) o psicopata é agressivo; 5) o psicopata sente escassos sentimentos de culpa; 6) o psicopata tem uma desviada capacidade de amar; 7) para o psicopata cada momento é uma fração de tempo desvinculado dos demais; 8) As ações do psicopata carecem de planejamento. 2 - Roteiro de Cleckley: 1) encanto superficial e boa inteligência 2) ausência de delírios ou outros sinais de pensamento ilógico 3) ausência de manifestações psiconeuróticas 4) inconstância 5) infidelidade e insinceridade 6) falta de remorso ou vergonha 7) conduta anti-social inadequadamente motivada 8) falta de ponderação e fracasso em aprender pela experiência 9) egocentrismo patológico e incapacidade. de amar 10) pobreza geral das reações afetivas 11) falta específica de esclarecimento interior (insight) 12) irresponsabilidade nas relações interpessoais 13) tendência à conduta fantástica com ou sem uso de álcool 14) raramente suicidas 15) vida sexual impessoal, trivial e pobremente integrada 16) incapacidade de seguir um plano de vida
DELINQÜ~NCIA
PSICOPÁTICA
Roteiro de Cleckley (anotações) "'-
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- - -
1) Encanto superficial e boa inteligência: No contato inicial apresentam-secomo pessoas especialmente amáveis,causandoimpressãoextremamentefavorável.Aparentam ser pessoasbem ajustadas e felizes,parecendodotadas de bom senso e livres de obstáculos emocionais. Os testes psicométricos apuram inteligênciasuperior e até extraordinária. Discorremcom facilidade e brilhantismo sobre planos, conceitos e críticas a terceiros. 2) Ausência de delírios ou sinais de pensamento ilógico: Não apresentam sinais de psicosede qualquer tipo. Seu pensamento é lógico e convincente. São capazes de criticar verbalmente seus erros passados e emitir juízos aparentemente válidos. Nada faz supor que possam praticar atos irrefletidos ou antisociais. 3) Ausência de manifestações neuróticas: Expressam serenidade e bem estar físico. Não se observam indícios de angústia ou ansiedade, fenômenos histéricos ou atos obsessivo-compulsivos.Comunicam impressão de absoluta tranqüilidade. 4) Desmerecemconfiança: Não dispõemde sensode responsabilidade. A demonstração de suas falsidadese mentiras não afeta o seu comportamento. Um trato qualquer pode ser descumprido com facilidade e sem constrangimento. 5) Infidelidade e insinceridade: Podem fazer as mais sériaspromessas em falsidade (até perjúrio). Nessas condições conseguemfitar fixamente nos olhos de quem está sendo traído, sem nenhuma expressãode estaremmentindo. Invocaminsinceramentea sua "palavra de honra", o "acordo de cavalheiros" etc., sem a menor intenção de cumprir o prometido. 6) Falta de remorso ou vergonha: Usualmente negam, de modo enfático, qualquer responsabilidade. Suas colocaçõese explicaçõesrevestem-sede insinceridade. Não se apura arrependimento ou sentimento de culpa.
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PSICOLOGIA DO CRIME
DELINQoeNCIA
7) Conduta anti-social inadequadamente motivada: Mesmo sob o risco de serem imediatamente descobertos, cometem os mais atrozes crimes, sem motivação razoável. Podem, porém, rememorá-Ioscom detalhes e sem nenhuma reação emocional. Na dinâmica de seus delitos, a circunstânciatem participação mínima ou até nenhuma: tudo depende de sua vontade.
PSICOPÁTICA
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13)Tendênciaà conduta fantástica, com ou sem alcoolização: As respostas à alcoolizaçãoparecem mais graves no psicopata do que nas pessoas comuns, ou mesmo neuróticas. O marcante é o comportamento bizarro, chocante, extravagante do psicopata alcoolizado. Cleckleyanota que o álcool não libera impulso anteriormente inexistentena personalidade. Por outro lado não vê relação entre os efeitos do álcool e o comportamento psicopático. Aqui seobservadesejode chocar, ser incoveniente,agrediro meio. 14) Raramente se suicidam: Os psicopatas não são perturbados pelos outros, eles são os perturbadores. Colocando a culpa de tudo nos outros, tendo uma exaltada auto-estima, não há por que cometer suicídio. É preciso buscar explicaçãoem alguma intercorrência para os casos raros de suicídios psicopáticos. 15) Vida sexual impessoal, pobremente integrada: De regra, a sexualidadedo psicopata não é normal. Pode se entregar aos mais diversos desvios. Em todas as situações falta participação pessoal, entrega afetiva, "vida a dois". A parceira (ou parceiro) é sempre um "objeto": só ao psicopata cabe desfrutar do relacionamento sexual. Alguns Autores chamam a isso "relação objetal". 16) Incapacidade de seguir um plano de vida; É claro que as circunstânciasda vida nos obrigam, com certa freqüência,a mudar nossosplanos. Entretanto, sempretemos propósitos definidos e as modificaçõesdo plano de vida são produto do aprendizado pela experiência. Não é assim com o psicopata: planeja sempre e não executa nunca. Simplesmenteé incapaz de seguir (com flexibilidadee uso da inteligência)um razoável plano de vida. Viveao léu, cada instante desvinculadodos antecedentes e dos conseqüentes. A evoluçãodos conceitose os conhecimentosde natureza etiológica permitem o reconhecimento esquemático de três períodos diversos, ainda que haja alguma superposição cronológica: 1) período tipo lógico - em que sobressaem as idéias de Kretschmer e Schneider; 2) período da "síndrome" - em que os esquemasdiagnósticos de McCord & McCord e de Cleckleyadquirem importância prática inquestionável;
8) Pobreza dejulgamento e incapacidadede aprender pela experiência: A experiêncianão é significativamenteincorporada pelo psicopata (anti-social).O castigoe mesmoo aprisionamentonão modificam seu comportamento. Cada experiênciaé vivida e sentida como fato isolado. O presente é vivenciadosem vínculos com o passado ou o futuro. A capacidade crítica e o senso ético se comprometem gravemente. 9) Egocentrismo patológico e incapacidade para amar: A auto-estima é prevalente e exagerada. Tratam as pessoas que dizem amar como se fossem simples objetos, ao seu dispor. O que chamam "amor" não passa de meio para alcançar seusobjetivos, à custa de outrem. 10) Pobreza geral nas reações afetivas: Suas "reações emocionais" são "representações" para produzir um determinado efeito programado: não passam de artifícios. A capacidade de "sentir" - se é que existe - é essencialmente diferente daquilo que se conhece com esse nome. Podem sorrir em qualquer adversidade. 11) Falta específica de esclarecimentointerior (insight): A responsabilidadepelos atos e pelos erros é sempre atribuída a outrem: jamais a si mesmo. A capacidade de perceber falhas, enganos, erros está total e definitivamenteexcluída. Talvez seja a causa da falta de aprendizado pela experiência. 12) Irresponsabilidade nas relações interpessoais: Não se pode esperar do psicopata (anti-social) nenhuma retribuição à simpatia, cordialidade ou afeto. Um longo tempo de atenções, afeto ou mesmo de atos de amor, pode ser destruído por uma simples negativa de atendê-Io num capricho momentâneo.
I
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PSICOLOGIA DO CRIME
3) período "das dimensões" - emque são feitasavaliações várias: por meio de psicotestes (M.M.P.I., P.M.K., Rorschach, etc.), estudos de condutividade elétrica da pele (reflexopsicogalvânicoe outros), traçado eletrencefalográfico.Os trabalhos de Hare,14Reid,15Monroe16e Knott17entre outros, devem ser considerados de capital importância. Para fins práticos, a associação dos critérios referidos, provas psicológicase um traçado eletroencefalográfico(contandocom a presença de "ondas lentas") é suficiente. Deve-sereiterar aqui a observação de que o diagnóstico depersonalidadeanti-socialse inclui entre os de natureza psiquiátrica, já que se trata de forma especialde distúrbio da personalidade, como consta da C.I.D. e do D.M.S. (estudomais extenso é objeto do texto Personalidades Anti-sociais, em revisão).
DELINQÜ~NCIA
PSICOPÁTICA
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1. J.F.A.S. filho de J.F. da S. e M.L.S., de cor parda, brasileiro, nascido em abril de XX, casado, lavrador, é apresentado ao Instituto de Biotipologia Criminalpara se submeter a exame psiquiátricopor determinaçãodo Juizo da Comarca de XX.
passou na experiência" ocasionando a esta firma sérios prejuízos por não compreender o funcionamento de máquina da qual fora incumbido de tratar, sendo assim despedido por danos causados à firma. Empregou-se posteriormente em uma fundição também como servente, permanecendo na firma quinze dias, sendo despedido por "não passar na experiência". Empregou-se posteriormente em XX como servente de pedreiro, permanecendo dez dias como empregado, sendo despedido agora por "excesso de empregados". Voltou logo após a estes insucessos em serviços de firmas a trabalhar em serviços de lavoura nas proximidades de XX, onde permaneceu dois anos. Durante este período em que trabalhava na lavoura casou-se sendo pai de seis filhos. Foi para XX, onde empregou-se numa fazenda, agora trabalhando na lavoura de cana-de-açúcar pelo período de um ano. Dirigiu-se posteriormente para XX onde prestou exames, ingressando na Polícia. Durante quatro anos trabalhou em delegacias, em afazeres diversos. Veio novamente para São Paulo, estabelecendo-se em XX, empregando-se novamente em trabalho braçal na lavoura, onde permaneceu até a época em que foi detido pela Polícia. Como não se "ajustava nos empregos", "não tinha sorte nos empregos" pensou "em matar para roubar", por acreditar que assim seria melhor. Sabia de um bar em XX que era propriedade de um casal de velhos e tinha conhecimento que lá existia dinheiro. :E;laborouo seguinte plano: "entro na casa", "mato os velhos" e "pego o dinheiro" e "alguma coisa de valor que por lá estiver". E assim J .F.S. procedeu. Refere friamente que matou os velhos a facadas, no tórax, abdômen e garganta. 3. Antecedentes pessoais: Ignora as condições de gestação, nascimento e parto. Nada sabe informar sobre as condições de desenvolvimento neuropsicomotor. Nega antecedentes de comicialidade. Doenças cíc1icas da infância sem repercussão nervosa. Refere que sempre teve dificuldade em "aprender as coisas" e que essa dificuldade principalmente se manifestou na escola primária. Sempre foi calado, introvertido, não gosta de amizades porém aprecia bailes, festas e futebol. É tabagista moderado. Refere que fazia uso de bebidas alcoólicas, esporadicamente. Primeiras relações sexuais quando contava 18 anos de idade. Antecedentes familiares: Nada digno de nota.
Histórico
Descrição
. Anexamos dois laudos de nossa lavra, em que o diagnóstico de personalidade psicopática restou demonstrado. LA UDO 1 EXAME DE SANIDADE MENTAL
e antecedentes
2. Consta da denúncia contra ele oferecida que, em abril de XX penetrou na casa de B.M.S. e A.O.S. com intenção de furtá-Ios, tendo porém desferido vários golpes de punhal em ambos, produzindo-lhes a morte. Foi por isso considerado incurso nas penas do artigo 121 do Código Penal. Tendo surgido dúvidas a respeito da imputabilidade do agente, foi determinado o presente exame. Natural de XX, diz ser o terceiro filho de uma prole de seis. Refere que seus pais eram lavradores, mas que apesar da "miséria do lar", relacionava-se muito bem com os familiares. Desde os 7 anos de idade informa que realizava pequenos serviços na roça. Cursou somente o I? ano escolar, referindo que deixou a escola porque não gostava de estudar e que tinha dificuldade na alfabetização. Permaneceu no interior até a idade de 18 anos, quando então "arrumando dinheiro com o pai" (sic) veio a São Paulo à procura de novas oportunidades de emprego. Em São Paulo, estabelceu-se na casa de um amigo, empregandose na XX como servente, permanecendo vinte dias no emprego. Refere que "não
4. Paciente de cor parda, de boa compleição física, sem dados particulares a anotar. Clinicamente assintomático, não externa sintomas ou sinais próprios de processo organo-patológico em atividade ou evolução. 5. Equilíbrio e marcha sem anormalidades. Motricidade e sensibilidade conservadas sob todas as formas. Reflexos superficiais e profundos presentes e normais. Reflexos osteo-tendinosos normais. Ausência dos sinais de Romberg e Argyll-Robertson. 6. Entrevistado por psiquiatras do Instituto de Biotipologia Criminal, foi possível firmar-se as conclusões que aqui se registram: Solicitado à entrevista, atende o chamado, permanecendo rígido em sua cadeira, atento às perguntas que lhe são formuladas. Responde a todas as perguntas secamente. Mostra-se calmo, orientado no tempo e no espaço. Não se constatando ao exame direto distúrbios da esfera senso-perceptiva. Inteligência
92
PSICOLOGIA DO CRIME
normal. Escassas manifestações afetivas. Personalidade egocêntrica, primitiva e impulsiva. Juízo conservado. Fluxo ideativo normal. Sensos ético-morais completamente abolidos. Assim não se apura perturbação do tipo da debilidade mental ou do nível psicótico. 7. Submetido a exame eletrencefalográfico. O traçado 1 666 dá ensejo ao relatório que vem assim redigido: Traçado em condições técnicas satisfatórias. Exame realizado em vigília. Atividade elétrica cerebral mostrando ritmo de base alfa dominante, regular, freqüência 9 ciclos por segundo, amplitude média de 15 microvolts, bilateral simétrico. A hiperpnéia não provoca sinais elétricos do tipo patológico. Conclusão: Ritmo de base alfa dominante, regular e simétrico. EEG normal. 8. Foi submetido aos psicotestes de Koch, Pfister e Pierre Weill. O relatório da Psicologia está assim redigido: Inteligência: Trata-se de pessoa com bom nível mental. Obteve no INU um escore bruto de 38 pontos, atinge o percentil 60 na escala elaborada sobre a população geral colocando-se no grupo médio-superior da população penitenciária. Tem dotes visuais e boa capacidade de observação. Gosta de mostrar a própria capacidade. Personalidade: O examinando apresenta as seguintes características pessoais: Dificuldade de utilização dos elementos racionais e intelectuais para o autocontrole, em lugar disso usa da repressão, mas assim mesmo o controle não é suficiente, revelando o examinando certa impulsividade. O potencial agressivo é normal mas falta-lhe a estabilidade. Tem-se a impressão de que o equilíbrio atual não está inteiramente consolidado. Tem vontade de adaptação e desejo de realização. O nível de aspiração é bastante alto. Revelou energia e alto tônus vital. Tem necessidade de ação e é capaz de zelo e iniciativa. Tem vontade de se realizar logo. Tendência a misticismo e gosto em compreender as coisas; não consegue, porém, aplicar esta compreensão a si mesmo. Aumento da necessidade aquisitiva com sinais de orabilidade. Projeta-se facilmente nos outros. Quando projeta sua agressividade, poderá sentir-se injustiçado e "perseguido". Necessidade de experiência e de contato com a realidade, mas, ao mesmo tempo, revela dificuldade de armazenar as experiências e vivências anteriores, fato que não está de acordo com a capacidade intelectual. A falta de aproveitar-se das experiências anteriores leva à impossibilidade de fazer uma seleção natural e automática dos estímulos exteriores que sobrecarregam o mecanismo de elaboração interna dos estímulos, o que lhe causa forte ansiedade e inquietação interior. É extrovertido e gosta do contato com a realidade e as pessoas. Dificuldade de suportar a frustração dos seus desejos e necessidades, que embora poucos, são imperativos. Impaciência e pressa. Influenciabilidade e dependência no julgamento do ambiente. Certa estereotipia. Tende à repressão quando sob tensão emocional. Conclusão: Pessoa com nível mental nos limites superiores da normalidade. Personalidade não totalmente realizada com dificuldade de integração da vida intelectiva e consciente e da vida afetiva emocional. Ativo e enérgico com desejo de melhor adaptação e realização. Algo egocêntrico. Extrovertido. Certa impulsividade e instabilidade. Aumento da necessidade aquisitiva e ansiedade.
