Apostila de Introdução ao Direito I – Prof. André Uchôa
UNIDADE I - DIREITO
NOÇÃO DE DIREITO O homem como animal gregário Bipolaridade do Homem Ser Existencial Ser Coexistencial autonomia companhia individualismo relacionamentos egoísmo vida em grupo independência instituições Mundo Natural/Mundo Cultural Ser Existencial => Mundo Natural (reinos animal, vegetal e mineral) Ser Coexistencial => Mundo Cultural (produto da inteligência e do trabalho do homem, fruto daquilo que o homem produz para viver ou ter melhores condições de vida). Homem é meio natureza (como animal) e meio cultura (como produtor de bens). Atividades de Cooperação e Concorrência atividades humanas
cooperação convergência de interesses
concorrência paralelismo de interesses
(compra e venda, aluguel, etc.)
(direito de propriedade, exercício do comércio, etc.)
1
Apostila de Introdução ao Direito I – Prof. André Uchôa
Ordenamento Social Homem como ser gregário + Inteligência => Produção de bens => Divisão de trabalho => Suprimento das necessidades uns dos outros (já que não pode produzir tudo de que necessita para viver) => surgimento do organismo societário => Novos bens => Novas necessidades => Maior produção => Mais relacionamento => Mais atrito De início => Divergências => Força. Surgimento do organismo social => Regramento para solução dos conflitos. Surgimento do organismo social => Novos bens => Novas necessidades => Maior produção => Mais relacionamento => evolução dos meios de produção => Novos atritos => Novas regras ... A este fenômeno do regramento do convívio entre os homens chamaremos ordenamento social. Ordenamento social => Permanente processo de socialização do homem, adaptando-o ao convívio.
Ordenamento Social Métodos e preceitos que vão sendo criados pelo grupo para padronizar a conduta individual, adequando-a ao convívio. (Orlando de Almeida Secco)
2
Apostila de Introdução ao Direito I – Prof. André Uchôa
Instituições A sociedade humana tem um arcabouço natural sem o qual falhariam as tentativas de organizá-la: as instituições
Instituições São vigas estabelecidas pelo costume, pela razão e pelos sentimentos, que alicerçam a sociedade, estruturando-a. (Orlando de Almeida Secco)
Família Instituições Fundamentais
Estado Propriedade
Constituição Parlamento Tribunal Igreja Escola Sindicatos
Instituições Secundárias
Ordenamento Jurídico Organização e disciplinamento da sociedade realizados por intermédio do Direito, ou seja, concretizados através de normas exclusivamente jurídicas – (Orlando de Almeida Secco)
3
Apostila de Introdução ao Direito I – Prof. André Uchôa
Classificação das Normas (Miguel Reale e Hermes Lima) Partindo-se da divisão mundo natural/mundo cultural, Miguel Reale classifica as normas quanto à sua natureza: a) Norma físico-matemática: Tradução dos acontecimentos sucessivos, regulares e gerais, retratando os fatos ocorrentes na natureza Ex.: Lei da Gravidade, Lei da Dilatação dos Gases, etc.
Sociológica, histórica, econômica, etc. (juízos de valor sobre fatos sociais relevantes)
b) Norma cultural (resultado da relação entre os homens)
Ética,
moral, política, religiosa, jurídica, etc. (juízo de valor + obrigatoriedade de comportamento na busca da preservação de valores)
4
Apostila de Introdução ao Direito I – Prof. André Uchôa
Quanto à conduta humana, Hermes Lima classificou as normas como: a) Técnicas Indicam determinado modo de agir para atingir determinado fim. Estabelecem como se deve fazer algo, sendo infalível que, tanto a observância delas como sua inobservância, conduzem a conseqüências sempre previstas. Ex.: Regras de proteção contra incêndio, regras para utilização de um explosivo, etc.
b) Éticas Normas Éticas São aquelas que estabelecem um comportamento individual uniforme, adequado ao bem-estar da comunidade. Visam à integração do homem no grupo social, impondo a ele deveres e obrigações para garantirem certos valores, impondo-lhe sanção no caso de violação.
Valores norteadores da conduta humana: O belo, o útil, o santo, o amor, o poder, o bem individual, o bem comum, a boa fé, a coisa alheia, a vida, o bem estar do menor, a preservação da família Ex.: Nos dez mandamentos => “Não Matarás” => norma religiosa que tutela a vida, a que se atribui valor relevante Ex.: Art. 159 do Código Civil => “Aquele que (...) causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano” => regra jurídica de direito civil que tutela a propriedade 5
Apostila de Introdução ao Direito I – Prof. André Uchôa
JUÍZO DE REALIDADE E DE VALOR A partir destas divisões das normas anteriormente demonstradas, notamos a existência de juízos de realidade e juízos de valor. Notem que as regras físico-matemáticas, como também as normas técnicas e normas culturais do tipo sociológica, histórica e econômica retratam a realidade. Todas elas são fruto da observação do homem. Ele vê o fato ocorrer sistematicamente para, por fim, expressar um juízo de realidade, uma constatação de como os fatos ocorrem na realidade. Ex.: As coisas caem em razão da força da gravidade (norma fisicomatemática), o excesso de oferta faz com que os preços caiam (norma econômica). Tais regras são as regras do ser. As coisas são assim, ocorrem desta forma. Todavia, as normas éticas (moral, política, religiosa) expressam juízos de valor. Elas elegem certos valores a preservar e, a partir deles, impõem condutas aos homens.
6
Apostila de Introdução ao Direito I – Prof. André Uchôa
CONCEITOS DE DIREITO Essência Humana => Vida em Sociedade => Regras de Conduta (religiosas, morais, jurídicas) Nenhuma sociedade sobrevive sem uma normatização.
Direito é o conjunto de regras de organização e conduta que, consagradas pelo Estado, se impõem coativamente, visando a disciplina da convivência social. (Hermes Lima) Direito é uma ordem de conduta humana. Uma ordem é um sistema de regras. (Hans Kelsen) Direito é o conjunto de normas gerais e positivas que regulam a vida social. (Radbruch)
Outros significados podem ser dados ao vocábulo “Direito”: a) Conjunto de regras jurídicas (Direito como norma ou no sentido objetivo); b) Poder de um sujeito exigir a prestação de um dever por parte de outro (Direito Subjetivo); c) Ideal de justiça (Direito como justo); d) Setor do conhecimento humano que investiga e sistematiza os fenômenos jurídicos (Direito como ciência ou ramo do conhecimento).
7
Apostila de Introdução ao Direito I – Prof. André Uchôa
Definição etimológica do Direito O vocábulo direito surgiu na Idade Média (séc. IV) Baixo latim - directus (qualidade do que está conforme a reta, que não tem curvatura)
Romanos
jus
jus védico (textos sagrados da Índia) yós = bom, santo, divino justum = o que é justo, conforme a justiça
sânscrito (língua mais antiga da Índia) yu = vínculo, liame, ligação
8
Apostila de Introdução ao Direito I – Prof. André Uchôa
FUNÇÃO E FINALIDADE SOCIAL
DO
DIREITO
A atuação do Direito O Direito atinge o ser humano desde antes do seu nascimento até após a sua morte Antes do nascimento: Art. 4º do CC: “a personalidade civil do homem começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo desde a concepção os direitos do nascituro.” Art. 1.169 do CC: “a doação feita ao nascituro valerá, sendo aceita pelos pais.” Art. 125 do CP: “provocar aborto sem o consentimento da gestante: pena – reclusão, de 3 a 10 anos.” Art. 126 do CP: “provocar aborto com o consentimento da gestante: pena – reclusão, de 1 a 4 anos.” Ao longo de sua vida: Art. 5º, 6º e 9º do CC – fixando limites de idade para a prática de atos na vida civil. Art. 180 e seguintes do CC – regras de conduta para o relacionamento do homem com a mulher. Além destas regras, muitas outras controlam a conduta humana: normas para o exercício da profissão, normas para o exercício dos direitos políticos, etc.