DELINQoeNCIA
Discussão
93
PSICOPÁTICA
e conclusão
9. Os exames realizados não apuram debilidade mental, nem quadro de nível psicótico. Os defeitos apurados são basicamente caracterológicos. A personalidade é do tipo psicopático, sem integração dos valores afetivo-volitivos bem como dos valores ético-críticos e sociais. A frieza com que pratica os seus atos, a falta de capacidade de julgamento, a apreciação inadequada dos feitos, o distúrbio do comportamento são característicos da personalidade anômala, desarmônica do tipo psicopático. Por isso considerâmo-lo personalidade psicopática do tipo anestésico. 10. Em face da perturbação apurada, trata-se de agente semi-imputável penalmente, pois que, conservando a capacidade de entender a natureza delituosa de seus feitos, não tem contudo a capacidade de se determinar de acordo com esse entendimento.
Quesitos e respostas 11. Quesitos do Ministério Público e da Curadoria: I?) Era o agente à época dos fatos, por doença ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, inteiramente incapaz de entender o caráter criminoso do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento? 2?) O agente, em virtude de perturbação da saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado, possuía, ao tempo da ação, plena capacidade de entender o caráter criminoso do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento? 12. Resposta aos quesitos do Ministério Público e da Curadoria: Ao I?: Inteiramente não. Apenas semi-imputável conforme atrás se analisa. Ao 2?: Não possuía a plena capacidade por se tratar de personalidade psicopática. 13. Quesitos da Defesa: I?) Tendo em vista o comportamento psíquico do examinando, notadamente a ausência de arrependimento e remorso, indaga-se se o mesmo era portador, ao tempo da ação, de doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado? 2?) Em caso positivo, era o examinando inteiramente incapaz de entender o caráter criminoso do fato? Ou, pelo menos, de determinar-se de acordo com esse entendimento? 3?) Na hipótese negativa para os quesitos acima, indaga-se do Dr. Perito, se o examinando, tendo em vista também o seu comportamento após os fatos (retomando ao local, ainda com a intenção de roubar), era portador de perturbação da saúde mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado? 4?) E assim sendo, possuía o examinando, ao tempo da ação, a plena capacidade de entender o caráter criminoso do. fato ou determinar-se de acordo com esse entendimento? .
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tlBLl01 ECA
94
PSICOLOGIA DO CRIME
DELINQÜeNCIA
14. Resposta aos quesitos da Defesa: Ao 2?: Inteiramente não. Trata-se de agente semi-imputável conforme se dá conta neste laudo. Ao 3?: Trata-se de Personalidade Psicopática. Ao 4?: Apenas parcialmente conforme já se deu conta neste laudo.
-
Dr. A.C.N. -
Relator Diretor
LA UDO 2
Descrição
Indiciado: H.F.N. 1. Nós, abaixo assinados, Drs. O.R.N.M. e A.C.N., peritos médicos, psiquiatras do Instituto de Biotipologia Criminal do Estado, designados para proceder o exame psiquiátrico do indiciado que adiante se qualifica, tendo colhido dados suficientes no referido exame, fornecemos nosso laudo. 2. H.F.N.,leucodermo, brasileiro, solteiro, comerciante, registrado na Penitenciária do Estado sob n. XXX, comparece para exames especializados no Instituto de Biotipologia Criminal, por determinação de Acórdão Judiciário. 3. Foi denunciado pelo Ministério Público por ter cometido delito de latrocínio em parceria com A.H.S. O delito foi capitulado no artigo 157 § 3~ do CP.
Histórico
e antecedentes
:1
I
I 4. Nascido em XX, é o primeiro dos três (3) filhos havidos por seus pais, que são vivos e sadios. Nega neuropsicopatias e delinqüência entre ascendentes e colaterais. Freqüentou cursos primários, secundários e universitário, de modo irregular e instável. Já no tempo de seu curso ginasial, realizou uma fuga de casa, indo "viver no mato". Interrompeu seus estudos por "atentados contra a moral". Não registra passado mórbido pessoal de interesse neuropsiquiátrico. Não exerceu atividades laborativas até se estabelecer comercialmente, sob proteção paterna. Alega ter tentado suicidar-se sob efeito de soníferos, após frustração amorosa. Esteve internado na "Granja Julieta", onde submeteu-se a tratamento, que descreve com as características de "impregnação". Suas amizades, de caráter frouxo, não perduram e se estabelecem prevalentemente com rapazes desajustados. Refere ter passado sua infância em ambiente emocionalmente instável e ter sempre se orientado pelo prazer, no curso vital. 5. Inquirido sobre os fatos objeto do processo, forneceu relatos vários, não integralmente superponíveis, mas coincidentes em suas linhas básicas e concordes com o registro do inquérito policial.
95
6. Segundo o Boletim de Informação da Divisão Penal da Penitenciária do Estado, "consta de uma certidão de Cartório do 2~ Distribuidor e Contador do Fórum Criminal a distribuição de três (3) inquéritos policiais, sendo um à 9~ Vara Criminal (furto), um à 24~ Vara Criminal (furto), e um à 2~ Vara Criminal". Está ali também registrada a evasão da Casa de Detenção de XX, tendo sido recapturado no Rio de Janeiro. 7. Foi matriculado na Penitenciária do Estado, foi designado para a oficina de Alfaiataria e removido, em seguida, para o Vime e Tábua. Registra faltas disciplinares em fevereiro e abril, tendo sofrido trinta (30) e quarenta (40) dias de privação, respectivamente.
Ao I?: Não. Trata-se de Personalidade Psicopática.
Dr. O.R.M.
PSICOP ÁTICA
8. Paciente leucodermo, de boa compleição física, do tipo atlético, sem particularidades dignas de nota. Não apresenta sintomas ou sinais sugestivos de processo organo-patológico em atividade. 9. Equilíbrio e marcha íntegros. Motricidade e sensibilidade preservadas sob todas as formas. Reflexos pupilares e osteo-tendinosos presentes e normais. Ausência dos sinais de Romberg e Argyll-Robertson. 10. Desde sua internação, submeteu-se a várias entrevistas com quase todos os especialistas do Instituto de Biotipologia Criminal. Apresenta-se calmo, consciente, orientado no tempo e no espaço, tendo perfeita noção de sua pessoa, seu estado e sua situação processual. Estabelece bom contato com o mundo exterior e elabora bem as respostas às perguntas que lhe são formuladas. Atento e interessado, não tem dificuldade em prestar esses informes. Sua atitude, porém, é de reserva e desconfiança, raramente atingindo características de plena espontaneidade. O curso e a estrutura do pensamento mostram-se conservadas. Assim, não apresenta idéias delirantes ou pensamento ilógico. Da mesma forma a senso-percepção está preservada: não se apuram alucinações. As consonâncias afetivas são variáveis no tempo, mostrando-se, às vezes, sintônico, às vezes desinteressado, e até algo irritado. Sua inteligência se apresenta com características de supernormalidade: é vivo, reage bem e elabora prontamente o que vai dizer. Solicitado a fazer apreciação crítica de seus fatos, acredita serem atos errôneos, porém, bem motivados. Não mostra indícios de modificação pessoa., após os eventos, de certo modo naturais, para ele. Apresenta traços defensivos bem estruturados. Com esses fundamentos, a sua crítica é lógica e sua determinação pobre, inconsistente. O quadro geral é próprio dos indivíduos portadores de defeitos prevalentes do caráter. 11. Subemeteu-se à observação psicológica por meio de testes. Foram eles: Inventário de Kuder; Weshsler; Raven; P.M.K.; Koch; Machover; Rorschach; Pfister; I.E.S.; T.A.T. e Questionário de Stein. Foi possível, nessa base, estabelecer a seu respeito: a) nível mental mediano, com certo equilíbrio entre os fatores concretopráticos e abstrato-teóricos; b) raciocínio impreciso, estereotipado e pouco cultivado;
96
PSICOLOGIA DO CRIME
c) interesses limitados; d) sentimentos de insuficiência, incapacidade e inferioridade; e) traços de instabilidade e labilidade; f) escassa valorização do controle; g) egocentrismo e narcisismo. 12. Submeteu-se a exame eletroencefalográfico - EEG n. XX. Os relatórios fornecidos pelo Dr. P.V.A. são os seguintes: a) "Eletroencefalograma de repouso e hiperpnéia normal". b) "EEG de repouso, normal, idêntico ao anterior. O traçado do sono não foi conseguido apesar de administração de 0,1 de Nembutal."
do:
13. Está incluso a fIs. do processo um atestado do Dr. M.R. assim redigi-
"Atesto, a pedido do Sr. O.F., que seu filho H.F.N. esteve internado neste Hospital no período que vai de 6 de novembro a 8 de dezembro do mesmo ano, tendo sido feito o diagnóstico provisório de personalidade psicopática" (papel com timbre da "Clínica de Repouso").
DELINQüeNCIA
PSICOP ÁTICA
97
Quesitos e respostas 20. Quesitos do Ministério Público: (v. fIs.) 21. Respostas dos quesitos apresentados pelo Ministério Público: Ao 1~: Debilidade mental, não. Ao 2~: Prejudicado. Ao 3~: Capaz de entender, mas não de se determinar, nos termos deste laudo. Ao 4~: Desvio caracterológico. 22. Quesitos do Assistente do Ministério Público (v. fIs.) 23. Respostas aos quesitos do Assistente do Ministério Público: Ao 1~: Os documentos de fIs. ... não são especializados. Ao 2~: Trata-se apenas de um "diagnóstico provisório" (vide item 17 do laudo). Ao 3~: Vide itens 10 e 11 do laudo. Ao 4~: Não apuramos indícios de simulação.
Discussão
Dr. O.R.M. - Relator Dr. A.C.N. - Chefe da Secção de Psiquiatria Dr. R.N.W.P. - Diretor
e conclusão
14. Os vários exames efetuados excluem debilidade mental e quadro psicótico. Os distúrbios apurados são prevalentemente caracterológicos. 15. As mesmas provas mostram que o periciando é capaz de entender e ajuizar as situações exteriores. De outra parte, a sua capacidade de se determinar mostra-se comprometida, seja pela sua inadaptabilidade, seja por contrariar o seu julgamento. 16. Em face do exposto, o examinando pode ser considerado: a) portador de distúrbios prevalentes do caráter; b) tem sua capacidade de avaliação crítica parcial; c) tem comprometida a sua autodeterminação; d) penalmente semi-imputável. 17. O diagnóstico de "Personalidade Psicopática" implica em causalidade biogênico-constitucional. Sua perfeita apuração é difícil, especialmente quando se considera um implícito prognóstico de irreversibilidade do processo patológico. A catalogação provisória dos distúrbios de conduta entre as psicopatias é compatível com os dados que a observação a curto prazo oferece. 18. No diagnóstico fornecido no presente laudo não há implicação causal obrigatória, mas a apuração de um estado de fato. Esses dados são suficientes para se avaliar a capacidade de imputação do observando. 19. Em conclusão trata-se de agente portador de desvio caracterológico, semi-imputável (personalidade psicopática).
Notas e referências 1. Koch, apud Siccó, A., Personalidades Psicopdticas, Buenos Aires, Ed. EI Ateneo, 1948, p. 51. Também Herrera Luque, F., Las Personalidades Psicopdticas, Madri, Ed. Cento Med., 1969. 2. Schneider, K., Les Personalités Psichopatiques (trad. fr.), Paris, PUF, 1955. 3. Kranner, L., apud Jenkins, R.L., "The psychopathic or antisocial personality", J. Nervous & Mental Dis., 131:139-1960. 4. Freedman, A.M. & Kaplan, H.I., Comprehensive Textbook 01 Psychiatry, 1~ ed., 3~ tir., Baltimore, Ed. Williams & Wilkins, 1969, capo 26, p. 951. 5. Cf. Rev. Bras. Psiq.. 6 (3):75-113, 1972. 6. DSM III R, Manual de Diagn6stico e Estatfstica de Distúrbios Mentais (trad. port.), E. Manole, 1989. 7. Talbot, J., Hales, R. & Yudofsky, S., Tratado de Psiquiatria (trad. port.), Ed. Artes Med., 1992, capo 20. 8. Kaplan, H.I. & Sadock, B.J., Comprehensive Textbook 01 Psychiatry, 5~ ed., Baltimore, Ed. Williams & Wilkins, 1989, voI. li, capo 28.2, pp. 1400-1405. 9. cm 9, Classificação Internacional de Doenças (rev. 1975, OMS - trad. port.), São Paulo, Ed. USP, 1978. 10. Slater, E. & Roth, M. (Mayer-Gross), Clinical Psychiatry, 3~ed., Londres, Tindall & CasseI, 1969. 11. Rosenthal, D., Genetic Theory and Abnormal Behaviour, McGraw-Hill, 1970, capo VIII.
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PSICOLOGIA DO CRIME
12. McCord, W. & McCord, J., El Psicopata (trad. esp.), Buenos Aires, Ed. Hormé, 1966, p. 37. 13. Cleckley, H., The Mask 01 Sanity, 2~ ed., St. Louis, Ed. Mosby, 1950, pp. 355-392. 14. Hare, R.D., Psychopathy: Theory & Research (trad. port.), Rio de Janeiro, Ed. Liv. Tec. Cient., 1973. 15. Reid, W.H., The Psychopath, Londres, Ed. Brunner-Mazel, 1978. 16. Monroe, R.R., "Episodic behavioural disorders: an unclassified syndrome", in Arieti, S., American Handbook 01Psychiatry, 2~ ed., Basic Books, 1974,voI. 11I,capo 11. 17. Knott, J.R., "Electroencephalograms in psychopathic personality and in murderers", in Applications 01Electroencephalography in Psychiatry, Ed. Duke Uni. Press, 1965.
Capítulo 8 DELINQÜÊNCIA "ESSENCIAL" OU "DISSOCIAL"
As expressões"Neurose de caráter", "Caráter delinqüencial", "Personalidade delinqüente", "Delinqüente essencial" e "Personalidade dissocial" referem-sea um mesmo tipo de personalidade. Neste caso, o comportamento delitivo é uma das exteriorizações da "neurose pré-edipiana". Em 1952, aparece no DSM (Diagnostic and Statistical Manual) o conceito de Reação Dissocial:"Este termo se aplica a indivíduos que manifestam desconsideração para com os códigos sociais usuais e freqüentemente entram em conflito com eles, como resultado de terem passado toda a sua vida em ambientes morais anormais. Podem ser capazesde forte lealdade. Essesindivíduos tipicamente não apresentam desvios seriamente significativos da personalidade, a não ser aqueles relacionados à aderência aos valores ou códigos de seus próprios grupos predatórios, delinqüenciaisou outros grupos sociais. O termo inclui os diagnósticos de "personalidade pseudo-social". Assim,a "dissocialidade"aparecenuma classificaçãode "distúrbios da personalidade". Posteriormente as "classificações" abandonaram essaterminologia. Efetivamente,essetipo de "desvio" comportamental oferece apenas interessecriminológico. A abordagem da problemática dessaspersonalidadesem termos psicanalíticos se iniciou com o trabalho pioneiro de Aichom.1 Contribuições importantes são atribuídas a Alexander2e a Klein.3Em nosso meio, interessanteexposiçãoda matéria devese a Spanoudis.4 Para esteúltimo autor, "as característicasdo delinqüentepl'i mário traduzidas em linguagem analítica" são:
100
PSICOLOGIA DO CRIME
1. falta de identificações 2. impossibilidade de relações objetivas 3. persistência do processo primário 4. desenvolvimentofraco e defeituoso do superego 5. oscilação permanente da auto-estima. Ele estabelece, em última análise, que o delinqüente essencial conservou um exagerado narcisismo pelo que não desenvolveu identificações construtivas. Disso resulta uma problemática ou quase nula integração de valores da sua cultura. Esseprocesso gera uma dificuldade nos relacionamentos interpessoais, do que resulta uma crônica insatisfação emocional. Como conseqüência há uma defeituosa formação do superego e uma necessidadede agredir o meio, através de ações anti-sociais. A psicogênesedesse tipo de caráter (delinqüencial)pode ser compreendida a partir do seguinte esquema:
~f~ PPP ENl
= =
mc = IE = mSE = AAS=
Persistência do princípio do prazer Exacerbação do narcisismo primário Dificuldade nas identificações construtivas Insatisfação emocional Defeituosa integração do superego Ação anti-social
1. Persistência do princípio do prazer. Não chegando ao adequado conhecimento da realidade exterior e conservando características de profunda imaturidade emocional, o delinqüente guia-se exclusivamentepelo "princípio do prazer". O "sentido de realidade" ou o "princípio do dever" que orienta a pess.oa adulta ajustaqa 'está ausente na 'dinâmica dessa personalidade malformada. 2. Exacerbaçãodo narcisismoprimário. É normal nos primórdios qa formação da personalidade e leva a criança a se con-
DELINQÜeNCIA
"ESSENCIAL"
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OU "DISSOCIAL"
siderar o centro do universo, voltando a si mesma toda afetividade, faz com que o delinqüente também ame só a si mesmo, primordial e exageradamente. Se é verdade que o adulto se estima o suficientepara se valorizar, não é menos certo que tem noção de estar inscrito num universo amplo, onde os interessesdiretos dos demais também têm importância. Isso é o que não ocorre com o delinqüente essencial. 3. Dificuldade nas identificaçõesconstrutivas. É a resultante mais imediata e direta do narcisismo do delinqüente. Amando a si mesmo acima de tudo o mais, não se identifica com ninguém, exceto o que lhe seja absolutamente igual. Por isso o delinqüente primário é capaz de formar gangs, onde a lealdade se baseia na única identificação que lhe é possível desenvolver. 4. Insatisfação emocional. É o sentimentocentral do processo dinâmico, que estamos tentando descrever. Devido à falta de identificações,estaspersonalidadesestão semprenecessitandofazer algo para obter tranqüilização interna e, assim, buscam em práticas inopinadas e intempestivasuma satisfação que os valores materiais efetivamente não oferecem. 5. Defeituosa integraçãodo superego. Não se apropriando dos valores de sua cultura, o delinqüente essencialsó compreende os valores que lhe causam satisfação imediata e se associa a outros, com igual formação (ou deformação). Esse superegomal estruturado é ao mesmo tempo muito exigente e de extrema complacência. Daí ficar fácil a compreensão tanto dos aparentes períodos de acalmia, como de reincidênciaespecífica na prática criminal. O produto final de todo esse dinamismo é representado por um defeitoformativo da personalidadee uma cronicidadeem ações anti-sociais. A insatisfação emocional e a defeituosa integração do superego podem ser considerados processos secundários, enquanto a persistência do princípio do prazer, a exacerbaçãodo narcisismo primário e a dificuldade nas identificações são processos primá-
rios.
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PSICOLOGIA DO CRIME
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Persistência do princípio do prazer Exacerbação do narcisismo primário Dificuldades nas identificações construtivas Insatisfação emocional Defeituosa integração do superego Ação anti-social
Muitos A.A. não aceitam essas concepções, pois partem do "narcisismo primário", que contestam. Bowlby,5por exemplo, considera como fator primário a privação emocional por abandono nos dois primeiros anos de vida. A criança, assim carenciada, teria comprometidos seus desenvolvimentosfísico e emocional, podendo voltar-se contra a sociedade.6-7 Uma das mais claras exposiçõessobre a formação do caráter dissocial se deve a Mucchielli.8 Suas idéias, resultantes de estudos e pesquisas, podem ser resumidas nos esquemas seguintes: I - Algunsfenômenosseapresentamcomo seqüenciaise com aparente nexo causal. Vejâmo-Ios: A) Ociosidadedissocial - a sociedade abriga em seu meio várias pessoas ociosas, mas estão distribuídas em classes distintas. Assim, ninguémcontesta o direito do doente ou inválido permanecer inativo. Igualmente o aposentado conquistou, pelo trabalho, o direito ao descanso. O rico que administra os seus bens gera empregose exercefunção social. Mas a ociosidade do dissocial é "primária", "essencial", não construtiva. Trata-se do ócio pelo ócio. A recusa ao trabalho, o desinteressepelo estudo, a incapacidad~para atividades construtivas marcam de modo particular a ociosidade dissocial.
DELINQÜeNCIA
"ESSENCIAL"
OU "DISSOCIAL"
103
B)Parasitismo - a sociedadeconta também com os descontentes, que podem setornar revoltados.Essa revoltapode ser construtiva: assimsurgemos reformadores,que contribuempara a melhoria social. Há, porém, uma outra revolta: a destrutiva e esta é prejudicial ao indivíduo e à sociedade. A ociosidade dissocial pode levar a esse tipo de revolta, pois essas pessoas, nada construindo, nada têm a desfrutar. Elas não se integram na sociedade cultural e histórica, permanecendo na simples sociedade (tout court). De tudo isso resulta uma inutilidade social e - o que é pior - uma inutilidade pessoal. Passam a viver - ou sobreviver - às custas da sociedade, configurando um parasitismo crônico, habitual. C) Rejeição à sociedade
-
é claro que, nessas condições, os
valores da sociedadegeral passam a ser rejeitados. Não se trata de simples contestação (por vezes útil), mas de rejeição, isto é, recusa sistemática, persistente, renitente. Dessa forma surge uma oposição à sociedade geral e os dissociais só se identificam com seus iguais, para vir a formar o grupo (ou gang). Os valores individuais (que se somam aos do "seu grupo") passam a ser predominantes. A postura diante da sociedade é marcadamente autocrática. D) Falta de horizonte temporal - as condições mencionadas levam essaspessoas a viver somente o momento presente. Na medida em que elas rejeitaram os valores sociais, perderam a visão do futuro. Não têm expectativas profissionais, econômicas, retributivas, etc. É evidente que tudo isso está vinculado a uma profunda insatisfação emocional inconsciente. E) Ressentimento dissocial- a pessoatem consciênciade ser um "paras social" . As diferençascom a sociedadegeral (cultural e histórica) são claramentepercebidas, mas coloridaspor um sentimento de prejuízo. Sentem-secom direito de desfrutar do que são incapazes de construir. O sentimento de "justiça social" vai sendo substituído pelo de "justiça própria" (individual). Dessa forma só serelaciona, emtermos afetivos, com quemadote o mesmo código de valores: o seu igual. Daí surgirem os "valores do grupo" . F) Negação do "Eu social"
-
já no relacionamento com a
figura materna, nos primórdios do processo formativo, ao lado do "Eu individual" ("Eu íntimo") vai se formando um sentido
104
PSICOLOGIA DO CRIME
DELINQÜ~NCIA
de relação com os outros ("Eu social"). Isso não ocorre com o dissocial.A carênciaemocionalprecoceimpedea formaçãode uma "consciência social". Daí a rejeição da sociedade geral, dos seus valores, de seus usos, de seus códigos. O dissocial volta-se integralmente para o "seu grupo".
"ESSENCIAL"
OU "DISSOCIAL"
105
Diante de todos esses dados, aliados a estudos próprios, Mucchielli oferece outra explicação psicodinâmica. Essa teoria causal e dinâmica pode ser resumida no seguinte diagrama (adiante apresentamos uma breve exposição da mesma):
I Ociosidade
Síndrome da mãe inconstante Desagregação familiar
Parasitismo
Ressentimento dissocial
!
"Eu íntimo" versus "Eu social"
2
Inadaptação familiar Inadaptação escolar
3
Fuga
Comportamento delitivo
11 - Mucchielli(ob. cit.) não aceita a teoria de Bowlby, citando vários trabalhos. Assim, Lewis,9em relatório à OMS, afirma que a separação materno-infantil é realmente criminógena, mas dá origem a vários comportamentos anormais, sendo o comportamento criminal apenas uma das manifestações: Naess10considera a amostra de estudos de Bowlby como sendo integrada por "psicopatas e não sociopatas" (isto é, comportamento criminoso não relacionado a trauma emocional). Este A. apresentou interessantes resultados de pesquisa. Estudou cinco grupos de adolescentescom comportamento do tipo delitivo: 1~) "delinqüentes selecionados"; 2~) não delinqüentes, irmãos dos primeiros;3~)delinqüentesnão fraternos; 4~) semelhantesao grupo de Bowlby, e 5~) perturbados mentais. Os dados finais são os seguintes: Separação materno-infantil antes dos 5 anos de idade Por seis meses ou mais Por três meses ou menos
Grupo Grupo 1 2 100/0 20% 15% 24%
Grupo 3 27% 31%
Grupo 4 240/0 26%
Grupo 5 25% 30%
Igualmente os dados de Gardner, Hawkes e Burchinall1 constestam Bowlby, pois encontraram carência afetiva entre 120/0 de sociopatas, 14% de portadores de outros distúrbios e 16% de examinandos sem qualquer distúrbio.
-
Vida na rua
4
Adaptação ao "real imediato" Falta de adaptação social
5
Formação de grupos. "dissociais" Delinqüência "dissocial"
A "síndrome da mãe inconstante" e a "desagregação familiar" são consideradosprocessosprimários, dos quais se derivam os outros, que - no conjunto - causam o comportamento "dissocial" . l(a) Síndrome da mãe inconsrante - Mucchiellianota que Madoff12concluiu terem as mães dos delinqüentesentendido sua missão como sendo um sacrifíciode si e de seu prazer, para favo- . recer seus filhos, dos quais esperam lealdade absoluta, amor e devoção. Rosenthal,13porém, observou que elas são fracas, acredi-
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PSICOLOGIA DO CRIME
tam-se obrigadas a exercerum controle das frustraçõesdos filhos, ao mesmo tempo têm sentimento de culpa por não amá-Iossuficientemente, tornam-se superindulgentes,adotando uma permissividade excessiva.Essa atitude bifronte gera um tratamento instável à criança, que não desenvolvetolerância à frustração, não controla os impulsose não forma uma "consciência social". Isto é o que se denomina "síndrome da mãe inconstante". l(b) Desagregação familiar
-
Podemos, com Porot14 con-
ceituar "lares desagregados" como sendo aqueles que não representam para a criança o papel que deveriam representar. Podem ser classificadosem: a) inexistentes, b) instáveis, c) destruídos. a) Inexistentes: Para se falar em desagregação é necessário como condição prévia - que tenha havido uma constituição ou organizaçãoprecedente.Existemlares que jamais existiramcomo resultado de coesão. Mais importantes que os laços de sangue ou de direito, existemos de afeto, sobre os quais se constitui e se mantém o edifício familiar. Quando este falta, podemos usar qualquer outro termo para denominar a sociedade que existe de fato ou de direito, menos "família". b) Instáveis: Talvezsejam os mais freqüentes e de maior importância criminógena. São lares constituídos, mas que se mantêm em equilíbrioinstável. Segundo o autor citado, podem se distribuir segundo o grau de gravidade para a formação da personalidade dos filhos, em: 1)instáveis por desacordos agudos; 2) instáveis por desinteligênciaslatentes; 3) instáveis por evasões, fugas e compensações;4) instáveispor tentativas de reencontroatravés dos filhos.
-
Os desacordos agudos podem ferir de modo permanente a estrutura dos filhos. Entretanto, um choque afetivo violento, porém transitório e com características de lealdade, é bem menos prejudicialdo que os latentes, que produzem nas criançasum sentimento de instabilidade e insegurança. Quando as crises agudas chegam a um final resolutivo e harmonioso, são superadas com relativa facilidade e não deixam, comumente, maiores seqüelas. As crises latentes, porém, dão aparência de uma coesão inexistente e, no tempo, transformam a união em simples coexistência mal tolerada, do que a criança se apercebee se influencia em termos de contínua instabilidade emocional.
DELINQÜÊNCIA
"ESSENCIAL"
OU "DISSOCIAL"
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Procurando resolver uma situação, por vezesinsustentável, alguns procuram fuga no trabalho, nas obras sociais, na religião mal integrada, e até na enfermidade quase sempre simulada. A criança pode não chegar a compreender o que se passa ao seu redor, mas sentirá a anormalidade da situação e sofrerá incontestáveis influências deletérias. c) Destruídos:Na realidade só a morte é irreparável. Contudo, a ausência prolongada pode ter função absolutamente igual. Da mesmaforma atuam o abandono e o divórcio. A criança criada por um só dos genitores, por terceiros, em abrigos e similares, tem sempre uma sensaçãode carência afetiva, poucas vezescompensada emocionalmente.15 O lar só atende as necessidadesda criança secumpre suas funções básicas. Assim, a mãe é primariamente a "fonte de afeto" , devendo compreender e aceitar seu filho. Este aceitará frear seus impulsos e sua agressividade,na medida em que deseje conservar o amor materno. A "fonte de afeto" não pode ser ausente ou indiferente, da mesma forma que não pode ser amoral, inafetiva, associal, abusiva, odiosa. Secundariamenteexerce "autoridade" e, por vezes,precisasuprir a ausênciapaterna. Eventualmentepode ser substituída por outra pessoa, que ofereça à criança adequada carga de sentimento, adote atitudes convenientese comuniqueum "sentimento materno". Opai representaa "autoridade" e o "contato com a realidade". No curso evolutivo da criança, a importância materna vai decrescendo e a do pai vai progressivamente aumentando, até a fase adulta. Para exercerfunção equilibrada, o pai não pode ser ausente, omisso, submisso à esposa, mas também não pode ser incompreensível,arbitrário ou despótico. A irmandade representa a competição. Assim, as disputas fraternas, as reações ciumentas, as rixas infantis são compreensíveise até salutares. Tudo isso prepara a criança para as competiçõesnaturais da vida. Só não pode haver aqui aprovação à injustiça interna no grupo familiar. Fora disso, até as intervençõesdos adultos podem ser indesejáveis.O "lugar" (habitação) representa a "solidariedade" . A busca da "casa" é uma reação usual frente às frus-
trações da vida. Saber-secompreendido e aceito é o maior desejo de todos e issoé vivenciadointensamentepelas crianças.Para onde pode ir alguém que se sinta rejeitado? O lar que descumpre suas funções facilita (ou impele) a fuga e a vida na rua, com suas conseqüências.
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..
DELlNQÜ~NCIA "ESSENCIAL" OU "DlSSOCIAL"
PSICOLOGIA DO CRIME
Porot, Buscailet Vincenty,l(íestudando 654 crianças, quanto à sua condiçãofamiliar, encontraramaparêncianormalsomente em um terço da amostra. Posteriormente obtiveram resultados similares na análise de 5.000casos. Observando ainda 444 crianças de conduta delinqüencialorganizaram o seguinte quadro de freqüência das perturbações da célula familiar: a) A dupla conjugal 1. ausência prática dos genitores (pais desconhecidos, divorciados, falecidos) 170 2. genitores de comportamento nefasto (sem domicílio fixo, amancebados, disputas familiares graves, sem ocupar-se dos filhos) 32 b) O pai 1. ausência do pai (desconhecido, falecido, demente) 195 2. pai que contraiu outras núpcias 57 3. pai nefastopor seu exemplo(amancebado,de má conduta notória, delinqüente reincidente penal, etilista crônico) 59 4. pai nefasto do ponto de vista afetivo (demasiado autoritário, muito débil, sem ocupar-se dos filhos). 67 c) A mãe 1. mãe ausente (falecida, demente) 126 2. mãe que contraiu outras núpcias 59 3. mãe nefasta por seu exemplo (amancebada, delinqüente ou reincidente penal, conduta notoriamente leviana, prostituta, etilista) 60 4. mãe nefasta do ponto de vista afetivo (muito autoritária, muito débil, não se ocupando dos filhos)... 58 A dupla conjugal 202 O pai 378 A mãe 303 São 883 anomalias para 444 jovens. Como se percebea matéria é de grande importância e as influênciasmaléficasdo lar desagregadosão incomensuráveis.Tem particular interessena formação (ou deformação?) da personali-
109
dade, e por isso, tem sido objeto de estudo no campo da psicogênese criminal.I7-18-19-20
Essa observação faz parte da experiênciados que se dedicam ao estudo das personalidadesdelinqüentes.Aqui vão dados de alguns autores e resultados de nossa própria observação.