9
Apostila de Introdução ao Direito I – Prof. André Uchôa
O direito está presente em diversos atos de nossas vidas, ainda que não o percebamos. Ex.: Ao tomarmos um ônibus, ao pescarmos um peixe (art. 592 do CC), ao comprarmos uma caixa de fósforos, etc. Após sua morte: Art. 1573 – “ A sucessão dar-se-á por disposição de última vontade, ou em virtude da lei.” Art. 1.576 – “havendo herdeiros necessários, o testador só poderá dispor da metade da herança.” O desequilíbrio social em face da ausência de normas Uma sociedade não sobrevive sem um ordenamento. Ex.: Líbano Os conflitos gerados a partir do exercício das atividades de cooperação e de concorrência Vimos que as atividades do homem se dividem em atividades de cooperação e atividades de concorrência. É possível que destas atividades resultem um entendimento harmônico. Todavia, pode ocorrer o contrário. Ex.: • Na atividade de cooperação, pode o vendedor não entregar a mercadoria vendida ou entregá-la com defeito. • Na atividade de concorrência, pode ocorrer um vazamento de água de um apartamento para outro apartamento vizinho.
A partir das explanações acima, podemos concluir quais seriam as finalidades do Direito. 10
Apostila de Introdução ao Direito I – Prof. André Uchôa
Existem diversas óticas sobre as reais finalidades do Direito. Numa visão mais prática, San Tiago e Dantas conclui que são finalidades do Direto a composição de conflitos, a prevenção de conflitos e a segurança nas relações entre os indivíduos. a) Composição de conflito Atividades de Cooperação/Atividades de Concorrência Divergência => Regra Jurídica de Composição de Conflito
=>
Obs.: • Critérios de composição dos conflitos voluntário autoritário jurídico
acordo entre as partes arbitrariedade (líder dita norma) aplicação de uma regra previamente elaborada
Características do critério jurídico anterioridade - a norma deve preexistir ao conflito publicidade - todos devem conhecer a regra universalidade - a norma deve atingir a todos b) Prevenção do conflito Atividade de Cooperação/Atividade de Concorrência => Regra Jurídica Norteadora do Comportamento => Inexistência de Conflito c) Segurança nas relações 11
Apostila de Introdução ao Direito I – Prof. André Uchôa
Atividades de Cooperação/Atividades de Concorrência Divergência => Inércia => Regra Jurídica de Segurança Ex.: Prescrição e decadência
=>
O cotidiano das nossas vidas => Regra jurídica => Segurança Para outros autores, como Paulo Nader, as finalidades do Direito seriam a JUSTIÇA e a SEGURANÇA Mas o que é
JUSTIÇA?
Justiça É a constante e firme vontade de dar a cada um o que é seu. (Ulpiano)
O que deve ser atribuído a cada um? O capitalismo e o socialismo não entendem da mesma maneira a repartição dos bens materiais na sociedade. Ex.: Salário equivalente ao trabalho; penalidade proporcional ao crime; guarda do filho menor pelo cônjuge inocente, etc. A justiça é absoluta? 1.
Linha positivista - Não. É algo subjetivo e as medidas do justo são variáveis e variam de grupo para grupo e até de pessoa para pessoa. “É um ideal irracional, um bonito sonho da humanidade”. Justo é aquilo que o legislador dispõe.
2.
Linha jusnaturalista - Sim. A medida do justo deriva do Direito Natural que é eterno, imutável e universal. Desde que o mundo é mundo, sempre se praticam guerras e massacres alegando que
12
Apostila de Introdução ao Direito I – Prof. André Uchôa
foram praticados em nome da justiça, isto é, todos que praticaram esses atos alegam que a justiça estava ao seu lado.
Importância da Justiça para o Direito A justiça se torna viva no Direito quando deixa de ser apenas idéia e se incorpora às leis, passando a ser exercitada na sociedade e praticada pelos tribunais.
Critérios da Justiça Igualdade (tratamento igual para situações iguais - art.5o.CF) 1.
Critérios formais Proporcionalidade (aquinhoar desigualmente aos desiguais, na medida que se desigualam)
Mérito (atribuir/retribuir demérito) 2. Critérios materiais
Capacidade 13
o
mérito
e
o
Apostila de Introdução ao Direito I – Prof. André Uchôa
(obras/trabalhos realizados salário/concursos)
=>
Necessidade (dar a cada um segundo suas necessidades => justiça social)
Classificação da Justiça
1.
Justiça Distributiva - repartição dos bens e dos encargos aos membros da sociedade pelo Estado. Orienta-se pelo critério da igualdade proporcional. Ex.: Ensino gratuito, assistência médico hospitalar, justiça penal.
2. Justiça Comutativa - preside a relação de troca entre os
particulares. Orienta-se pelo critério da igualdade quantitativa e não aritmética: “O valor de todas as coisas contratadas é medido pelo apetite dos contratantes, portanto o valor justo é aquele que eles acham conveniente oferecer.” - Hobbes. Ex.: Contrato de compra e venda.
3.
Justiça Geral - contribuição dos membros da comunidade para o bem comum. Também chamada de Justiça Legal, pois geralmente decorre da lei. Ex.: Serviço militar, o exercício do voto, etc.
4.
Justiça Social - proteção dos mais pobres e desamparados através da repartição mais equilibrada das riquezas. Pode coincidir com outras espécies: O justo salário é ao mesmo tempo justiça social e comutativa. Ex.: As nações mais ricas e poderosas devem favorecer as que se acham em fase de desenvolvimento.
14
Apostila de Introdução ao Direito I – Prof. André Uchôa
Obs.: “É estrito dever de justiça e verdade impedir que as necessidades humanas fundamentais permaneçam insatisfeitas e que pereçam os homens por eles oprimidos. Além disso, é necessário que esses homens carentes sejam ajudados a adquirir conhecimentos, a entrar no círculo das relações, a desenvolver as suas aptidões, para melhor valorizar as suas capacidades e recursos. ”- João Paulo II
Para outros, a finalidade do Direito seria o bem comum (justiça geral + distributiva + social)
Bem Comum Conjunto organizado das condições sociais, graças às quais a pessoa humana pode cumprir seu destino natural e espiritual. (Alípio Silveira)
Vale destacar o que disse John Raws: “cada pessoa tem uma inviolabilidade baseada na justiça que nem mesmo o bem-estar da sociedade pode sobrepujar.” Como se poderá chegar à justiça se não houver, primeiramente, um Estado organizado, com uma ordem jurídica definida? É aí então que devemos abordar o aspecto da SEGURANÇA.
Segurança Jurídica
15
Apostila de Introdução ao Direito I – Prof. André Uchôa
A certeza das coisas e a garantia de proteção => Eterna procura do homem. Plano jurídico => Segurança é primeira necessidade => Ordem No conflito entre Segurança e Justiça, a primeira deve prevalecer: “É necessário que os homens bons cumpram as leis más, para que os homens maus cumpram as leis boas.” – Sócrates
Historicamente => direito como meio de defesa da vida e do patrimônio do homem (dar a cada um o que é seu) Atualmente => direito como meio de dar a cada um o que seu + favorecer e estimular o progresso, a educação, a saúde e a cultura. Obs.: O direito só encontrará bases sólidas para atuar se houver uma sociedade que respeite certos princípios fundamentais (segurança). Só poderá haver justiça se houver segurança. Paulo Nader dividiu os princípios de segurança em 3 grupos: Princípios relativos à organização do Estado: • • • •
divisão dos poderes poder judiciário atuando de forma rápida poder judiciário dotado de aparato coercitivo garantias da magistratura
Princípios de direito estabelecido • positividade do Direito (manifestar-se em códigos ou costumes) • segurança de orientação (normas claras, simples e coerentes)
16
Apostila de Introdução ao Direito I – Prof. André Uchôa
• irretroatividade da lei (garantia contra a arbitrariedade) • estabilidade relativa do direito Princípios de direito aplicado • previsibilidade da sentença • respeito à coisa julgada • uniformidade e continuidade jurisprudencial Direito É um conjunto de normas de conduta social, imposto coercitivamente pelo Estado, para a realização da segurança, segundo os critérios da justiça – (Paulo Nader)
Conclusão Por tudo o que se disse, o Direito visa à ordem da sociedade na medida em que busca padronizar a conduta humana, para possibilitar o convívio entre os homens. Visa também à certeza, pois, sabendo o que o Direito espera dele, o homem pode pautar sua conduta. Com a certeza advém a segurança, já que através das regras de Direito, o homem sabe que, violado o seu direito, o Estado poderá ser acionado para reparar a lesão havida. A paz seria a quarta finalidade. Sendo a guerra e a desarmonia os meios de destruição do próprio homem, o Direito se utiliza da promoção da paz para a perpetuação da espécie. Por fim, o Direito objetiva a justiça, dando, como disse Ulpiano, a cada um o que é seu, consagrando um critério inerente à própria existência do homem. 17
Apostila de Introdução ao Direito I – Prof. André Uchôa
O DIREITO COMO CIÊNCIA
Ciência Conjunto organizado de conhecimentos relativos a um determinado objeto, especialmente os obtidos mediante a observação, a experiência dos fatos e um método próprio.