Autor
DESAGREGAÇÃO FAMILIAR ENTRE DELlNQÜENTES21 \
0/0
40-50 34 45 67
Tappan Abbott Slawson Hodgkiss
Estrutura da jamflia Disciplina familiar defeituosa
Delinqüente
Autor
Não delinqüente
79.5
11.5
Tappan22
63.2
34.8
Glueck23
Incompatibilidade dos pais
DESAGREGAÇÃOFAMILIAR COMPARADA24 Causa Delinq. Não delinq. 0/0 0/0 Delinqüência paterna Delinqüência materna Alcoolismo paterno Alcoolismo materno Nível moral deficiente
J
66.2
32.0
44.8
15.0
62.8
39.0
23.0
7.0
90.4
54.0
110
PSICOLOGIA DO CRIME
Lares Estudados
DELINQoeNCIA "ESSENCIAL" OU "DISSOCIAL"
Menores americanos
Sem desagregação Desaf!ref!ados
Delinq. 39.6
Não delinq. 65.8
60.4
34.2
Menores recidivistas franceses Ensisheim Relegues 44.0
39.1
66.0
60.9
DESAGREGAÇÃO FAMILIAR ENTRE DELINQÜENTES25 88% 58%
Heuyer Pinatel
Resultados de 250 Observações
Estudamos 250 casos, tendo obtido os seguintesresultados:26 DESAGREGAÇÃOFAMILIAR Amostra 50 Delinqüentes primários 50 Reincidentes em menos de 2 anos 50 Liberdade condicional revogada 100 Reclusos com defeito de personalidade Total - 250 casos estudados
Desagr. 11 22 31 47 111
111
a criança e seus pais (o lar, em geral) resultando em castigos, por vezesde natureza física. Se é verdade inconteste que muitos pais são abusivos e até violentos (carecendode medidas policiaise judiciárias), não é menos certo que, em certos casos, houve provocação renitente por parte do menor (chegam, mesmo, ao desafio manifesto). Assim, nos estudos retrospectivos há necessidade de confronto de informações, para evitar interpretações unilaterais, injustas e não científicas. A escolageralmenterepresentao primeirocontatocom o mundo "extra-lar". A pedagogia moderna enfatiza a importância socializadora do papel da escolano processo de formação da personalidade. Deixando de lado os freqüentadores de berçários e similares, consideremosas condiçõesda criança no chamado "curso primário". A competição, a disciplina, a distribuição do tempo e as horas do lazer são apresentadas à criança de modo prático e ela terá de achar o seu "espaço" entre os demais. Se ela chega à escola já tendo em si o germe da indisciplina e a disposição à ociosidade, dificilmentese adaptará à nova realidade social. O desinteressee a ociosidadelevarãoao absenteísmo("cabulação") e ao abandono da escola. Ao sereminterrogados em vida adulta, fornecem relato insincero: deixaram a escola para ajudar, com o trabalho, a economia doméstica. É fácil comprovar, pois o relato de suas atividades profissionais (empregos, sedes, permanências no emprego, ganho, etc.) denunciará a insinceridade dos informes anteriores. Os que tiveram "mãe inconstante" e procedemde "lares desagregados" apresentam essas desadaptações por motivos psicológicos (psicodinâmicos)e não de ordem social, freqüentemente invocados como "justificativa pessoal consciente".
% de famflias desaf!ref!adas ...... 44.5
Esses dados acompanham os encontrados em outros meios e mostram o alto grau com que a desagregaçãofamiliar participa do processo criminogenético. 2(a) Inadaptação familiar
e (b) Inadaptação
escolar
-
A au-
sênciada "consciênciasocial" manifesta-seprecocemente.O abandono afetivo, como já anotado, resulta logo em rebeldia e rejeição da disciplinae dos valores familiares. Isso causa atritos entre
3) Fuga - Vida na rua - Os processos psíquicos antes descritos explicamas fugas.e a necessidadede viver na rua. Pode-se considerar, também, o falso conceitode liberdade, que requer nomadismo e ociosidade sem disciplina. É claro que essas crianças vão desenvolverhostilidade ao meio social, inveja dos que desfrutam de conforto e agressividadepara assegurar satisfaçãoimediata de seus desejos e impulsos. A formação de grupos "parassociais" é fruto de uma "identificação psicológica" com os que são "o seu semelhante", igualmente carentes de valores sóciomorais. E assim surgem os "bandos" (ou outro nome que os ca-
112
PSICOLOGIA DO CRIME
racterize).Por um processosemelhante,vai-seformando uma "escala de valores" diferente da sociedadeem que estão inseridos e surge o "Código" do grupo particular. A falta absoluta de profissionalização leva, de início, a atividades pseudolaborativas e, depois, à delinqüência. A passagem a esta é simples questão de circunstância ou necessidade. 4 e 5) Adaptação ao "real imediato", Falta de adaptação social, Formação de grupos "dissociais" e Delinqüência "dissocial"
DELINQÜ~NCIA "ESSENCIAL" OU "DISSOCIAL"
Síndrome da mãe inconstante
~
Rejeição dos valores sócio-morais
-
Surgem como conseqüênciasdiretas e inevitáveis. Os "dissociais" conservamcapacidade adaptativa, mas voltada à realidade imediata.A necessidadede resolverprontamenteos problemasconseqüentes à vida na rua os leva a viver o "dia-a-dia", sem preocupaçõesteleolÓgicas.Na realidadenão dispõemde um "horizonte temporal", contestando o passado, levando o presente, sem planos para o futuro. Aceitar os valores da sociedadegeral, seusmétodos e seus objetivos se constitui em algo impensável. A "identificação grupal" Gá referida) leva à ação coletiva e ao delito em grupo. Parece mesmo que o "eu" e o "nós", em certo sentido e em certa extensão, se confundem. O comportamento socialmentelesivose cronifica e se converte em "estilo de vida".
Causa
Efeito
Síndrome da mãe inconstante
Falta de capacidade adaptativa Não desenvolve: 1. tolerância à frustração 2. controle sobre os impulsos 3. "consciência social"
Lar desagregado
Sentimento de rejeição Falta de segurança por: 1. falta de amor 2. falta de aceitação 3. falta de estabilidade
113
Desagregação familiar
Comportamento delinqüencial "dissocial"
~
Sentimento de rejeição
Estudos retrospectivos
As "equipes interdisciplinares" que estudam a personalidade dos infratores seguemum esquema bipartido: de um lado realizam provas e exames diretos, de outro colhem dados do curso vital do observando. Esses "dados retrospectivos" são muito semelhantes ou quase iguais quando se trata de "dissociais". Esquematicamente podemos anotar: 1. Procedência de "lar desagregado" (nos termos já referidos) 2. Interrupção da escolaridade (desinteresse - inatividade-
absenteísmo - abandono da escola) 3. Falta de profissionalização(indisciplina- fantasias de altíssima e irreal retribuição - instabilidade - opção pela ociosidade) 4. Integração precoce de grupos "parassociais" (recreativos -'- predatórios - delinqüenciais) 5. Distúrbioscomportamentaisestruturados(intemações"corretivas" - atos anti-sociaisna menoridade - passagense detenções em Delegaciase/ou na FEBEM - inadaptação persistente e estruturada) Aqui vão resultados de algumas pesquisas (do Autor):
114
PSICOLOGIA DO CRIME
INSTABILIDADEPROFISSIONAL (250 casos)
ProfISsões (150 casos)
34.5 10.7 25.3 25.3 2.7 4.8 0.6 0.6 0.6 16.6
1. Operários 2. Lavoura 3. Comércio
4. Militares 5. 6. ,7. 8. 9. 10.
Artesanato Funcionários públicos Contadores Veterinários Professores Sem profissão
INícIO PRECOCE DA AUTOMANUTENÇÃO(250 casos) Grupos 1. Delinqüentesprimários (50) 2. Reincidentesem 2 anos (50) 3. Condicional revogada (50) 4. Defeito de personalidade (100)
no grupo
no geral
76.0 100.0 98.0 71.0
15.2 20.0 19.6 28.4
1. Delinqüentesprimários (50) 2. Reincidentesem 2 anos (50) 3. Condicional revogada (50) 4. Defeito de personalidade (100)
no grupo
no geral
86.0 100.0 98.0 73.0
17.2 20.0 19.6 29.2
.
LA UDO 1 EXAME DE SANIDADE MENTAL 1. Por determinação do MM. Juiz de Direito da Nona (9~) Vara Criminal, o indiciado P.L.O.,leucodermo, brasileiro, com 26 anos de idade, solteiro, sapateiro, submete-se a exame psiquiátrico no Instituto de Biotipologia Criminal.
0/0 16.0 41.3 25.3 8.7 8.0 0.7
Analfabeto Primária incompleta Primária completa Secundária incompleta Secundária completa Superior
INTERRUPÇÃO DO APRENDIZADO (250casos)
1. Infratores primários (50) 2. Reincidentesem 2 anos (50) 3. Condicional revogada (50) 4. Reclusoscom defeitos de personalidade (100)
Grupos
070
Para ilustrar este estudo, anexamos algumas observaçõesintegrantes de laudos de nossa lavra (com eventual participação de terceiros).
%
Escolaridade (150 casos)
Grupos
l1S
DELINQO~NCIA "ESSENCIAL" OU "DlSSOCIAL"
% no grupo
no geral
90.0 98.0 98.0
18.0 19.6 19.6
77.0
30.8
Histórico e antecedentes 2. Não constam do prontuário referente a P.L.O ou P.J.V., ou P.L.V. cópias das denúncias ou das sentenças condenatórias que possibilitem uma visão dos feitos atribuídos ao examinando em tela. Consta uma nota, segundo a qual o periciando responde a nove (9) processos-crime (segundo informes da Casa de Detenção), perante diversas Varas desta Capital. Os delitos parecem ser de natureza patrimonial e o agente reincidente específico. 3. Nascido e criado na Capital, é filho de pais amasiados, sendo o único havido dessa união. Tem o pai vivo e não sabe informar a respeito de sua genitora. Nega a existência de neuropsicopatias e delinqüência entre ascendentes e colaterais. Registra alcoolismo paterno e ambiente familiar desagregado. Aos seis (6) meses de idade foi "surrado" pelo pai, tendo tido convulsão. (7) Freqüentou irregularmente escolas primárias, com péssimo aproveitamento. Aos catorze (14) anos já provia sua manutenção, mas seu trabalho foi sempre irregular. Aos dezoito (18) anos já estava às voltas com a policia. Desajustado no ambiente religioso-familiar e tendo se iniciado nas práticas anti-sociais, tornouse um recidivista.
116
PSICOLOGIA DO CRIME
DELINQÜ~NCIA
Descrição 4. Paciente de boa compleição física, sem particularidades. Clinicamente assintomático, não externa indícios de processo organo-patológico em atividade. 5. Ao comparecer às várias entrevistas a que se submeteu, apurou-se estar lúcido, consciente, orientado. Estabelece bom contacto com o exterior e presta prontamente informes lógicos, coerentes. O curso e a estrutura do pensamento mostram-se conservados. A senso-percepção está íntegra, não havendo indícios de perturbação. A capacidade crítica e o senso ético estão insuficientemente integrados na formação da personalidade, que é primária e carente de valores afetivo-volitivos. O controle pelos meios inibitórios é fraco, insuficiente. O paciente mostra-se ansioso e angustiado, com nítidos sinais neuróticos. Entretanto, os traços defensivos são mais nítidos e a perturbação de caráter é prevalente. 6. Neurologicamente assintomático. Equilíbrio, marcha, motricidade e sensibilidade conservadas. Reflexos pupilares e osteotendinosos presentes e normais. 7. Submetido a exame por meio de psicotestes apurou-se: a) inteligência mediana; b) imaturidade afetivo-emocional; c) insegurança e angústia; d) sensível e dado a exageros de sintomas. 8. O paciente alega ter estado no Manicômio Judiciário do Estado. A Secretaria daquele Serviço, em ofício ao Instituto de Biotipologia Criminal, informou não constar esse nome em seus assentamentos.
Discussão 9. Os exames excluem debilidade mental e quadro psicótico de qualquer natureza. Apuram perturbações prevalentes do caráter, por má formação da personalidade. 10. Esses dados permitem estabelecer que o agente entende o caráter criminoso de um feito e pode determinar-se de acordo com esse entendimento. 11. Em síntese, trata-se de um agente normal e imputável.
Conclusão 12. Em conclusão os exames apuraram a inexistência de perturbações psíquicas e de retardo mental, devendo o agente ser tido por "normal", plenamente imputável penalmente.
"ESSENCIAL"
OU "DISSOCIAL"
117
LA UDO 2 EXAME DE SANIDADE
MENTAL
1. Por determinaçãodo MM. Juiz de Direito da Nona Vara Criminal, o indiciado R.T.E., leucodermo,brasileiro, com 21 anos de idade, tecelão, solteiro, compareceua observação psiquiátrica no Instituto de Biotipologia Criminal. Histórico
I
e antecedentes
2. Está indiciado no artigo 155do Código Penal perante a referida Vara processante, por ter roubado um casaco de peles e vendido o mesmo a um terceiro. Nas cópiasdo processo ~ referência a três (3) outros judiciários em curJ so. 3. Nascido e criado em XXX, é filho de pais separados. Ignora casos de neuropsicopatias entre familiares, mas faz referências a vários casos de etilismo entre seus ascendentes e colaterais. Nega a existência de casos de delinqüência familiar. Freqüentou escolas primárias e secundárias, tendo alcançado o terceiro grau ginasial. Trabalha desde seus quinze (15) anos de idade, provendo sua subsistência. Não registra passado mórbido pessoal de interesse psiquiátrico. Registra fuga de casa atribuída a maus tratos. Diz estar envolvido em quatro (4) judiciários. 4. Foi matriculado sob n. XXX na Penitenciária do Estado, procedendo de XX, onde estava preso. De acordo com o seu Boletim, duas são referentes a seis (6) judiciários. Sua inclusão na população reclusa data de XXX. Atualmente trabalha na faxina geral interna.
Descrição 5. Paciente leucodermo, de boa compleição física, sem particularidades dignas de nota. Clinicamente assintomático, não registra sinais ou sintomas de processo organo-patológico em evolução. 6. Neurologicamente íntegro. Motricidade e sensibilidade conservadas sob todas as formas. Equilíbrio e marcha normais. Reflexos pupilares e osteotendinosos presentes e normais. Ausência dos sinais de Romberg e Argyll-Robertson. 7. Submetido a provas psicológicas pôde-se apurar: a) inteligência supramediana; b) labilidade emocional e irritabilidade presentes; c) sinais de dependência e imaturidade afetiva; d) meios de controle pobremente integrados.
118
PSICOLOGIA DO CRIME
DELINQÜeNCIA
sileiro, solteiro, com 23 anos de idade, para se submeter a exame de sanidade mental.
Discussão
2. Trata-se de pessoa já matriculada na Penitenciária do Estado, onde recebeu o número XXX e que cumpre pena por delitos contra o patrimônio. Constam de seu boletim seis anotações, a saber:
e conclusão
Histórico
e antecedentes
-
a) IO~Vara Criminal Artigo 155 § 4~ b) 8~ Vara Criminal - Artigo 155 § 4~. c) 6~ Vara Criminal -
Artigo 155 § 4~ -
-
pena: I ano de reclusão. pena: I ano de reclusão.
- pena: 3 anos de reclusão e 2 anos de medida de segurança. e) 9~ Vara Criminal - Artigo 155 § 4~ - pena: 6 meses de reclusão e I
d) 5~ Vara Criminal - Artigo 155 § 4~
ano de medida de segurança a ser cumprida em Casa de Custódia e Tratamento.
O 5~ Vara Criminal -"Artigo
155 § 4~ -
pena: 2 anos de reclusão.
3. Já esteve internado no Manicômio Judiciário do Estado, onde foram elaborados dois laudos:
Quesitos e respostas
a) por determinação do MM. Juiz de Direito da 5~ Vara Criminal, em que serviram os peritos Drs. E.B.C. e A.T.L.; b) por determinação do MM. Juiz de Direito da 8~ Vara Criminal, em que serviram os peritos Drs. H.L. e W.S.C.
12. Quesitos do Ministério Público: I ~) Por doença mental ou desenvolvimento incompleto ou retardado, era o réu ao tempo da ação inteiramente incapaz de entender o caráter criminoso do fato? 2~) Em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado, não possuía o réu a plena capacidade mental de entender o caráter criminoso do fato? 13. Respostas aos quesitos do Ministério Público: Ao I~: Não: tudo indica que era plenamente imputável, nos termos deste laudo. Ao 2~: Não era mentalmente perturbado, sendo plenamente imputável, nos termos deste laudo.
Dr. A.C.N.
-
Dr. O.R.M.
-
Relator Diretor do Instituto-substituto
LA UDO 3 LAUDO DE SANIDADE MENTAL
I
119
OU "DISSOCIAL"
8. O exame psiquiátrico evidenciou tratar-se de pessoa lúcida, orientada auto e alopsiquicamente. Não externa perturbações do curso e da estrutura do pensamento, bem como da senso-percepção. Defeitos caracterológicos. Deficiente integração dos valores afetivo-volitivos. Crítica dentro dos limites lógicos e objetivos.
9. O paciente não externa qualquer indício de desenvolvimento mental incompleto ou retardado, bem como não é portador de quadro psicopatológico de nível psicótico. Apresenta distúrbios do caráter por má formação da personalidade, que é carente de valores afetivo-volitivos. 10. As capacidades de entendimento e de autodeterminação mostram-se preservadas e tudo indica ter sido sempre essa a sua condição mental. 11. Em face do exposto, o examinando não apresenta nenhuma perturbação comprometedora de sua capacidade de imputação. Em outros termos, é pessoa sã, plenamente imputável penalmente.
I I
"ESSENCIAL"
I. Por determinaçãodo MM. Juiz de Direito da I~Vara Criminal, compareceao Instituto de BiotipologiaCriminalo sentenciadoV. C. A., branco, bra-
4. Nascido em XX, foi criado na Capital desde seu 2~ ano de vida. É o terceiro dos quatro filhos havidos por seus pais. Aos 4 anos perdeu sua genitora e seu pai não contraiu novas núpcias. Foi criado em abandono, vivendo como um "menino de rua". Nega passado mórbido somático de interesse. Informa ter um irmão internado no Hospital XXX, desde quando este contava 18 anos de idade. Freqüentou irregularmente o curso primário, que não chegou a concluir. Antes de seus 15 anos já trabalhava numa tinturaria e logo depois passou para uma serralheria. Diz que seu aprendizado profissional foi fraco, pois não chegou "a ser bom artífice". Antes de completar 18 anos teve uma briga com a partir daí seu irmão e resolveu sair definitivamente da casa paterna, tendo se dedicado à prática de furtos em companhia de dois amigos. Em período que não precisa, foi dado ao hábito etílico que já abandonou (sic). Nega delinqüência entre ascendentes e colaterais; refere um só caso de moléstia mental entre familiares, conforme já se conta acima.
_
-
Descrição 5. V.C. é pessoa branca, do tipo constitucional mesolíneo, que aparenta a idade aIegada e não apresenta sinais particulares dignos de nota.
120
PSICOLOGIA DO CRIME
6. Os dados clínicos estão dentro dos limites e da normalidade. Equilíbrio e marcha sem alterações. Motricidade e sensibilidade íntegras sob todas as formas. Reflexos pupilares e osteotendinosos normais. Ausência dos sinais de Romberg, Argyll-Robertson e Babinsky. 7. Ao comparecer para exame, mostra-se calmo, consciente e orientado globalmente, tem noção adequada de sua situação e seu estado. Não se apuram distúrbios formais nem estruturais do pensamento. Senso-percepção aparentemente íntegra. Não é, portanto, alucinado, nem delirante. Capacidade crítica e senso ético inadequadamente integrados na formação da personalidade. Distúrbios da conduta, datando de alguns anos (vide histórico) bem como da volição e possivelmente dos instintos. Infância em situação de abandono e mesmo rejeição afetiva. Alcoolismo pregresso, datando de antes de seus 18 anos de idade. Apreciação crítica de sua vida pregressa e delinqüencial inteiramente inadequada, chegando mesmo a achá-Ia aceitável e apreciável, "se não houvesse polícia".
DELINQÜÊNCIA
"ESSENCIAL"
OU "DISSOCIAL"
do fato, ou de determinar-se de acordo com esse entendimento? b) Ao tempo do fato, por perturbação da saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto, não possuía a plena capacidade de entender o caráter criminoso do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento? 13. Respostas aos quesitos: a) Não, conforme se dá conta no laudo supra. b) Sim: não era capaz de se determinar adequadamente, embora pudesse ter conhecimento da natureza delituosa do fato.
8. A formação do caráter do examinando processou-se em condições desfavoráveis, de modo a não terem sido adequadamente integradas em sua personalidade a capacidade crítica e o senso ético. Há psicopatia entre familiares. Sua conduta delinqüencial é reiterada e bem aceita por sua crítica interior. Até aqui os dados falam a favor do diagnóstico de personalidade delinqüente verdadeira. Caso os distúrbios volitivos, afetivos e os instintivos mostrarem-se estruturados e irreversíveis, então estaremos em face de uma personalidade psicopática. Não tendo até o presente elementos seguros para aceitar a irreversibilidade dos distúrbios mas somente sua estruturação patente, optamos pelo primeiro diagnóstico. 9. Tudo indica que o paciente tivesse capacidade de entender o caráter criminoso de seus feitos. Quanto à determinação conseqüente, parece estar comprometida pelas deficiências ético-críticas de que sua personalidade se ressente. Deve, por isso - a nosso ver -, ser tido por semi-imputável pelos eventos que lhe estão sendo atribuídos.
-
como parecem - irreversíveis, o tra10. Caso seus distúrbios não sejam tamento adequado em Casa de Custódia poderá capacitá-Io futuramente ao retorno à liberdade. 11. Em conclusão podemos estabelecer. a) personalidade delinqüente verdadeira; b) semi-imputável; c) que deve ser tratada em Casa de Custódia. Quesitos e respostas 12. Quesitos da Curadoria: a) Era ao tempo da ação, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, inteiramente incapaz de entender o caráter criminoso
- Relator Diretor do Instituto
Dr. O.R.M. Dr. J.C.S.T. LA UDO 4 EXAME DE SANIDADE
Discussão e conclusão
121
-
MENTAL
1. Por determinaçãodo MM. Juiz de Direitoda VaraAuxiliardo Júri comparece ao Instituto de BiotipolOgiaCriminal o indiciado J.P.S.F., melanodermo, brasileiro, solteiro, com 24 anos de idade e operário, para se submeter a exame de sanidade mental. Histórico e antecendentes 2. Denunciado perante o Tribunal do Júri como incurso nas sanções do Artigo 121 por tentativa de homicídio juntamente com outros indiciados, é reincidente específico e genérico, condenado por homicídio em 1954 e que já cumpriu pena detentiva por infração do Artigo 171 do Código Penal. 3. É o último dos quatro filhos havidos por seus genitores. Aos 4 anos de idade perdeu a mãe, e seu pai casou-se novamente. Como não se entendesse com a madrasta, fugiu de casa aos 7 anos de idade. Dos 7 aos 10 anos freqüentou irregularmente escola primária, não tendo concluído o curso. A partir de seus 14 anos tem trabalhado de modo irregular e incerto, mudando sempre de natureza e sede do serviço. Dos 16 aos 18 anos esteve internado em Abrigo de Menores, pois sua vida irregular data de seus 14, tendo-se envolvido desde cedo com a Polícia. Não refere passado mórbido de interesse neuro-psiquiátrico e nega delinqüência e neuropsicopatias entre ascendentes e colaterais. 4. Da sua "Folha de Antecedentes", integrante do processo, constam vários judiciários, sendo referentes a infrações dos Artigos 129, 171, 155, 129 e 121 do Código Penal, tem cumprido penas já registradas e considerado reincidente específico e genérico. 5. Tendo sido matriculado na Penitenciária do Estado sob n. XXX foi exa. minado pelo Instituto de Biotipologia Criminal. O exame psiquiátrico registra: "É dramático, místico com certa exaltação afetiva e do próprio ego: "Na ca-
122
PSICOLOGIA DO CRIME
deia senti o sinal de minha recuperação e hoje os meus propósitos são de cooperar com a criminologia, salvar meus companheiros, etc.". "Não foram apurados distúrbios psicóticos manifestos." "Há na sua personalidade algumas características paranóides." 6. Da "Folha de Informação" fornecida pela Diretoria Penal da Penitenciária consta encontrar-se no segundo estágio de cumprimento de pena, tendo registrado falta disciplinar, esteve cumprindo castigo (perdoado em parte frente à melhoria de conduta).
Estado atual 7. Ao ser chamado para exame, apresenta-se em atitudes adequadas, mostrando-se calmo, consciente e orientado globalmente, tendo noção conveniente de sua pessoa, estado e situação processual. Informa com facilidade, certo interesse e por vezes torna-se loquaz e prolixo. Não se apuram distúrbios formais ou estruturais do pensamento. Senso-percepção aparentemente íntegra. Labilidade emotiva durante a entrevista, sugerindo ser dirigida de acordo com interesse em jogo, frente a cada questão proposta pelo examinador. Capacidade crítica e senso ético defeituosamente integrados na formação da personalidade. Exaltação constante do próprio ego, enaltecendo-se em todas instâncias, procurando mesmo impressionar favoravelmente o observador. Chegou, mesmo, a ter crise de choro ao dar a versão do delito a que se refere sua condenação anterior (caso criminal em que sua amásia faleceu em virtude de queimaduras conseqüentes de fogo nas vestes). Nível cultural baixo. Capacidade intelectual aparentemente dentro da normalidade. 8. Não apresenta queixas, sintomas ou sinais de perturbações somáticas. O exame neurológico evidencia estarem íntegros o equilíbrio, marcha, a motricidade e a sensibilidade sob várias formas, bem como ausentes os sinais de Romberg, Argyll-Robertson e Babinsky, havendo presença e normalidade dos reflexos pupilares e osteo-tendinosos. Discussão
e conclusão
9. Frente ao exposto, o periciado não apresenta debilidade mental, nem sintomaspróprios de quadro psicótico.Trata-se de personalidademal formada, com distúrbiospreva/entesdo caráter.Não tem, dessaforma, prejudicadassuas capacidadesde entendimento e de autodeterminação, devendo - a nosso ver - ser tido por plenamenteimputável.
Notas e referências 1. Aichorn, A. Wayworth Youth, Nova York, Meridian Books, 1955. 2. Alexander, F. & Healy, M., Las Rafces dei Crimen (trad. esp.), Argentina. Ed. Ass. Psiq., 1946.
DELINQÜ~NCIA
"ESSENCIAL"
123
OU "DlSSOCIAL"
3. Klein, M., Contribuciones ai Psicoanálisis, Buenos Aires, Ed. Paidos, 1947. 4. Spanoudis, L., Delinqüência e Psicanálise, São Paulo, Ed. IBDC, 1954. 5. Bowlby, J., "Crianças carenciadas", in Rev. Psicol. Normal e Patol. 4:677-894, 1960, (trad. cl outros). 6. Redl, F. & Wineman, D., Ninos que odian (trad. esp. de Children who hate), Buenos Aires, Ed. Hormé, 1959. 7. Edelston, H., The Earliest Stages of De/inquency, Londres, Ed. Livingstone, 1952. 8. Mucchielli, R., Comment ils deviennent Délinquants, Paris, Ed. ESF, 1974. citado por 9. Lewis, H., in OMS, "The detection of the predelinquent juvenile" Mucchielli, R., ob. cit. Cita, do mesmo autor: The Mersham Experiment, 1974. 10. Naes, S., "Mother separation and delinquency", British J. Criminpl. 11 (4):361-374, 1962. 11. Oardner, D. B., Hawkes, O. R. e Burchinal, L. O., "Noncontinuous mothering in infancy and development in later childhood", Rev. Child Development 32 (2):225-234, 1961, citado por Mucchielli, R., ob. cito 12. Madoff, J. M., "The attitudes of mothers of juvenile delinquents toward child rearing", J. ofConsult. Psych., XXIII (2):151-171, 1962, citado por Mucchielli, R., ob. cito 13. Rosenthal, M. J., "The syndrome of the inconsistent mother", Am. J. OrthoPsych., XXXI (4): 637-644, 1962, citado por Mucchielli, R., ob. cito 14. Porot, M., L'enfant et les Relations Familiales, Paris, PUF, 1955, capo V. 15. Bowlby, J. elo aI., Crianças Carenciadas (Deprived Children), São Paulo, Ed. Inst. Psicol. -PUC, 1960. 16. Porot, M. Buscail et Vincenty, Y., "La situation familiale des enfants délinquants de Ia region d'AIger", Reeducation 3:17-22,1949; AIg. Med. 453 e 456,1949. 17. Aichorn, ob. cit. 18. Redl, F. Wineman, D., ob. cito 19. Friedlander, K., Psicoanálisis de Ia Delincuencia Juvenil, 2~ ed., Buenos Aires, Ed. Paidos, 1956. 20. Chazal, J., L 'énfance Dé/inquante, Paris, PUF, 1958 (Col. "Que sais-je7", n. 563). 21. Tappan, P. W., Crime, Justice and Correction, Nova York, McOraw-Hill, 1960, p. 191 (organizado com esses dados). 22. Tappan, P. W., Juvenile Delinquency, Nova York, McOraw-Hill, 1949, p. 137. 23. Olueck & Olueck, E. Physique and Delinquency, Nova York, Harper & Brothers Publ., 1956, p. 189. 24. Leauté, J., Criminologie et Science Penitentiaire, Paris, PUF, 1972, pp. 541-542. 25. Bouzat, P. et Pinatel, J., Tratado de Derecho Penal y de Criminologfa, 2~ ed., Caracas, Ed. Venezuelana - Ed. Fac. Dir., 1974 p. 369. 26. Ramos Maranhão, O., "índices psico-evolutivos de periculosidade: consideraapresentado no V Congresso Brasileiro de Direito Peções a propósito de 250 casos"
-
-
nal e Ciênciasafins, São Paulo, 1975.
.
o NEURÓTICO, O PSICOPATA E O DELINQÜENTE
125
ção revista" (D. S. M. 111.R.), traduzida para o português em 1989.2O comportamento "antissocial" é considerado "distúrbio da personalidade". Para facilitar a compreensão, aqui se transcrevem os conceitos.
Capítulo 9 Distúrbios
o NEURÓTICO, O PSICOPATA E O DELINQÜENTE
de personalidade
"Caracter(sticas de personalidade são padrões duradouros de percepção, relação, e pensamento acerca do ambiente e de si mesmo, e são exibidos numa ampla faixa de contextos sociais e pessoais importantes. É somente quando as caracter(sticas de personalidade são inflexíveis e inadaptadas, e causa tanto comprometimento funcional significativo como sofrimento subjetivo, que elas constituem o Distúrbio de personalidade. As manifestações dos distúrbios de personalidade são freqüentemente reconhecíveis na adolescência ou mais cedo, e continuam por quase toda a vida adulta, embora elas muitas vezes se tornem menos óbvias nas faixas médias ou extremas de idade.