Para haver ciência é preciso: a) conhecimentos adquiridos metodicamente; b) conhecimentos que tenham sido objeto de observação sistemática; c) conhecimentos que contenham validez universal, pela certeza de seus dados e resultados. Os autores que negam a cientificidade do Direito, apoiam-se na ausência do terceiro requisito: Não é como fogo que arde do mesmo modo na Pérsia e na Grécia. Aristóteles Os que o afirmam, defendem a idéia de que “no lugar onde ele atua, tem validade universal” - Hans Kelsen
18
Apostila de Introdução ao Direito I – Prof. André Uchôa
Sob a ótica de que ciência é qualquer tipo de conhecimento racional e sistemático de realidade natural, social ou cultural, o direito é, sem dúvida, uma ciência.
A TRIDIMENSIONALIDADE DO DIREITO Para que haja um fenômeno jurídico, é necessário que haja: a) fato (social, econômico, geográfico, demográfico, de ordem técnica, etc.) b) valor (conferindo ao fato determinada significação que deve ser preservada) c) regra (relação ou medida que integra o fato ao valor) Fato, valor e regra não existem para o Direito, separados um do outro, mas coexistem numa unidade concreta, resultando desta integração dinâmica o Direito. Ex.: O Direito Cambial (norma) dispõe sobre transação comercial (fato de ordem econômica) e visa assegurar o crédito aposto numa nota promissória ou duplicata (valor). Ex.: “Matar alguém” - pena de 3 a 12 anos (norma) dispõe sobre um fato de matar uma pessoa (fato social) e visa assegurar a vida (bem maior do homem - valor).
19
Apostila de Introdução ao Direito I – Prof. André Uchôa
Ex.: Os pais devem prestar assistência a seus filhos (norma) - dispõe sobre a proteção aos menores (fato social) e visa assegurar a educação e o bem estar do menor, com vistas ao progresso social (valor). Ex.: “Aquele que (...) causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano” (norma) - dispõe sobre a proteção dos bens alheios (fato econômico) e visa assegurar esse patrimônio (valor). Com a criação da norma, o fato e o valor ficam interligados e entram no mundo jurídico como uma única coisa. O Direito ilumina o fato relevante.
Direito Ordenação heterônoma das relações sociais baseada numa integração normativa de fatos e valores. Maria Helena Diniz
A tridimensionalidade dá origem a três planos distintos. 1. Eficácia
(Fato => Ser => Sociologia Jurídica)
2. Vigência
(Norma => Dever Ser => Ciência do Direito)
3. Fundamento (Valor => Poder Ser => Filosofia do Direito) A Sociologia do Direito ocupa-se do Direito enquanto fato social. A Ciência do Direito ocupa-se do Direito enquanto norma.
20
Apostila de Introdução ao Direito I – Prof. André Uchôa
A Filosofia do Direito trata dos valores do Direito, dos ideais de justiça que são representados nas normas jurídicas e da finalidade última destas normas.
O DIREITO E A MORAL
DIREITO E MORAL = INSTRUMENTOS DE CONTROLE SOCIAL Moral identifica-se com a noção de “bem”. “Bem” = Ordem natural das coisas, o que a natureza revela, ensina aos homens. Sua assimilação deve-se à experiência somada à razão. “Bem” => Sistemas éticos => Normas morais => Conduta humana Moral
21
Apostila de Introdução ao Direito I – Prof. André Uchôa
Conjunto de práticas, costumes e padrões de conduta formadores da ambiência ética. Trata-se de algo que varia no tempo e no espaço, porquanto cada povo possui sua moral, que evolui no curso da história, consagrando novos modos de agir e pensar.
• Distinção entre Direito e Moral (Miguel Reale): a) Coercibilidade (Ex.: Ação de alimentos, etc.) Inicialmente dizia-se que o Direito era uma ordenação coercitiva da conduta humana - Hans Kelsen. Entretanto, a verdade é que o Direito é uma ordenação coercível da conduta humana. b) Heteronomia Regras jurídicas são impostas. Valem independente de nossa adesão ou opinião. (Heteronomia) Regras morais são aceitas unanimemente. Brotam de uma consciência coletiva. (Autonomia)
c)
Bilateralidade Atributiva É uma proporção intersubjetiva em função da qual os sujeitos de uma relação ficam autorizados a pretender, exigir, ou a fazer, garantidamente, algo. Miguel Reale ♦ sem relação que una duas ou mais pessoas não há Direito (bilateralidade em sentido social, como intersubjetividade); ♦ para que haja Direito é indispensável que a relação entre os sujeitos seja objetiva, ou seja, insuscetível de ser reduzida, unilateralmente, a qualquer dos sujeitos da relação (bilateralidade em sentido axiológico - proporcionalidade de valores); ♦ da proporção estabelecida deve resultar a atribuição garantida de uma pretensão ou ação, que podem se limitar 22
Apostila de Introdução ao Direito I – Prof. André Uchôa
aos sujeitos da relação ou estender-se a terceiros (atributividade).
Obs: A relação deve se estruturar segundo uma proporção que exclua o arbítrio e que represente a concretização de interesses legítimos, segundo critérios de razoabilidades variáveis em função da natureza e finalidade do enlace. Ex.: Contrato de compra e venda, seguro
Analisados estes pontos temos, então, um novo conceito de Direito: Direito É a ordenação heterônoma, coercível e bilateral atributiva das relações de convivência, segundo uma integração normativa de fatos conforme valores. – (Miguel Reale)
•
Distinção entre Direito e Moral (Washington de Barros Monteiro): a) campo da moral é mais amplo; b) o Direito tem coação, a moral é incoercível; c) a moral visa à abstenção do mal e a prática do bem. O Direito visa evitar que se lese ou prejudique a outrem; d) a moral dirige-se ao momento interno, psíquico, o Direito ao momento externo, físico (ato exteriorizado); e) a moral é unilateral, o Direito bilateral; f) A moral impõe deveres. Direito impõe deveres e confere direitos.
23
Apostila de Introdução ao Direito I – Prof. André Uchôa
Moral Sanção difusa Direito Sanção específica
Incoercível
Autônoma
Unilateral
Não atributiva
Coercível
Heterônimo
Bilateral
Atributiva
AS TEORIAS DOS CÍRCULOS • Círculo de Benthan Para alguns, Direito não se distingue da moral, sendo parte desta, armada, apenas, de garantias específicas. Daí resulta a Teoria dos Círculos Concêntricos (Benthan), que, desenvolvida por outros autores, resultou na TEORIA DO MÍNIMO ÉTICO - (Jellinek).
Direito
Moral 24
Apostila de Introdução ao Direito I – Prof. André Uchôa
Direito
Moral
Teoria dos Círculos Concêntricos O Direito representa um mínimo de moral declarado obrigatório para que a sociedade possa viver. Como nem todos querem cumprir espontaneamente as regras morais, é indispensável armá-las de forças suficientes a obrigar sua obediência.
•
Teoria dos Círculos Secantes (Du Pasquier)
Além do que é moral, existem o imoral e o amoral. Amoral = tudo aquilo que é indiferente à moral. (Ex: Regras de trânsito, regras processuais sobre competência, prazos, etc.) Existem normas jurídicas que estão fora da área abrangida pela moral.
Direito
Moral
25
Apostila de Introdução ao Direito I – Prof. André Uchôa
•
Teoria dos Círculos Independentes (Hans Kelsen)
A idéia de Direito não guarda relação alguma com a moral. Apega-se à visão normativista tendo como base a própria validade da norma jurídica
Direito
Moral
Direito
Para Kelsen, Direito é o que está na lei, é o Direito positivado.
INFLUÊNCIA DA MORAL NO DIREITO Os campos da moral e do Direito entrelaçam-se e interpenetram-se de diversas maneiras. As normas morais tendem a converter-se em normas jurídicas. Ex: O dever do pai de velar pelo filho => art. 226, § 4º e art. 227, da CF Ex: A indenização por acidente de trabalho => Lei 8.213 A moral inspira o Direito.
26
Apostila de Introdução ao Direito I – Prof. André Uchôa
27
Apostila de Introdução ao Direito I – Prof. André Uchôa
UNIDADE II – DIVISÃO DO DIREITO
NOÇÕES PRELIMINARES
Tragédia Grega (Sófocles) O Rei Creonte condena o irmão de Antígona à morte sem direito a funeral. Antígona se rebela e o enterra. Ao ser julgada por seu ato, Antígona alega em sua defesa: “Eu não creio que os teus editos valham mais do que as leis nãoescritas e imutáveis dos Deuses, que não são de hoje e nem de ontem e ninguém sabe quando nasceram”. Antígona é condenada à pena de ser enterrada viva. O ser humano guarda dentro de si normas de comportamento superiores ao Direito positivo. São leis não escritas que ordenam o respeito a Deus, à liberdade, aos bens, à defesa da Pátria e constituem bases permanentes e sólidas de toda a legislação.
Legislação Russa
Legislação Americana
Boa-fé, preservação da família, a integridade dos menores, respeito a Deus, etc.
Legislação Portuguesa
Legislação Francesa 28
Apostila de Introdução ao Direito I – Prof. André Uchôa
Direito Natural Direito Natural É o ordenamento ideal, correspondente a uma justiça superior e suprema.
• Platão e Aristóteles Leis Divinas Platão Leis Humanas Direito Natural - Leis universais, imutáveis, estabelecidas pela natureza Aristóteles Direito Legal - Leis particulares e diversificadas, mutáveis no tempo e no espaço, elaborada pelos homens Platão (Sócrates) => Razão (lado Divino do homem) + Idéia do bem = Justiça (virtude suprema) Justiça + Eqüidade = Bem Direito Natural x Direito Civil ou legal Aristóteles
Direito Natural não resulta da vontade Divina, mas da própria razão humana e de sua natureza A razão possibilita distinguir o justo do injusto
• Santo Tomás de Aquino 29
Apostila de Introdução ao Direito I – Prof. André Uchôa
Na Idade Média, Santo Tomás de Aquino resume o Direito Natural com a seguinte frase: “É preciso fazer o bem e evitar o mal”. Para ele, o Direito Natural tinha origem Divina. Quarenta e oito anos após sua morte, foi canonizado, pois suas teses tinham grande aceitação na Igreja Católica. • Hugo Grócio Direito Natural
=
Religião
Direito Natural existiria mesmo que Deus ou qualquer outra divindade não existisse. Na declaração dos Direitos do Homem e do cidadão, os franceses colocam o Direito Natural como limite do poder legislativo. “O fim de toda associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescindíveis do homem.” - art. 2º Com o positivismo (séc. XIX), o Direito Natural cai no ostracismo. Positivistas => Todo conhecimento deve ser baseado nos fatos e na realidade concreta do homem => Surge o termo Direito Positivo => Vale o que está escrito O Direito Natural volta à cena através do neotomismo (revigoramento dos ensinamentos de Santo Tomás de Aquino)
• Le Fur 30
Apostila de Introdução ao Direito I – Prof. André Uchôa
audição, visão, olfato, paladar, tato Sentidos do Homem verdade, belo, útil, bem, justo (este último é o mais importante) Com base no sentido do justo, elegeu três princípios fundamentais: 1. Respeitar os contratos livremente feitos; 2. Reparar o prejuízo injustamente causado; 3. Respeitar a autoridade pública. Princípios fundamentais => Direito justo => Bem comum Para Le Fur, Direito Natural tem sua essência no Direito Justo, e este seria imutável no tempo e no espaço. • Stammler Direito Natural => Ideal de justiça (como Le Fur) Mas seria a justiça imutável no tempo e no espaço? A noção do justo é mutável, então o Direito Natural também o seria.
Direito Natural É o Direito justo de conteúdo variável. (Stammler)
• Georges Rennard 31
Apostila de Introdução ao Direito I – Prof. André Uchôa
1.
Normas primárias Imutáveis - resumidas na máxima “É preciso fazer o bem”
2.
Normas secundárias Conteúdo variável – em face do processo histórico-humano (progressivo)
Direito Natural
Direito Natural de conteúdo permanente e Direito Natural de conteúdo progressivo. Como uma bússola, o Direito Natural conduziria o Direito Positivo ao objetivo final, o bem comum, o ideal de justiça. Assim, deixa de ser o Direito Natural antagônico ao Direito Positivo, como queriam os positivistas, passando agora o primeiro a ser norteador do segundo. Para Paulo Dourado de Gusmão, o ponto comum de todas as teorias é a concreta crença na existência e vigência de um Direito (ou princípios morais), cuja finalidade fundamental é a proteção da pessoa humana contra os abusos do poder. Contudo, outras forças além do Direito Natural atuam na formação do Direito Positivo. Ora fazendo nascer leis justas, ora criando leis que afrontam os ideais de justiça.
32
Apostila de Introdução ao Direito I – Prof. André Uchôa
Direito Positivo Vida em Sociedade => Ordenamento Social (normas religiosas, morais, de trato social, jurídicas) => Ordenamento Jurídico • Ordenamento Jurídico
É a organização e o disciplinamento da sociedade através do Direito. Este disciplinamento é um sistema em que as normas guardam uma conexão entre si, fazendo um todo harmonioso. Ex: Art. 338 => 1603 => 1572 todos do CC Ex: Art. 5º, XXII da Constituição => 524 do CC => 530 do CC
A desarmonia das normas acabaria por gerar mais conflitos no lugar de solucioná-los.
Direito Positivo É o ordenamento jurídico em vigor num determinado país e numa determinada época – (Washington de Barros Monteiro)
Os positivistas negam a existência e validade do Direito Natural por considerá-lo um ideal de justiça a ser atingido pelo homem. Para eles, só existe o Direito Positivo, imposto pelo Estado, reconhecido pelo corpo social e pelos magistrados.
33
Apostila de Introdução ao Direito I – Prof. André Uchôa
DIREITO POSITIVO
“É o Direito efetivamente observado em uma comunidade (...) o direito efetivamente aplicado pelas Autoridades do Estado, ou pelas organizações internacionais (...) o direito histórica e objetivamente estabelecido e efetivamente observado nas leis, nos códigos, tratados internacionais, costumes, regulamentos, decretos, etc.” (Paulo D. de Gusmão)
Diferenças entre Direito Natural e Direito Positivo Direito Positivo
Direito Natural
Temporal
Atemporal
Existe em determinada época
Vigência
Independe de vigência
Observância pela sociedade e aplicação pelo Estado
Formal
Informal
Depende de formalidades para sua existência
Não hierárquico
Hierárquico Ordem de importância estabelecida entre as regras
Independe de local
Dimensão espacial Vigência em local definido
Criado pelo homem
Emerge espontaneamente da sociedade Não escrito
Fruto da vontade do homem
Escrito Códigos, leis, jurisprudência
Mutável
Imutável
Altera-se mediante a vontade do homem
34
Apostila de Introdução ao Direito I – Prof. André Uchôa
Machado Neto dá o jusnaturalismo como totalmente superado: (...) o Direito Natural, longe de ser ciência, era apenas ideologia, tolerável num tempo em que os instrumentos teóricos da filosofia não tinham ainda sido convenientemente elaborados para a exploração fecunda do problema dos valores, e hoje inteiramente superada pela fundamentação axiológica jurídica (...)