Os conceitosde reaçãoanti-sociale reaçãodissocialapareceram na primeira edição do D. S. M. (Diagnosticand Statistical Manual of Mental Diosorders,AmericanPsychiatricAssociation, 1952)como se anotou nos capítulos anteriores (conf. caps. 7 e 8). Em 1967apareceu a segunda edição (D. S. M. 11),traduzida para o português em 1972(cf. Revista Brasileirade Psiquiatria6 (3): 75-113; 1972). Não mais contém os mencionados conceitos, substituindo-os por "personalidade anti-social" (301.7)e suprimindo o "dissocial". O novo conceito - "personalidade anti-social" - está assim redigido: "Este termo é reservado para os indivíduos basicamente insocializáveise cujo padrão de comportamento os coloca repetidamenteem conflitocom a sociedade.São incapazesde lealdade significativacom os indivíduos, grupos ou valores sociais. São manifestamente egoístas, rudes, irresponsáveis,impulsivose incapazesde sentir culpa ou aprender com a experiênciae o castigo. A tolerância à frustração é baixa. Tendem a culpar os outros ou a oferecer racionalizações plausíveispelo seu comportamento. Uma simpleshistória de repetidas ofensaslegaisou sociaisnão é suficientepara justificar este diagnóstico.As reaçõesdelinqüenciais de grupo, na infância ou adolescência,e desajustamento social sem desordenspsiquiátricas manifestas devemser eliminadas antes de se fazer este diagnóstico".
"Os critérios diagnósticos para os distúrbios de personalidade se referem a comportamentos ou traços que são ~racterísticos do funcionamento recente (ano passado) e a longo prazo, desde o início da idade adulta. A constelação de comportamentos ou características causa tanto comprometimento significativo do funcionamento social ou ocupacional como sofrimento subjetivo. Muitos dos aspectos característicos de vários distúrbios de personalidade, como Dependente, Paranóide, Esquizotípico, ou Limítrofe, podem ser observados durante um episódio de um outro distúrbio mental, como Depressão Maior. O diagnóstico de Distúrbio de Personalidade deve ser feito somente quando os aspectos caracteristicos são típicos do funcionamento da pessoa a longo prazo e não são limitados a episódios discretos da doença. "301.70 Distúrbio Anti-Social de Personalidade "A característica essencial deste distúrbio é um padrão de comportamento irresponsável e anti-social, que começa na infância ou no início da adolescência e continua pela idade adulta. Para que este diagnóstico seja dado, a pessoa deve ter pelo menos 18 anos de idade e ter uma história de Distúrbio de Conduta antes da idade dos 15 anos. "Mentir, roubar, vadiagem, vandalismo, iniciar brigas, fugir de casa e crueldade física são sinais típicos na infância. Na idade adulta o padrão anti-social continua, e pode incluir fracassos em honrar obrigações financeiras, em funcionar como pai ou mãe responsáveis ou fazer planejamento futuro, e uma incapacidade em manter comportamento consistente de trabalho. Estas pessoas fracassam em se adaptar a normas sociais e repetidamente desempenham atos antisociais que são causa de detenção, como destruir propriedade, importunar os outros, roubar, e ter uma ocupação. ilegal.
Esse diagnóstico fazia parte da Divisão V - "Desordens da
personalidade e outras desordens mentais não psicóticas". O D. S. M. lU (3~ed.) apareceu em 1980e três anos depois já estava na 1O~reimpressão.1Em 1987foi elaborada uma "ediI
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PSICOLOGIA DO CRIME
"Pessoas com distúrbio anti-social de personalidade tendem a ser irritáveis e agressivas e meter-se repetidamente em lutas corporais e violências, incluído o espancamento de crianças ou cônjuge. Comportamento irresponsável, sem se importar com a segurança pessoal é comum, como indicado por dirigir freqüentemente enquanto intoxicado ou multas por excesso de velocidade. É típico destas pessoas serem promíscuas (definido como nunca tendo mantido relacionamentos monogâmicos por mais de um ano). Finalmente, em geral não têm remorso acerca dos efeitos de seus comportamentos sobre os outros, elas podem mesmo sentir-se justificadas por ter danificado ou maltratado os outros. Após a idade dos 30, o comportamento anti-social mais flagrante pode diminuir, particularmente, a promiscuidade sexual, briga e criminalidade. "
Por outro lado, a C. I. D. (ClassificaçãoInternacional de Doenças - publicação da O. M. Saúde) desconhecea expressão "dissocial". Assim, já na 8~ revisão (1965)3aparece, sob a sigla 301.7 a categoria "Personalidade anti-social", sem conceito. Na 9~ revisão (1975)4encontramos os seguintes conceitos: "301 Transtornos da personalidade "Padrões de comportamento desajustados e profundamente arraigados que são reconhecidos geralmente desde a adolescência ou antes e que persistem durante maior parte da vida adulta, apesar de se tornarem menos óbvios na idade madura ou na velhice. A personalidade é anormal tanto em relação ao equilíbrio dos seus componentes, em suas qualidades e expressão, quanto em relação ao seu aspecto total. Em virtude desse desvio ou psicopatia o paciente sofre ou os outros têm de sofrer e ocorre um efeito adverso sobre o indivíduo ou sobre a sociedade. Inclui o que algumas vezes é chamado de personalidade psicopática, mas caso esta tenha sido determinada primariamente por mau funcionamento do cérebro, não deveria ser classificado aqui mas como uma das síndromes cerebrais orgânicas não-psicóticas. Quando o paciente apresenta uma anomalia da personalidade diretamente relacionada à sua neurose ou psicose, por exemplo, personalidade esquizóide e esquizofrênica, ou personalidade anancástica e neurose obsessivo-compulsiva, deve ser diagnosticada também a neurose ou psicose pertinente em evidência. Neurose de caráter "301.7 Transtorno da personalidade com predomínio de manifestações sociopáticas ou associais "Transtorno da personalidade caracterizado pelo desprezo pelas obrigações sociais, falta de sentimentos pelos outros, violência impetuosa ou indiferença insensível. Há uma grande disparidade entre o comportamento e as normas sociais vigentes. O comportamento não se modifica facilmente pela experiência, inclusive pelo castigo. As pessoas com esta personalidade são afetivamente frias e podem ser anormalmente agressivas e irresponsáveis. Sua tolerância à frustração é baixa; culpam a outros ou apresentam racionalizações plau-
O NEURÓTICO, O PSICOPATA E O DELINQÜENTE
127
síveispara o comportamentoque as colocaem conflitocoma sociedade. Personalidadeamoral Personalidadeassocial . Personalidadeanti-social "Exclui:distúrbiode condutasemtranstornode personalidadeespecífico." Verifica-se, portanto, que o diagnóstico de "Personalidade anti-social" é aceito tanto pelo D.S.M. quanto pela C.I.D. Tratase, caracteristicamente, de uma forma especial de personalidade psicopática, uma forma de distúrbio da personalidade, conceituado como integrante do elenco de anormalidades psiquiátricas (apesar das críticas). Observa-se, igualmente, que o conceito de "reação dissocial" foi removido do D.S.M. e não fez parte da C.I.D. Essa rejeição deve ser bem compreendida: não pode ser atribuída a uma suposta inexistência do tipo psicológico, mas à falta de abrigo entre quadros "psicopatológicos". Efetivamente, o comportamento criminoso "dissocial" s6 interessa à Criminologia. Em outros termos, não se trata de diagn6stico Psiquiátrico,5 mas criminol6gico. O "delito neurótico" é excepcional. O neurótico, prevalentemente dispõe de exagerados meios contensores, que o levam a ser mais prejudicial a si mesmo, do que ao meio social. Isso não exclui as hipóteses registradas em capítulo próprio (conf. capo 6). Aqui nos interessa o diagnóstico diferencial. Para atender a esse propósito (diferenciar "neurose", "antisocialidade" e "dissocialidade"), podemos nos servir de roteiros, dos quais aqui registramos três exemplos: A) Esquema de Jenkins B) Roteiro de Abrahamsen C) Índice de Maranhão
A) Esquema de Jenkins:6 Este autor considera que o "neurótico" é dotado de inibições, exercecontensão forte sobre os impulsos e, assim, tem conflitos interiores(intrapsíquicos).Já o "anti-social" (psicopata)não é socializado, seu superego é pouco atuante, libera seus impulsos e tem conflitos externos (com o meio social). O "dissocial" ("pseudo-socializado") identifica-se com certos "grupos" para
128
O NEURÓTICO, O PSICOPATA E O DELINQÜENTE
PSICOLOGIA DO CRIME
129
sociais, tem conflitos com a sociedade, por "choque de grupos". Os diagramas seguintes explicam esses conceitos.
a) neurótico - é uma personalidademuito contida, com conflitos intrapsíquicos, mas socialmente ajustada. INIBIÇÃO INTRAGRUPAL (PSEUDO-SOCIALIZADO)
4 1 2 3 4
=
ID (IMPULSOS
PRIMITIVOS)
= SUPEREGO (CONTENÇÃO) = EGO (CONSCIENTE) = MEIO EXTERIOR (EXTRAGRUP AL)
INIBIÇÃO EXCESSIVA (NEUROSE)
b) psicopata - personalidadenão socializada,comtendência a ser solitária (emtermos externosou internos), com inibição inadequada.
1 4
=
ID (IMPULSOS
PRIMITIVOS)
2
= SUPER-EGO
3
=
4
,
8
(CONTENÇÃO) EGO (CONSCIENTE)
= MEIO EXTERIOR
(EXTRAGRUP AL)
t INIBIÇÃO INADEQUADA (NÃO SOCIALIZADO) .
I I
c) delinqüenteessencia/- que não se adapta à sociedadegeral, mas forma o seu grupo particular em relação ao qual desenvolve inibições, pelo que é um "pseudo-socializado". São incontestáveisas pesquisas feitas para mostrar a importância do processopsico-evolutivona gêneseda personalidadedelinqüente.
1 = ID (IMPULSOS PRIMITIVOS) 2 = SUPEREGO (CONTENÇÃO) 3. = EGO (CONSCIENTE) 4 = MEIO EXTERIOR (EXTRAGRUP AL)
130
B) Roteiro de Abrahamsen:7 Diferenciao "neurótico" do "dissocial" ("personalidade delinqüente").
DIFERENÇAS ENTRE NEUROSE E PERSONALIDADE DELINQÜENTEl Neurose Personalidade delinqüente2 1. Tem conflito interno. Aparentemente sem conflito interno. 2. Agressividadevoltada a si mesmo. 3. Gratifica-sepor meiode fantasias.
Agressividade voltada à sociedade.
4. Admite seus impulsos e os reconhece como seus.
Atribui seus impulsos ao mundo exterior.
5. Desenvolve relações emocionais positivas (Transfer).
Desenvolve defesas emocionais.
6. "Superego"
"Superego" CO)3.
desenvolvido.
Alivia tensões internas por ações criminosas.
inadequado (desarmôni-
7. Socialmente ajustado.
Comportamento
8. Reage à passividade e dependência com sofrimento, mas admite a situação. 9. Caráter "normal".
Procura negar a passividade e a dependência com atitudes agressivas.
10. Perturbações psicossomáticas menos freqüentes.
131
O NEURÓTICO, O PSICOPATA E O DELINQÜENTE
PSICOLOGIA DO CRIME
I I
~
C) Índices de Maranhão: (Organizado com base na Doutrina e na Prática criminológica.) Diferenças quanto a: 1. Famma de origem 2. Escola 3. Fugas do lar 4. Trabalho
5. Grupos 6. Código de ética 7. Lealdade 8. Experiência
I
9. Delitos
10. E. E. G. 11. Tratamento 12. Causa
,
Perturbações psicossomáticas freqüentes. 5
mais
I. Organizado com base em Abrahamsen. 2. Aqui se faz referência à Personalidade Delinqüente (neurose de caráter) e não à Personalidade Psicopática. 3. "Inadequado", indicando falta de harmonia, oscilando da extrema exigência à extrema indulgência. 4. "Dissocial", pois não é leal a pessoas, grupos ou Códigos, senão os de seu próprio grupo "parassocial". S. Cf. Abrahamsen, ob. cito
.
Dissociais
Qualquer tipo Suspensões/Expulsão Raramente ocorrem Caráter imediatista Raros/Instáveis Hedonista A si mesmo Não aproveita Grave/Misterioso/ Prática solitária "ondas lentas" Quase impossível "constitucional"
Desagregada Faltas/Abandono São usuais Ociosidade Usuais/Coesos Grupal Ao grupo Incorpora as negativas Organizado/Prática Grupal sem alterações Possível/Problemático Processo formativo
Tendo emvista que essesquadros são auto-explicativos, deixamos de incluir qualquer comentário.
.
"dissocial". 4
Caráter deformado (dissocial).4
Anti-Sociais
O caso seguinte é uma ilustração a respeito das dificuldades do diagnóstico diferencial: contrastamos um laudo oficial e um parecer (do Autor). LAUDO 1 LA UDO PSIQUIATRICO-LEGAL I - Identificação:C. T., 21 anos, branco, solteiro, sem profissão, católico, natural e residente em C. B. II - Exame cf{nicoe neurológico:Não evidenciaramqualquer patologia que pudesse ser de interesse para o presente laudo. III - História mórbida pessoal efamitiar: Refere doenças próprias da infância (sarampo, coqueluche, etc.), negando em si e nos seus familiares a ocorrência de sífilis, epilepsia, tuberculose, alcoolismo, tentativa de suicídio ou delinqüência. História social: C. é o terceiro de uma prole de cinco filhos de um IV casal de abastada situação econômico-social, sendo o pai industrialista e a mãe dedicada aos afazeres domésticos.
-
Segundo informação do pai, teve uma evolução até os 12/13 anos sem maiores sobressaltos ou ocorrências que o diferenciassem dos demais irmãos. O par .~--
.--,." t). l~. G.
\
rllU InTcr
A
,
132
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PSICOLOGIA DO CRIME
ciente afirma que o ambiente de infância foi satisfatório, não tendo dificuldades maiores para relacionar-se com os pais e irmãos. Considera "boa" a relação entre seus pais e que sempre teve "liberdade demais", fato que julga que foi "negativo". Seu pai sempre foi muito envolvido com seus negócios, sendo portanto, ausente na convivência familiar, ou quando presente era sentido por C. como "exigente, severo e pouco tolerante". A mãe é vista como mais condescendente, acobertando suas "mancadas", mas que nas situações mais difíceis ficava como o pai, tornando-se também exigente e punidora. Por isso sempre teve um pouco mais de abertura para conversar e aproximar-se, com uma irmã mais velha. Ingressou na escola aos sete anos e teve uma escolaridade muito irregular, tendo várias vezes abandonado e voltado a estudar, até que há dois anos deixou definitivamente os estudos. Julga que sempre achou uma "chatice" estudar, preferindo desde pequeno trabalhar na fábrica do pai. Menciona, e é confirmado pelos familiares, que desde os onze anos freqüentava o ambiente fabril e neste salientava-se que buscava o relacionamento com o pessoal mais simples do local, como da limpeza, do cafezinho, guardas, etc. Este laço não apenas se manteve como se cristalizou com o seu desenvolvimento, sendo nos últimos anos uma constante suas conversas e amizade com os guardas da fábrica, por exemplo. Na escola julga que não teve dificuldades com os colegas pois "se dava bem" com eles, o mesmo não acontecendo com os professores, às vezes, sentindo-se perseguido por eles e revelando-se irritado quando solicitado a manifestar-se sobre o que sucedia. Nestas ocasiões chegava mesmo ao auge de sua irritação e enfrentava-os verbalmente. Isto, de acordo com C., deu-se com maior intensidade a partir dos 13/14 anos e, de acordo com seu pai, desde os 11/12 anos. Este achando inclusive que dessas situações escolares o filho teria ficado "estragado" pois percebeu que tornou-se mais "temeroso, assustado", procurando ficar nos cantos, isolado, tendo "medo até da sombra". Considera que esses traços permaneceram e até aumentaram com o passar dos anos, tornando-se um "esquisitão", na expressão do pai. Não se comunicava com ninguém parecendo haver mesmo "uma parede" que o distanciava dos familiares. À medida que tornou-se um adolescente, as características anteriores mantiveram-se e tornaram-se mais salientes, pois começou a andar com rapazes de "má fama", tendo aprendido e gostado de fumar maconha. Gostava porque lhe facilitava a comunicação com esses amigos e, quando "chapado", saía de carro dando tiros de revólver em placas e a esmo, para ter uma "emoção forte" em algumas ocasiões. Nunca teve namoradas porque preferia sair com amigos, do que ficar "preso a um namoro". Nega envolvimento homossexual manifesto com seus amigos. Iniciou sua vida sexual com prostitutas aos 13 anos e periodicamente freqüentava prostíbulos junto com seus amigos, o mais das vezes pagando-lhes a "despesa". . No trabalho nunca conseguiu manter-se sistematicamente sendo considerado, na expressão de um irmão mais velho, "vagabundo", até que há pouco tempo resolveu trabalhar por conta própria e tornou-se "caminhoneiro", e para tanto, não aceitou comprar um veículo novo e sim um velho, pois seria financiado pelo pai. Também nesta atividade manteve-se por pouco tempo e acabou
133
vendendo o caminhão. Segundo os familiares nunca pôde aceitar coisas ou presentes novos e bons, preferindo sempre objetos usados e desvalorizados, como no episódio do caminhão e na escolha dos amigos. O descuido e a pouca valorização atingia e atinge inclusive os cuidados com sua aparência pessoal, usando roupas velhas e sujas, e ficando irritado quando sua mãe as pegava, escondido, e lavava, à noite. Freqüentemente ficava 15120 dias sem tomar banho e mantinha-se, aparentemente, indiferente a isto. Há 3/4 anos foi-lhe sugerido que procurasse um tratamento psiquiátrico, fato que negou porque não era doente. Nos últimos dois anos, segundo C., teve intensificadas suas disputas e brigas em casa com seu pai, tendo recebido várias ameaças do mesmo de pô-lo para "fora de casa" caso não fizesse alguma coisa na vida. Segundo familiares, o paciente seguidamente ficava 2/3 dias em casa, isolado, sem comunicar-se com ninguém e reagia irritado caso fosse instado a mencionar o que estava acontecendo. A agudização nos últimos tempos parece estar ligada ao uso da maconha, que era percebido pelos familiares. Considera sua internação, após o delito, como uma prisão e castigo pois é inocente, e tenta junto com outrQS fugir, mas não conseguiu, ficando na clínica que é vista como punidora e o seu médico como bom e tolerante. V _ Versão do paciente sobre a denúncia: Reconhece que estava junto com os dois amigos quando morta a vítima, mas alega que quem matou foi o C., não sabendo o motivo dessa atitude pois tinham ido apenas fumar maconha. Pensa que está metido nisto pelas más companhias e pela maconha.
VI
_ Observação psiquiátrica: Durante as entrevistas que realizou
apresentou-se com aparência descuidada, procurando colaborar com o entrevistador. Demonstrou estar atento às demandas externas e normovigil. Não revelou em qualquer momento de sua vida alterações da senso-percepção, tanto quantitativas como qualitativas (ilusões ou alucinações). Evidenciou uma memória preservada para fatos recentes ou passados, tanto na fixação como na evocação. Esteve orientado no tempo e no espaço, bem como à sua situação e lúcido sem qualquer perturbação no campo da consciência. Apresentou pensamento sem alterações no seu curso ou na sua produção, sendo predominantemente realístico e adequado às suas vivências emocionais; quanto ao conteúdo apresentou uma certa tendência a responsabilizar os outros por suas atitudes (a professora que o perseguia na escola, os irmãos e o pai que não o compreendem, os amigos que são de "má fama"), revelando portanto sua ideação supervalorizada de perseguição. Usou durante os encontros mantidos uma linguagem adequada às suas condições de origem familiar e social, sem nenhuma alteração, revelando uma inteligência dentrQ da média. Às entrevistas manteve-se submisso e cuidadoso ao relatar sua vida e os acontecimentos da mesma. Assustado e temeroso em relação às conseqüências de seus atos, sem no entanto apresentar remorso ou culpa aparente em relação à vítima ou possíveis vítimas dos delitos. Relata os acontecimentos importantes de sua vida (fracasso escolar, incapacidade para o trabalho, "droga" e "más companhias", delitos e crime de que é acusado) com frieza, sem mudança afeti-
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I
I:
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PSICOLOGIA DO CRIME
va ou quando esta sucede é para sentir-se perseguido ou com medo das conseqüências do que fez. Na conduta são exuberantes os sintomas anti-sociais pois vêm desde a infância até o período adulto. Na escola pequenas brigas com colegas e professores propiciaram diversas trocas de colégio, na adolescência, uso de maconha e saídas a esmo com seus amigos disparando revólver, incapacitação para o trabalho sistemático e regular, bem como para relações afetivas, sejam de namoro ou amizade, duradouros ou satisfatórios. VII - Discussão diagn6stica: O paciente não evidenciou qualquer sinal ou sintoma para que pudéssemos pensar em qualquer quadro orgânico (psicose ou epilepsia). Assim como não temos indicações sintomatológicas para pensarmos em alguma forma de desenvolvimento mental incompleto ou retardado, porque não há déficit nas funções intelectuais do paciente. Da mesma forma não temos elementos, no presente ou passado, para diagnosticarmos alguma forma de doença mental pois não há na história e exame do paciente nenhum momento de ruptura com a realidade nem de outros sintomas psicóticos. No entanto, são evidentes as perturbações na afetividade e conduta do paciente. São marcantes as atitudes anti-sociais, desde a infância do paciente, bem como sua maneira de sentir e vivenciar as mesmas: reage com frieza ou atribuindo ao mundo externo a responsabilidade pelos mesmos. Essas atuações que só cristalizaram-se e tornaram-se mais perigosas com seu crescimento (tiros a esmo, droga, delitos, etc.) são permanentes modos de ser ou padrões estruturados de personalidade que, como dissemos, remontam à infância, caracterizando assim o diagnóstico positivo de Personalidade anti-social. VIII - Comentários médico-legais: O diagnóstico de Personalidade antisocial conceitua uma defeituosa estruturação da personalidade, implicando, entre outras anormalias, uma dificuldade do ego para manejar os impulsos instintivos e dar-Ihes adequada satisfação e destino, predispondo o indivíduo a irrupções instintivas que podem manifestar-se em atos anti-sociais, irrupções estas para cujo controle não está plenamente capacidado. Assim sendo, e por reduzida capacidade de autodeterminação, as Personalidades anti-sociais correspondem plenamente ao conceito de perturbação da saúde mental,
conforme
está expresso no Parágrafo
Único do artigo
... do
Có-
digo Penal brasileiro. Antes de concluirmos, é necessário mencionarmos que tais pacientes não se adaptam bem aos hospitais psiquiátricos e, em geral, não se beneficiam com tratamentos aí ministrados, aproveitando muito mais nas colônias agrícol~s onde podem conviver com pessoas mentalmente sadias, exercer atividades de trabalho, etc. Assim, caso lhe venha a ser aplicada medida de segurança detentiva, esta preencherá suas finalidades recuperadoras com maior eficácia se cumprida em colônia agrícola. IX - Diagn6stico: Personalidade anti-social.
X - Conclusão:C.T., por perturbação da saúde mental (personalidade anti-social),não possuía, ao tempo da ação, a plena capacidade de entender o caráter criminoso dos fatos nem de determinar-sede acordo com esseentendimento.
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Respostas aos quesitos a) Não era inteiramente incapaz por doença mental. b) Não era inteiramenteincapaz por desenvolvimentomental retardado. c) Não era inteiramente incapaz por dependência a drogas. Der. - Não possuía a plena capacidade de entender o caráter criminoso de sua atuação por perturbaçãoda saúde mental, e não por doença mental, desenvolvimentomental retardado ou dependênciaa drogas. Dr. L.C.I.C. - Psiquiatra relator Dr. J.A.C.S. - Psiquiatra forense
LAUDO 2 PARECER MÉDICO-LEGAL Natureza: Capacidade de imputação 1. Éu, abaixo assinado, Professor Doutor Odon Ramos Maranhão, Professor Titular de Medicina Legal da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e das Faculdades Metropolitanas Unidas, anteriormente psiquiatra do Manicômio Judiciário do Estado, do Instituto de Biotipologia Criminal e do IMESC, tendo recebido a consulta adiante transcrita e colhido os dados integrantes deste texto, forneço o meu parecer. 2. Os Drs. F. A. G., O. G. V. e seus Associados são patronos do Sr. C. T., processado pela Justiça Pública de XXX, denunciado como infrator do art. 121 do Código Penal. Tendo sido submetido a exame de "responsabilidade penal" no Instituto Psiquiátrico Forense XXX, foi considerado uma "Personalidade anti-social" e enquadrado no parágrafo único do artigo... do Código Penal como semi-imputável. Diante disso, na qualidade de defensores do indiciado, desejam saber se não há dúvida alguma quanto ao enquadramento clínico de seu constituído e, especialmente, se está definitivamente firmada a semiimputabilidade do indiciado. Essa consulta pode ser resumida em quesitos que serão transcritos em local próprio deste parecer. 3. Os consulentes forneceram, para análise, cópias do laudo XXX, bem como das principais peças do Processo movido contra C. T. 4. Aqui se apresenta uma coletânea dos dados de interesse para o estudo do caso e uma análise interpretativa dos mesmos. Respeita-se profundamente a Instituição onde o interessado foi examinado, bem como a alta qualidade técnica e científica dos prolatores no laudo. Fornece-se outro enfoque psiquiátricoforense, com base nos dados aqui registrados e apoiado em ensinos de especialistas no assunto. O que aqui em seguida se consigna são elementos colhidos principalmente no texto do laudo já mencionado.
......
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PSICOLOGIA DO CRIME
5. Não foram registrados casos de neuropsicopatias entre os familiares (ascendentes e colaterais) do examinando. Da mesma forma, nega-se a existência, em seu curso vital, de doenças infanto-juvenis de grave repercussão no desenvolvimento somato-psíquico, registrando-se tão-somente as usuais da infância (§ III do laudo). 6. Registra-se que até os 12 ou 13 anos, C. teve uma evolução normal, sem sobressaltos (§ 1~, fls.). Também se anota que o pai visto como "exigente, severo e pouco tolerante", enquanto a mãe era tida como sendo "mais condescendente". A relação entre os genitores era "boa" e o examinando tinha "liberdade demais" (§ 2~ fls.). 7. A escolaridade de C. foi "irregular, tendo várias vezes abandonado e voltado a estudar". Preferia, "desde pequeno, trabalhar na fábrica do pai" (já aos 11 anos de idade). No ambiente fabril, "buscava o relacionamento com o pessoal mais simples do local". Não teve dificuldades de relacionamento com colegas de escola (fls.). 8. Mais tarde (sem idade registrada) "começou a andar com rapazes de "má-fama", tendo aprendido e gostado de fumar maconha" (fls.). E gostava porque lhe facilitava a comunicação com esses amigos (ibidem). Já aos 13 anos havia iniciado vida sexual com prostitutas (ibidem). 9. Não conseguiu manter-se sistematicamente no trabalho (fls. 16/17), mas tentou estabelecer-se por conta própria como "caminhoneiro". Tinha por si mesmo um certo desprezo, pois "o descuido e a pouca valorização atingia e atinge inclusive os cuidados com sua aparência pessoal". 10. Nos últimos dois anos, "teve intensificadas suas disputas e brigas em casa de seu pai, tendo recebido várias ameaças do mesmo de pô-lo para fora de casa" - "A agudização nos últimos tempos parece estar ligada ao uso de maconha, que era percebido pelos familiares" (fls. 17). 11. O exame psiquiátrico não apurou comprometimento das funções psíquicas superiores (consciência, senso-percepção, ideação). Aponta, porém, certo grau de comprometimento do senso crítico (tendência a responsabilizar os outros por suas atitudes e práticas anti-sociais). 12. Com base nesses elementos, os doutos e dignos Peritos afastam a possibilidade de haver fenômenos psicóticos de qualquer natureza e entendem haver "evidentes perturbações na afetividade e conduta do paciente". Afirmam que as atuações do examinando são "padrões estruturados de personalidade, que... remontam à infância, caracterizando assim o diagnóstico positivo de personalidade anti-social" (fls.). Com esse diagnóstico entendem tratar-se de caso de semi-imputabilidade, enquadrando-o no parágrafo único do artigo... do Código Penal (fls. ). 13. O diagnóstico de Personalidade anti-social exige a reunião de dados negativos (exclusão de debilidade mental, psicose e neurose), dados positivos (configuradores da "síndrome-psicopática") e diferenciadores (que afastam a "reação dissocial"). 14. A infranormalidade (em todos os graus e formas de oligofrenias) pode, no caso, ser descartada de pronto. Também as psicoses (em suas formas clínicas e cursos evolutivos) podem ser afastadas sem dificuldades, posto que ja-
O NEURÓTICO, O PSICOPATA E O DELINQÜENTE
137
mais consta que o paciente tenha apresentado fenômenos produtivos (delírios e/ou alucinações). Mas foram anotados sintomas neuróticos claros: conflitos com a figura paterna, atitudes de autodesvalorização, preferência por pessoas socialmente inferiores, insegurança no relacionamento com jovens do sexo oposto. (É verdade que não temos anotações sobre sintomas de ansiedade, angústia e claros sentimentos de culpa, nos exames. Também não estão taxativamente negados.) Pode-se, assim, aceitar a presença de sintomas neuróticos, mesmo que enxertados em outra estrutura de personalidade. 15. O DSM III conceitua claramente Personalidade anti-social - "Este termo é reservado para indivíduos basicamente insocializáveis, e cujo padrão de comportamento os coloca repetidamente em conflito com a sociedade. São incapazes de lealdade significativa para com os indivíduos, grupos ou valores sociais. São manifesta~ente egoístas, irresponsáveis, impulsivos e incapazes de sentir culpa ou aprender com a experiência e o castigo" (Rev. Bras. Psiq. 6 (3):75-113; 1.972). Para se fazer esse diagnóstico, isto é, para se enquadrar aí um dado caso clínico, existem vários roteiros: Cleckley (The Mask of Sanity) indica as seguintes características: 1. encanto superficial e boa inteligência 2. ausência de delírios ou outros sinais de pensamento ilógico 3. ausência de manifestações psiconeuróticas 4. inconstância 5. infidelidade e insinceridade 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14.
falta de remorso ou vergonha conduta anti-social inadequadamente motivada falta de ponderação e fracasso em aprender pela experiência egocentrismo patológico e incapacidade de amar pobreza geral nas relações afetivas falta específica de esclarecimento interior irresponsabilidade nas relações interpessoais tendência à conduta fantástica com ou sem uso de álcool raramente suicidas
15. vida sexual impessoal, trivial e pobremente integrada 16. incapacidade de seguir um plano de vida Oray e Hutchison (in Hare, Psicopatia, trad. bras.) enumeram dez particularidades: 1. 2. 3. 4. 5.
não aprende pela experiência; falta-lhe senso de responsabilidade; é incapaz de estabelecer relações significativas; falta-lhe controle sobre os impulsos; falta-lhe senso moral;
.......
138
PSICOLOGIA DO CRIME
6. é crônica ou periodicamente anti-social; 7. 8. 9. 10.
a é é é
punição não lhe altera o comportamento; emocionalmente imaturo; incapaz de sentir culpa; egocêntrico.