Miguel Reale coloca o Direito Natural em termos de axiologia: A experiência histórica demonstra que há determinados valores que, uma vez trazidos à consciência histórica, se revelam ser constantes éticas inamovíveis que, embora ainda não percebidas pelo intelecto, já condicionavam e davam sentido à práxis humana.
Orlando de Almeida Secco afirma: Ao nosso modo de ver, de fato, não pode ser negada, ainda nos dias atuais, a existência do Direito Natural, ao menos como sendo um complemento do Direito Positivo, constituindo ambos uma só unidade para integração do direito vigente. Embora reconheçamos ter havido um declínio do jusnaturalismo no passado, há nesta época um sensível florescimento.
35
Apostila de Introdução ao Direito I – Prof. André Uchôa
DIREITO OBJETIVO E DIREITO SUBJETIVO SÃO
CONCEITOS DE UMA MESMA REALIDADE, INTERDEPENDENTES E COMPLEMENTARES.
DIREITO
OBJETIVO É O CONJUNTO DE NORMAS JURÍDICAS IMPOSTAS AO
HOMEM COM FIM DE SATISFAZER AOS SEUS INTERESSES. NORMA AGENDI.
SIGNIFICA
É O DIREITO ENQUANTO NORMA.
O direito objetivo é expresso através de modelos abstratos de conduta. São modelos normativos genéricos que não individualizam as pessoas neles envolvidas. Direito subjetivo é o poder de exigir uma determinada conduta de outrem, conferido pelo direito objetivo, pela norma jurídica. A relação jurídica vincula, a partir da ocorrência de certo fato, duas ou mais pessoas, criando direitos para uma delas e deveres para outra. O direito subjetivo é exatamente o poder conferido à primeira de exigir que a outra parte cumpra aqueles deveres determinados nas normas. O direito subjetivo sempre nasce de um fato, que, por estar inserido no ordenamento jurídico, chamamos de fato jurídico. Com a ocorrência do fato, a norma, colocada abstratamente no direito objetivo, se materializa, dando origem à pretensão. Assim, ao ocorrer um acidente de trânsito, surge para a vítima a pretensão, ou o poder de exigir, a reparação do dano por aquele que lhe deu causa, titular do dever jurídico correlato. Elementos do direito subjetivo: Sujeito => Pessoa humana ou pessoa jurídica Objeto => O bem jurídico sobre o qual o sujeito exerce o poder conferido pela ordem jurídica 36
Apostila de Introdução ao Direito I – Prof. André Uchôa
Direito Público, Direito Privado e suas Divisões
Segundo San Tiago Dantas, o Direito Clássico Romano dividiase da seguinte forma:
ius civile -
Direito Romano (divisão clássica)
Em vigor no Império (engloba o direito público e o direito privado)
ius gentium – Forma-se naturalmente em qualquer agregado humano, surge espontaneamente como um Direito que lhes é peculiar ius naturale - Acima das divisões entre os povos (fonte de inspiração para toda e qualquer legislação)
37
Apostila de Introdução ao Direito I – Prof. André Uchôa
Com a queda do Império Romano, a expressão Direito Civil passa a indicar todo aquele Direito Privado elaborado pelos romanos e que estava consubstanciado em seus monumentos legislativos que compunham o Corpus Juris Civilis.
Daí em diante, o Direito Civil seria sinônimo de Direito Privado, continuando a ser Direito Público as demais normas que diziam respeito à organização do Estado e onde havia a predominância de seus interesses.
Nos fins da Idade Média, na época de transição para o Renascimento, há uma quebra do Direito Privado, resultante do agrupamento de comerciantes em corporações profissionais.
Como os Romanos já distinguiam dentro do jus civile o Direito Público e o Direito Privado, pois como dizia Ulpiano “Direito Público é o que diz respeito ao Estado Romano e Direito Privado atende aos interesses de cada um (...)”, permaneceu esta distinção até os dias atuais.
38
Apostila de Introdução ao Direito I – Prof. André Uchôa
Nem todos os autores dividem o Direito entre Público e Privado, resultando diferentes teorias: 1 Teorias Monistas 1.1 Existência exclusiva do Direito Público (Hans Kelsen) Todo direito é público por excelência. As relações jurídicas existentes se apoiam na vontade do Estado, já que este é o responsável direto e imediato pela segurança e harmonia social. Assim, todas as formas de produção jurídica se apoiam na vontade do Estado, inclusive os negócios jurídicos firmados entre os particulares, que apenas realizam a individualização de uma norma geral. A propósito, sustenta Jellinek que “o Direito Privado só é possível porque existe o Direito Público.” 1.2
Existência exclusiva do Direito Privado (Rosmini e Ravà)
Direito Privado => Único durante séculos => Nível de aperfeiçoamento não atingido, ainda, pelo Direito Público Observações: Liberalismo => Prevalência do Direito Privado sobre o Público. O Direito Público é uma forma de proteção ao Direito Privado, especialmente ao direito de propriedade. Anarquismo => Privatização absoluta do direito. Socialismo => Publicização do Direito, com reduzida parcela das relações sob o domínio do Direito Privado.
39
Apostila de Introdução ao Direito I – Prof. André Uchôa
2 Teorias Dualistas: 2.1 Substancialistas (conteúdo da norma jurídica) 2.2 Formalistas (forma com que a relação jurídica é desenvolvida) 2.1 Substancialistas a) Teoria do Interesse em Jogo ou Teoria Clássica ou Teoria Romana - o direito será público ou privado de acordo com a predominância dos interesses. “Direito Público é o que se liga ao interesse do Estado romano; Privado, o que corresponde à utilidade dos particulares” (Ulpiano) Crítica - Tudo o que interessa ao Estado há de interessar aos seus cidadãos e tudo o que interessa aos cidadãos, de certa forma, interessa ao Estado. Dernburg => Predominância do interesse do Estado x Predominância dos interesses particulares b) Teoria do Fim Finalidade do Direito => Estado = Direito Público Finalidade do Direito => Indivíduo = Direito Privado Crítica - Quando o Estado adquire um bem imóvel, as normas reguladoras serão de Direito Privado, segundo o Código Civil
40
Apostila de Introdução ao Direito I – Prof. André Uchôa
2. 2 Formalistas a) Teoria do Titular da Ação Iniciativa da ação pelo Estado => Direito Público Iniciativa da ação pelo particular => Direito Privado Crítica - Há normas de Direito Público que, sendo violadas, impõem a iniciativa privada para que se restabeleça a ordem. Assim, não é a natureza da ação que determina o caráter da norma, o verdadeiro é o inverso. b) Teoria da Natureza da Relação Jurídica Poder Público participando da relação jurídica investido de seu imperium, impondo sua vontade => Relação de subordinação => Direito Público Particulares num mesmo plano de igualdade na relação jurídica => Relação de coordenação => Direito Privado
41
Apostila de Introdução ao Direito I – Prof. André Uchôa
3 Teorias Trialistas: Além dos Direitos Público e Privado, admitem alguns estudiosos um terceiro gênero, chamado por alguns de Direito Misto e por outros de Direito Social Misto Direito Profissional
Comercial do Trabalho Legislação Social
• Paul Roubier Direito Misto Direito Regulador
Direito de Família Direito do Trabalho Direito Profissional
• Paulo Dourado de Gusmão Direito Misto
• Orlando Secco DIREITO SOCIAL
Penal Processual
Direito do Trabalho de Previdência e Assistência Social de Minas Marítimo AERONÁUTICO OU AÉREO Agrário ou Rural Atômico ou Nuclear
A A A
42
Orlando Secco 1ª Dimensão - DIREITO PÚBLICO a) b) c) d) e) f) g) h) i) j)
Constitucional Administrativo Penal Processual ou Judiciário Financeiro (Tributário-Fiscal) Canônico Internacional Público do Menor Eleitoral Político
2ª Dimensão - DIREITO PRIVADO a) b) c) d)
Civil Comercial Industrial Internacional Privado
I.
Paulo D. de Gusmão DIREITO PÚBLICO
a) b) c) d) e) f) g) h) i) j) k) l) m) n) o) p) q)
Direito Público Interno Constitucional Administrativo Penal Judiciário Eleitoral Processual Financeiro Político Penal Interestatal Penitenciário Internacional Privado Direito Público Externo Internacional Público Espacial Penal Internacional Diplomático
II.
DIREITO PRIVADO
a) b) c) d)
Civil Comercial Privado Disciplinar Comum
III.
DIREITO MISTO
a) b) c) d) e) f) g) h) i) j) k) l) m)
Trabalhista Social Econômico Marítimo Aeronáutico Agrário Industrial de Família de Navegação Sindical Profissional Nuclear Falimentar
3ª Dimensão - DIREITO SOCIAL a) b) c) d) e) f) g)
do Trabalho de Previdência e Assistência Social de Minas Marítimo Aeronáutico ou Aéreo Agrário ou Rural Atômico ou Nuclear
4ª Dimensão - DIREITO CÓSMICO a)
Espacial
(Orlando Secco) Estabeleçamos agora uma breve noção de cada um desses ramos inseridos no quadro sinóptico da divisão quadridimensional: 1. Direito Constitucional - regula a estrutura fundamental do Estado e determina as funções dos respectivos órgãos. As suas normas referem-se à organização fundamental do Estado e regem a estruturação e o funcionamento dos seus órgãos, além das relações mantidas com os cidadãos. 2. Direto Administrativo - regula não só a organização como também o funcionamento da administração pública. As suas normas referem-se às relações dos órgãos do Estado entre si ou com os particulares. Esse direito‚ estabelece as bases para a realização do serviço público, isto é, da atividade estatal dirigida à satisfação das necessidades coletivas consideradas de fundamental importância. 99.1
3. Direto Penal - tipifica, define e comina sanções aos atos considerados ilícitos penais. As suas normas regulam a atuação do Estado no combate ao crime, sob as formas de prevenção e repressão.
Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
4. Direto Processual (também chamado Direito Judiciário) -regula o exercício do direito de ação, assim como a organização e funcionamento dos órgãos judiciais. As suas normas disciplinam todos os atos judiciais, tendo em vista a aplicação do Direito ao caso concreto. É o ramo que se dedica à organização e que regula a atividade jurisdicional do Estado para a aplicação das leis a cada caso. 5. Direito Financeiro (também chamado Direito Tributário ou Direito Fiscal) - regula as finanças públicas, mediante disciplinamento das receitas e das despesas. Disciplina os recursos financeiros do Estado, provenientes dos impostos, taxas, contribuições, tarifas e demais meios de arrecadação, e as relações do Estado com os contribuintes.
1
6. Direito Canônico (apontado como sendo um ramo do Direito Público por Jellinek) - o que regula as relações da Igreja. Consiste em um conjunto de normas disciplinares que regulam a vida de uma comunidade religiosa ou as decisões dos seus concílios. 7. Direito Internacional Público - regula as relações dos Estados soberanos entre si. As normas tutelam as relações dos titulares de direitos subjetivos no plano internacional e estabelecem o regime jurídico da convivência dos Estados soberanos, regulando as relações dos países considerados como sujeitos de direito e de deveres, estabelecidos por acordo, ou pelo costume. 8. Direito do Menor - regula todos os aspectos e medidas à assistência, proteção e vigilância a menores de dezoito anos que se encontrem em situação irregular, segundo a definição legal, e a menores de dezoito a vinte e um anos de idade nos casos expressos em lei.
99.1 Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
9. Direito Eleitoral - regula todos os aspectos pertinentes ao sufrágio. As suas normas destinam-se a assegurar a organização e o exercício do direito de votar e ser votado. 10. Direito Político - regula os direitos e os deveres do Estado no âmbito interno, abrangendo a denominada Teoria Geral do Estado (irmã gêmea da "Introdução ao Estudo do Direito") e a História das Idéias Políticas. 11. Direito Civil - regula os interesses fundamentais do homem no que concerne às relações dos indivíduos com as próprias pessoas, com os seus bens, com as suas obrigações e ainda no que diz respeito às sucessões. 12. Direito Comercial - regula as relações jurídicas inerentes ao comércio. Normas que disciplinam sob os mais variados aspectos a atividade mercantil.
2
13. Direito Industrial - regula a propriedade industrial, envolvendo principalmente os aspectos relacionados à concessão de privilégios e de registros, assim como os concernentes à repressão a falsas indicações de procedência e a concorrência desleal. 14. Direito Internacional Privado (DIP) – dedica-se à solução dos conflitos de leis no espaço. 15. Direito do Trabalho - o que regula as relações trabalhistas. Suas normas referem-se à organização da vida do trabalho, privado e subordinado, sob os mais variados aspectos, inclusive acerca dos direitos e interesses legítimos dos trabalhadores. 16. Direito da Previdência e Assistência Social - disciplina precipuamente a garantia dos meios indispensáveis à manutenção, por idade avançada, incapacidade, tempo de serviço, encargos familiares, prisão ou morte, dos trabalhadores, à manutenção dos seus beneficiários, assim como a organização dos serviços destinados à proteção da saúde e bem-estar deles.
99.1 Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
17. Direito de Minas - regula precipuamente as questões concernentes aos recursos minerais, sua industrialização e produção, assim como a distribuição, o comércio e o consumo de produtos minerais. 18. Direito Marítimo - regula a navegação e cabotagem, a indústria e o comércio marítimos. 19. Direito Aeronáutico ou Aéreo - regula as questões pertinentes à navegação aérea sob os seus mais variados aspectos. 20. Direito Agrário ou Rural - regula as questões concernentes ao exercício da agricultura e atividades rurais sob os seus mais amplos aspectos.
3
21. Direito Atômico ou Nuclear - regula principalmente a limitações e a utilização das armas atômicas e disciplina as questões concernentes à energia nuclear. 22. Direito Espacial - regula as questões relativas ao chamado "Espaço Exterior" e aos corpos siderais, principalmente no que diz respeito à exploração e uso dos mesmos, sem que haja apropriação pelos exploradores e usuários.
Relembrando a classificação inicial de Paulo Dourado de Gusmão, teremos:
Interno Internacional
99.1 Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
• Direito Público
• Direito Privado Falamos dentro do Direito Público, sobre Direito Interno. O QUE SERIA DIREITO INTERNACIONAL? DIREITO INTERNACIONAL É o conjunto de regras consuetudinárias e convencionais que rege as relações dos Estado soberanos, protege os direitos humanos e cuida do meio ambiente.(Paulo Dourado de Gusmão)
Até bem pouco tempo, simplesmente regia as relações entre os Estado soberanos. 4
Os Estados não são auto-suficientes => Desenvolvimento dependente do comércio externo e de investimentos de organizações estrangeiras => Conveniência à submissão e às convenções internacionais
Do consenso dos Estados depende a vigência dos tratados internacionais, aos quais soberanamente se submetem ou se desvinculam, denunciando-os. A obrigatoriedade dos tratados funda-se no princípio fundamental do Direito Internacional: pacta sunt servanda (os Estados devem respeitar os pactos por eles livremente estabelecidos).
99.1 Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
O tratado transforma-se em Direito Interno, tendo força de lei quando, na forma prevista na Constituição, for aprovado pelo Congresso Nacional através de decreto legislativo e, por decreto do Presidente da República, for promulgado. Ex.: Lei Uniforme sobre cheque, adotada pela convenção de Genebra de 1931
5
Além da fundamental divisão entre Direito Público e Direito Privado, outras existem: Direito Geral e Direito Particular Prendem-se ao âmbito territorial de sua aplicação. Entre nós vigem três órbitas: federal, estadual e municipal.