McCord e McCord (El Psicopata, trad. esp., Ed. Hormé) anotam estas características: 1. o psicopata é associal; 2. o psicopata é movido por desejos incontrolados; 3. o psicopata é altamente impulsivo; 4. o psicopata é agressivo; 5. o psicopata sente escassos sentimentos de culpa; 6. o psicopata tem uma desviada capacidade de amar; 7. para o psicopata cada momento é uma fração de tempo desvinculado dos demais; 8. as ações dos psicopatas carecem de planejamento. Uma análise crítica mostra que qualquer desses dados, considerados isoladamente e sem persistência no tempo, integram a experiência universal. Isto significa que têm valor diagnóstico quando associados e temporalmente persistentes (formando, assim, uma síndrome). O'Neal, Robins, King e Schaefer já chamaram a atenção para o fato de que, em suas observações, cada caso particular reunia mais de 500/0de índices positivos, dentre uma lista de dezenove particularidades (Cf. Am. J. Psych. 118: 1.114-1.124; 1.962). Realmente, o interessado C.T. apresenta alguns desses traços de linhagem psicopática. 16. Não foram feitos, ou pelo menos não incluídos no laudo, exames complementares à observação direta. Alguns psicotestes têm interesse, por fornecerem síndrome peculiar: a) Psicodiagnóstico de Rorschach (Cf., por ex., Rorschach: Psychodiagnostics, Ed. Hans Huber; Klopfer: Manual dei Psicodiagn6stico de Rorschach, Ed. Paidós; Bohm: Manual de Psicodiagn6stico de Rorschach, trad. esp., Ed. Morata; Portuondo: El Psicodiagn6stico de Rorschach en Psicologfa Clfnica, Ed. Bibl. Nueva). b) Psicodiagnóstico miocinético (P.M.K.) de Mira y Lopez (Cf., por ex., Mira y Lopez: Manual de Psicologia Jurfdica, Ed. Agir; Cueva, Tamares e Montesino: "EI Psicodiagnóstico de Rorschach y Mioquinético de Mira y Lopez en el diagnóstico Forense", Arq. Crim. e Neuropsiq. 1 (4):507-512, 1.953; Mira y Lopez: "Traitament des Personalités psychopathiques à I'aide des donnés du psychodiagnostic miocynétique", Bull Psychol. VII (I): dez, 1953). c) Inventário Multifásico'de Personalidade de Minnesota (Minnesota Multiphasic Personality Inventary MMPI) (Cf., por ex., Dahlstrom, Welsh e Dahls-
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trom: An MMPI Handbook, 2 vol., Ed. Univ. Minn.; Hathaway e Monachesi: Adolescent Personality and Behavior, mesma editora; Welsh e Dahlstrom: Basic Readings on the MMPI, 'mesma editora; Ramos Maranhão: "O MMPI em Criminologia", in Psicologia do Crime, Ed. RT, ed. 1981). Também seria importante o encontro de ondas lentas no traçado eletrencefalográfico de repouso e, especialmente, durante a prova de hiperpnéia (Cf. Gastaut et Dongier: Handbook oi Electroencephalography and Clinical Neurophysiology, vol. 13, Ed. Elsevier; Knott: "Electroencephalograms in Psychopathic Personality and in Murderers", in Aplications oi Electroencephalography in Psychiatry, Duke Univ. Press; Elliot: "Neurological Aspects of Antisocial Behavior", in Reid: The Psychopath, Ed. Brunner-Mazel, 1978). Não se pode, no momento, apreciar esses dados, pois não foram apresentados para esta análise. 17. O DSM In também concdtua a "reação dissocial", e o faz da seguinte forma: "Personalidade pseudo-social" - Este termo se aplica a indivíduos que manifestam desconsideração para com os códigos sociais usuais e freqüentemente entram com eles em conflito, como resultado de terem vivido toda a sua vida em ambientes morais anormais. Podem ser capazes de forte lealdade. Estes indivíduos tipicamente não mostram desvios, seriamente significativos da personalidade, a não ser aqueles implicados pela aderência aos valores ou aos códigos dos seus próprios grupos predatórios ou criminais ou a outros grupos sociais. " É verdade que o examinando foi criado em família bem constituída e não passou a infância em ambientes moralmente deletários. Mas é verdade também que se afastou emocionalmente dos familiares e mostrou preferência por pessoas subalternas na fábrica, fez amizades com colegas e posteriormente formou o seu particular grupo de adolescentes. Isso mostra ser capaz de integrar grupos especiais. Ora, o anti-social não integra grupo, por lhe ser desleal. Isto é mais freqüente entre os "mal formados", do que entre os "mal constituídos". 18. A Personalidade anti-social da nomenclatura atual é a antiga Personalidade psicopática, que alguns também denominavam de Psicopatia (Psicopatia stricto sensu). No dizer de Spuerri (Compendio de Psiquiatrfa, trad. esp., Ed. Toray) "a psicopatia constitui uma anormalidade hereditária do caráter". São inúmeros os autores que aceitam essa causalidade hereditária. Uma revisão parcial de estudos dessa natureza mostra uma concordância de 74.8% de gêmeos univitelinos psicopatas (e a contrario sensu uma discordância de 80.3% entre os dizigóticos) (Cf. por ex. Ramos Maranhão: "Personalidade Psicopática e Personalidade Delinqüente Essencial", in Ciência Penal II (3): 45-68, 1975; Rosen-
thal: Genetic Theory and Abnormal Behavior - Ed. McGraw Hill, 1970).
Ressalte-se que, no presente caso, o periciando não registra antecedentes familiares neuropsicopatológicos (§ III do Laudo). Esses antecedentes são quatro vezes mais freqüentes entre psicopatas do que entre portadores de caráter mal formado (Cf. Ciência Penal citada). 19. Os outros traços diferenciadores entre caráter mal constituído (Spuerri, ob. cit.) e caráter mal formado (Spanis: Delinqüência e Psicanálise) são, segundo as cem observações anotadas em Ciência Penal n (3): 45-68; 1975: doen-
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se impõe, sem prejuízo das medidas cautelarescabíveis." Acórdão da Câmara Criminaldo Tribunal de Alçada do Paraná, Relator OliveiraCarneiro (Cf. Jardim Linhares, ResponsabilidadePenal, tomo 11,p. 990, Ed. Forense, 1976). b) Personalidade Psicopática "A sua personalidadepsicopática, no caso, segundo laudo pericial, influiu apenas como coeficientede ação criminosa. A responsabilidadeé assimplena, atento o caráter biopsicológicoadotado pelo Código, desdeque a simples afirmaçãode se tratarde personalidadepsicopática é insuficientesó por si para determinara semi-imputabilidadedo agente". Acórdão da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, Relator Bueno Magano (Cf. ob. cit., p. 988).
ças infanto-juvenis de grave repercussão no desenvolvimento somato-psíquico (psicopata 5:1); e ausência de integração de grupos (psicopatas 5.5:1). De acordo com esses índices, o defeito apresentado pelo examinando é mais de causa formativa (psico-evolutiva) do que constitucional (hereditária). Estes elementos falam a favor de processo neurótico antigo, afetando a estrutura da personalidade. 20. Assim, por todo esse conjunto de dados sou inclinado a aceitar que se trata de uma personalidade complexa, com socialização defeituosa e traços neuróticos associados. Os distúrbios comportamentais não foram tão precoces (as escolas atestam aluno ajustado) como nos defeitos constitucionais e mais parecem conduta reativa, própria de conflitos inconscientes não resolvidos (Cf. "Acting-Out Dyscontrol"; Monroe: "Episodic Behavorial Disorder", in Arieti & Brody: American Handbook of Psychiatry, vol. m, capo 11). 21. Há referência a maconhismo, que é uma forma de toxidependência (Cf. Heuyer: Les Troubles Mentaux: étude criminologique, capo 21, Ed. PUF; Porot: "Canabismo", in Manuel Alphabetique de Psychiatrie, Ed. PUF). A disposição à busca de tóxico corresponde basicamente a dois mecanismos: neurose e psicopatia (personalidade psicopática). É claro que, no caso presente, o paciente tem toda a possibilidade de ser toxicófilo. É igualmente claro tratar-se de situação passível de tratamento. Sendo um dependente, somente haveria interesse médico-legal, se o uso do tóxico participasse do mecanismo psicodeliqüencial. Os dados processuais apresentados afastam esse interesse. 22. Finalmente, o anti-social é portador de mentira patológica, como referido na síndrome psicopática. Alguns dados levariam a se acreditar que o examinando também a apresentasse. Contudo, sua persistência negativa de ser autor ou co-autor do delito a ele atribuído ja está esclarecida com a confissão de outro indiciado, segundo informe verbal dos Patronos de C.T. Assim, afasta-se a mendacidade desse indiciado.
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c) Personalidade Psicopática
Psicopática
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"Evidenciada
a inimputabilidade
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"São imputáveis e capazes os portadores
de personalidade psicopática." - Acórdão da Segunda Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Relator Arnaldo Moura (Cf. ob. cit., p. 950/51). d) Personalidade Psicopática "Assim, não só por essas razões de interesse socialse impõea rejeiçãodos embargos, mais ainda, porque, embora personalidadepsicopática,o embargante foi consideradopelosPeritos, com plena responsabilidade,na ocasião do crime, com determinaçãonormal e perfeito enAcórdão das Câmaras Criminais tendimento do caráter criminosodo fato" Reunidas do Tribunal de Justiça do Estado da Guanabara, decisão unânime, Relator João Claudino de Oliveira e Cruz (Cf. ob cit., p. 987). De tudo isso, uma conclusão decorre imediata e clara: mesmo quando o diagnósticode personalidadepsicopática(anti-social)é inconteste,o grau de imputabilidade há de ser avaliado, semque esse diagnósticofirme, por si, obrigatória semi-imputabilidade. 24. Com os dados aqui reunidos é possívelestabelecer-sealgumas asserti-
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II
vas: 1~)Embora o examinando apresente traços de socialização defeituosa, tem também sintomas de conflito neurótico e sua conduta se apresenta com características do tipo reativo ("Acting-Out Dyscontrol" de Monroe). 2~) O diagnóstico de personalidade anti-social baseou-se em alguns traços da personalidade, minimizou outros, apoiou-se em informes e não se acompanhou de psicotestes e eletrencefalograma. 3~) A semi-imputabilidade foi firmada como simples e direta conseqüência do diagnóstico clínico psiquiátrico. 25. Depois de tudo visto e analisado, algumas conclusões podem ser estabelecidas:
23. É comum entender-se que o diagnóstico de personalidade psicopática ou anti-social implica diretamente semi-imputabilidade. Também assim já me pareceu (Cf. Ciência Penal 11 (3): 47-68; 1975), mas uma revisão de julgados convenceu-me de que cada caso há de ser apreciado em particular. O Código Penal, no parágrafo único do artigo... trata dos agentes que, ao tempo de ação ou omissão, não possuíam a plena capacidade de entender o caráter criminoso do fato, ou de se determinar de acordo com esse entendimento. Ora, uma avaliação dessas capacidades (entendimento e determinação) não pode ser feita de modo genérico e impessoal. Antes, há de ser elaborada em cada caso particular, frente às características personalfssimas de cada periciado e referindo-se a determinada ação ou omissão específica. Aliás, isso já faz parte de nossa jurisprudência, pois existem casos de personalidade psicopática (anti-social) tidos como imputáveis e até completamente inimputáveis (não me refIToaqui à responsabilidade, que está presente mesmo nos semi-imputáveis). Eis aqui alguns casos, como justificativa (grifos meus): a) Personalidade
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1~) O diagnóstico de personalidade anti-social (anteriormente denominada psicopática) somente pode ser aceito com alguma reserva, pois os componentes neuróticos (conflito com a figura paterna não resolvido, autodesvalorização, insegurança sexual) falam mais a favor de comportamento simbólico. É preferível considerá-Io uma personalidade complexa, com defeituosa socialização e traços neuróticos. 2~) Ainda que se aceite como sendo mesmo só um anti-social, os dados colhidos não sustentam clara e obrigatoriamente a semi-imputabilidade.
do réu
diante de prova hábil, não há opção ao juiz, eis que a improcedência da ação
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OUTRAS OBRAS DESTA EDITORA
PSICOLOGIA DO CRIME
3~) O periciado não apresenta mendacidade patológica, uma vez que a confissão de outro indiciado passa a eximi-Io da imputação que lhe foi feita. 26. A consulta que me foi apresentada (§ 2?) pode ser resumida nos quesitos seguintes:
CRIMEIMPossíVEL EA PROTEÇÃOAOS BENS JURíDICOS (2002)
1?) O Sr. C.T., face aos documentos apresentados para análise, é indubitavelmente portador de personalidade anti-social? 2?) Trata-se, sem a menor dúvida, de um caso de semi-imputabilidade, reclamando as medidas jurídicas conseqüentes? 27. Respostas aos quesitos:
Ao 2?: Os dados integrantes deste Parecer favorecem mais a imputabilidade plena. Confira-se o texto todo acima. Este é o meu Parecer, que entrego aos Consulentes para o uso devido.
O.R.M. Notas e referências
~~
Hé
.
Católica
Internacional
de Enlermedades
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Organización
CURSO BÁSICO DE MEDICINA lEGAL (8" ed., 6" tir., 2002) - Odon Ramos Maranhão
Registro
DIREITO PENAL SOCIETÁRIO
_
Data
Paname-
ricana de Ia Salud - Publicación Científica n. 246, 1972. 4. cm
9, Classificação Internacional
de Doenças (revisão 1975
-
Organização
Mun-
dial de Saúde - Centro da OMS), São Paulo, USP, 1978. 5. Robins, E., in Freedman, A.M., & Kaplan, H.L, ComprehensiveTextbook 01 Psychiatry, reimp. 1~ed., Baltimore,WilIiams& Wilkins, 1969,p. 957. Ele afirma que a "reação dissocial", observávelno delinqüenteprofissional,é uma "condição de vida". 6. Jenkins,R.L., "The psychopathicor antisocialpersonality",J. Nervous&Mental Dis., 131:319,1960. 7. Abrahamsen,D., The Psychology01Crime,Nova York, ScienceEd., 1960,capo VI, pp. 105-116.(Organizadopelo Autor).
CRIMES CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA(2" ed., 2002) - Roberto dos Santos Ferreira
DEGOlAs
1. DSM III, Diagnostic and Statistical Manual 01 Mental Disorders, 3~ ed., 10~pr., American Psychiatric Association, 1983. 2. DSM III R, Manual de Diagnóstico e Estatlstica de Distúrbios Mentais (trad. port.), Ed. Manole, 1989. 3. CID 8, Classificación
Marcelo Semer
CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA (2" ed., 1999) - Antonio Pagliaro & Paulo José da Costa Jr.
UNIVERSIDADE
Ao I?: Mesmo apresentando traços anti-sociais (psicopáticos), existem fortes indícios de neurose e comportamento simbólico, do tipo do acting-outdyscontrol. Confira-se o texto deste Documento.
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Prove qu~
compro comi liv
(2"ed., 1996) - Cesare Pedrazzi & Paulo José ela Costa Jr. LATROcíNIO (lá eel., 2" tir., 1997) - Marcelo Fortes Barbosa LAVAGEMDE DINHEIRO (1999) - Rodolfo Tigre Maia NEXO CAUSAL(2"ed., 1996) - Paulo José da Costa Jr. NULIDADESNO PROCESSO PENAL (5"ed., 2002) - Paulo Sérgio Leite Fernandes & Geórgia Bajer Fernaneles RESUMO DE DIREITO PENAL (Parte Geral) (22" ed., 2003) - Maximilianus C. A. Führer & Maximiliano R. E. Führer RESUMO DE DIREITO PENAL (Parte Especial) (2002) - Maximilianus C. A. Führer & Maximiliano R. E. Führer RESUMODEPROCESSOPENAL (17" ed., 2003) - MaximilianusC. A. Führer & Maximiliano R. E. Führer
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