99.1 Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
Direito Comum e Direito Especial Prende-se à generalidade ou não de sua aplicação. O Direito Comum atinge todas as relações, de uma bem abrangente, excetuando-se àquelas regidas pelo Direito Especial. Ex.: Direito Penal x Direito Penal Militar Direito Civil x Direito Comercial Direito Constitucional x Direito Administrativo Direito Financeiro x Direito Tributário Obs.:
Código do Consumidor e propriedade literária e industrial
legislação
sobre
6
Direito Regular e Direito Singular Prendem-se à sistematização ou não de suas regras. O Direito Regular é aquele que rege a vida social nos momentos de normalidade. O Direito Singular é uma excepcionalidade e tem índole transitória. Ex.: Atos institucionais posteriores à Revolução de 31 de março de 1964.
99.1 Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
7
UNIDADE III – FONTES DO DIREITO
Noção
O Direito garante a paz e a harmonia da sociedade, propiciando sua sobrevivência, mediante a proteção de valores sociais, efetivada pela da norma jurídica. Questões: 1. Quando, onde e por que surgem estes mandamentos jurídicos? 2. Como eles nascem e o que os fazem surgir no cenário social? O nascimento das normas jurídicas pode ser visto por duas óticas distintas:
99.1
1. Sociologia Jurídica - surgimento da norma como fenômeno social. 2. Jurídica - processo legal de formação da lei (apresentação do projeto de lei, votação, revisão, sanção, promulgação e publicação)
Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
Pela ótica da Sociologia Jurídica => Ponto nuclear => Valor social
VALOR É tudo aquilo que é desejável . (Dicionário de Filosofia) Ex.:
Tudo aquilo que é desejável no campo da religião chamamos de valores religiosos.
8
Chamamos de valores morais tudo aquilo que é desejável na busca natural do homem pela realização do bem. Se as normas éticas (religião, moral, direito, tratos sociais) são normas sociais, pois giram em torno da sociedade, os valores por elas protegidos são valores sociais. Os valores religiosos se modificam => Novas normas religiosas Os valores morais se modificam => Novas normas morais O mesmo fenômeno ocorre com o Direito. Ex.: Há poucos anos, não se falava em ecologia, camada de ozônio, índices tóxicos de produtos químicos, etc.
99.1 Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
A partir das descobertas sobre a importância da preservação da natureza para o homem, nasce em seu espírito a idéia de que é desejável o controle da poluição atmosférica, quer pelo ar que respiramos, quer pela preservação da camada de ozônio. É também desejável que bebamos água mais pura e não nos alimentemos com legumes e verduras contaminadas com agrotóxicos. Para atingir estes fins, há que se coibir as ações poluidoras da atmosfera, bem como punir aqueles que despejam dejetos químicos na águas.
Necessidade humana => Novos valores a preservar => Nascimento de novas normas jurídicas
9
Fontes Materiais e Formais - Fontes Diretas e Indiretas
Fonte = Nascedouro = Ponto de origem
Estudar as Fontes do Direito significa aprofundar-se no conhecimento do ponto de origem do Direito, no seu nascedouro.
99.1 Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
Paulo Nader divide as fontes do Direito da seguinte forma:
Diretas 1. Fontes Materiais Indiretas Fontes da Norma Jurídica
Diretas 2. Fontes Formais Indiretas 3. Fontes Históricas
10
Fontes Materiais (de produção ou substanciais) - A palavra material vem de matéria, significando substância, essência, para indicar justamente aquelas fontes que têm substância. Subdividem-se em: ♦Fontes Materiais Diretas ou Imediatas - São aquelas fontes que criam diretamente as normas jurídicas, representadas pelos órgãos legiferantes: a) o Poder Legislativo - quando elabora e faz entrar em vigor as leis; b) o Poder Executivo - quando excepcionalmente elabora leis; c) o Poder Judiciário - quando elabora jurisprudência, ou quando excepcionalmente legisla; d) os doutrinadores - quando, desenvolvendo trabalhos, elaboram doutrinas utilizadas pelo aplicador da lei e e) a própria sociedade - quando consagra determinados costumes.
99.1 Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
1.
Fontes Materiais Indiretas ou Mediatas - são fatos ou fenômenos sociais que ocorrem em determinada sociedade trazendo como conseqüência o nascimento de novos valores que serão protegidos pela norma jurídica.
♦
11
Fontes Formais (ou de conhecimento) - são as formas de expressão do Direito. As maneiras pelas quais ele se faz conhecer. Fonte Formal Direta ou Imediata: a lei ♦ Fontes Formais Indiretas ou Mediatas: costumes, doutrina e atos regras. ♦
Observações: Outros autores ampliam o rol: analogia, costumes, princípios gerais do Direito, eqüidade, doutrina, jurisprudência, Direito Comparado.
Lei de Introdução ao CC, arts. 3o e 4o.
Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
99.1
2.
Países que seguem a tradição romano-germânica (Brasil) => Principal fonte = Lei (os costumes são fontes suplementares indiretas) => Vantagem da certeza legal Nos Países que adotam o sistema jurídico da commom law, o costume tem grande força como fonte formal Direito. O costume se reflete nos chamados “precedentes judiciais” => Vantagem representada pela maior fidelidade dos usos e costumes às aspirações imediatas do povo.
Atos-regras - diferentes espécies da atos jurídicos que, apesar de não possuírem generalidade, atingem um contingente de indivíduos: estatutos de entidades, consórcios, contratos particulares e públicos, contratos coletivos de trabalho, etc.
12
3.
Fontes Históricas - são as que indicam a origem das instituições do Direito. Representam todas as legislações passadas, assim como os fundamentos jurídicos expostos na criação da norma jurídica.
Ex.: Havendo dúvidas sobre um dispositivo da Lei do Divórcio, podemos buscar seu fundamento ou esclarecimento nas leis anteriores que tratavam do instituto casamento ou no próprio Congresso Nacional, onde encontraremos reproduções de discursos que sustentavam aprovação da Lei do Divórcio, assim como a exposição de motivos do projeto dando o fundamento jurídico de sua apresentação. Já na visão de Paulo Dourado de Gusmão, as fontes do direito podem ser assim divididas: 99.1
Materiais
Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
Estatais
Leis, Decretos, Regulamentos
JURISPRUDÊNCIA
Fontes do Direito
Infra-Estatais Formais
Costumes Doutrina
Costumes Internacionais
Supra-Estatais Tratados e Convenções Internacionais
13
Obs.: A jurisprudência poderia ser vista como fonte estatal, uma vez que os tribunais são órgãos do Estado.
1 . Fontes Materiais - Considera aqueles fatos e fenômenos sociais (econômicos, sociais, morais, políticos, etc.) que farão surgir novos valores a serem tutelados pelo Direito. Obs.: O autor não subdivide as fontes materiais em diretas e indiretas. Cuida das fontes diretas como formais, isto é, na forma de expressão do Direito. 2 . Fontes Formais - “São as formas pelas quais o Direito Positivo se manifesta na história.”
99.1
Dividem-se em: ♦ Fontes Formais Estatais - São formas de expressão do Direito originadas no Estado, em regra, no Poder Legislativo. Podem ser dividas, por sua vez, em: Leis Constitucionais, Leis Complementares, Leis Ordinárias, Medidas Provisórias, Decretos, Regulamentos, Portarias, etc. Fontes Formais Infra-estatais - As que surgem independentemente do normal processo legal de formação, sem a interferência direta do Estado: jurisprudência, costumes e doutrina.
♦
Fontes Supra-estatais - No plano internacional, temos normas jurídicas cuja elaboração independe da vontade do Estado: os chamados costumes internacionais. Há outras em que o Estado participa da elaboração e aplicação, mas não com a mesma exclusividade que se dá no plano interno: tratados e convenções internacionais.
Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
♦
14
Lei, Costume, Doutrina e a Jurisprudência (súmula vinculante)
99.1
Lei
Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
a) Introdução LEI Toda norma jurídica oriunda dos órgãos de soberania, aos quais, segundo a constituição política do Estado, é conferido o poder de ditar regras de Direito. (Ruggiero)
Obs.: A lei é fonte formal imediata de Direito, pois é a forma pela qual nos transmite seu conhecimento. A lei é continente e o Direito é conteúdo. (Art. 3o. do CC e art. 337 do CPC) b) Etimologia:
15
Legere => Ler => Antigos tinham o hábito de se reunir em praças públicas, local onde afixavam as leis, para leitura e comentário dos novos atos Ligare => Ligar => Bilateralidade da norma jurídica => Poder de exigir x dever => Ligação entre as pessoas da relação jurídica Eligere => Escolher => O legislador escolhe, dentre as diversas opções normativas, uma para ser lei.
99.1
c) Conceitos: Lei em sentido amplo ou em sentido lato: indica o jus scriptum. Referência genérica que inclui a lei propriamente dita (ordinária ou complementar), a medida provisória e o decreto (art. 59 da CF).
Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
Lei em sentido estrito: é preceito comum e obrigatório, emanado do Poder Legislativo, no âmbito se sua competência. Características substanciais: generalidade, abstratividade, bilateralidade, imperatividade e coercibilidade.
Características formais: escrita, emanada do Poder Legislativo em processo de formação regular, promulgada e publicada.
16
Lei em sentido formal e em sentido formal-material: em sentido formal é a que atende apenas aos requisitos de forma (processo regular de formação), faltando-lhe caracteres de conteúdo, como a generalidade ou substância jurídica. Ex.: A aprovação, pela assembléia da Revolução Francesa, da lei que declarava a existência de Deus e a imortalidade da alma. Em sentido formal-material, a lei deve preencher os requisitos de substância e de forma. Lei Substantiva - Reúne normas de conduta social que definem os direitos e deveres das pessoas em suas relações. Ex.: Direito Civil, Penal, Comercial, etc. 99.1
Lei Adjetiva - Aglutina regras de procedimento no andamento de questões forenses. Ex.: Lei de Direito Processual Civil, Direito Processual Penal, etc.
Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
As Leis substantivas são, em regra, principais, enquanto que as adjetivas são de natureza instrumental. Obs.: Há leis que reúnem em um corpo único regras materiais e formais, ou seja, substantivas e adjetivas, formando institutos unos. Exemplo: Lei de falências. Lei de Ordem Pública ou Princípios de Ordem Pública - No dizer de Caio Mário, “não chegam a fazer parte do Direito Público, por faltar a participação estatal na relação jurídica, que se estabelece toda entre particulares. São, pois, princípios de Direito Privado.” Todavia, tendo em vista o interesse público em jogo, o Estado lhe dá maior relevância. Sua repercussão na vida coletiva e a imperatividade do 17
comando estatal imprime-lhes profunda analogia ao Direito Público. Assim são reconhecidas por serem inderrogáveis pela vontade das partes e por elas irrenunciáveis. Ex.: Prescrição e decadência, normas sobre o casamento, etc.
99.1 Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
Costume
Sua noção é bem antiga, uma vez que era já conhecida por gregos e por romanos. Tem grande força no Direito Inglês, traduzindo-se a common law pela coletânea de decisões judiciais que passa a constituir modelo obrigatório para decisão dos demais casos idênticos. Tem nos precedentes judiciais do direito anglo-saxão a força de uma lei.
18
Costumes Procedimentos constantes e uniformes adotados por um grupo social e, por este mesmo grupo, tidos como obrigatórios. É a prática reiterada e constante de determinados atos que acaba por gerar a mentalização de que tais atos sejam essenciais para o bem da coletividade. (Orlando de Almeida Secco)
Segundo Hermes Lima, o costume tem dois elementos constitutivos: a. Externo (material) - uso constante e prolongado b. Interno (psicológico, subjetivo) - reconhecimento geral de sua obrigatoriedade 99.1
secundum legem (de acordo com a lei)
Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
Costumes
praeter legem (além da lei) contra legem (contra a lei)
O costume segundo a lei não é fonte do Direito, pois já existe lei neste sentido. O Costume contra a lei cria Direito? Ponto de vista jurídico => O costume contra legem não tem admissibilidade => Ex.: art. 2o da LICC. Ponto de vista sociológico => Leis que não correspondem às necessidades da sociedade => Prevalência do costume, mesmo contra a lei. 19
Paulo Nader distingue desuso da lei e costume contra legem. Quando a lei perde sua eficácia por não ser usada, estamos diante do desuso da lei e não do costume contra legem. Este seria a prática reiterada de atos que se opõem à lei. Ex.: O costume de se fumar em sala de projeção não significa que tenha sido revogada a lei. Os motéis contrariam o art. 229 do CP, que tipifica o crime de casa de prostituição. As revistas e exibições de espetáculos pornográficos contrariam o art. 234 do CP, que tipifica crimes de escrito ou exibição de espetáculo obsceno.
99.1 Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
Prova dos costumes Art. 337 do CPC - “A parte que alegar direito municipal, estadual, estrangeiro ou consuetudinário, provar-lhe-á o teor e a vigência, se assim determinar o juiz”. A prova se fará dos mais diversos modos: documentos, testemunhas, vistorias, etc. Em matéria comercial, porém, devem ser provados por meio de certidões fornecidas pela juntas comerciais que possuem fichários organizados para este fim.
Dentre as leis que caem pelo desuso, vale lembrar a problemática da validade das leis injustas.
Há quatro posições distintas a respeito: 20
a)
Positivista Considera as leis injustas válidas e obrigatórias desde que estejam em vigor. O não reconhecimento de sua validade ameaçaria a segurança jurídica, anseio primordial da sociedade.
b)
Jusnaturalista Nega a validade das leis injustas. O Direito, sendo criado pelos homens, deve por estes ser dominado e não erigirse em dominador do próprio homem.
c) Posição eclética Apesar de considerar as leis injustas ilegítimas, reconhece a validade daquelas cujo mal provocado não chega a ser insuportável. A não observância de uma lei injusta pode às vezes gerar mal maior, daí porque sua tolerância em alguns casos.
99.1
d) Posição de Kelsen Nega a existência das chamadas leis injustas, já que consideram a justiça apenas relativa. Ele só considera injusta a não aplicação da norma jurídica ao caso concreto.
Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
Conclusão: Sendo o Direito um sistema, uma lei injusta normalmente será um corpo estranho no ordenamento jurídico, estabelecendo-se um conflito com os outros mandamentos ali inseridos. O juiz, então, deverá manter-se fiel ao sistema, afastando a lei injusta por critérios interpretativos.
Doutrina
21
DOUTRINA São estudos e teorias desenvolvidos pelos juristas, com o objetivo de sistematizar e interpretar as normas vigentes e de conceber novos institutos jurídicos reclamados pelo momento histórico (Paulo Nader)
Localizam-se nos tratados, monografias e sentenças. Funções da Doutrina: Criadora => Dinâmica da vida social => Necessidade de evolução do Direito => Novos princípios e formas
b)
Prática => normas jurídicas interpretação
c)
Crítica => A legislação submetida ao juízo de valor sob diferentes ângulos => Acusar falhas e deficiências => Alterar o conteúdo do Direito
99.1
a)
Dispersão e grande quantidade de => Sistematização => Análise e
Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
Ao submeter o Direito a uma análise crítica e ao conceber novos conceitos e institutos, a doutrina favorece o trabalho do legislador, assumindo a condição de fonte indireta do Direito.
22
Jurisprudência
Em sentido amplo => Coletânea de decisões proferidas pelos juízes ou tribunais sobre uma determinada matéria jurídica Inclui jurisprudência uniforme (decisões convergentes) e jurisprudência contraditória (decisões divergentes). Em sentido estrito => Conjunto de decisões uniformes prolatadas pelos órgãos do Poder Judiciário sobre uma determinada questão jurídica
99.1 Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
secundum legem (de acordo com a lei) Jurisprudência
praeter legem (além da lei) contra legem (contra a lei)
23
A jurisprudência cria Direito? Quanto ao Direito anglo-saxão não há a menor dúvida. Nos ordenamentos filiados à tradição romano-germânica há quem reconheça o seu papel formador do Direito e quem o rejeite.
Os que admitem alegam que as transformações sociais exigem um pronunciamento judicial sobre assuntos que eventualmente não se encontram na lei. O juiz, impossibilitado de alegar a lacuna da lei para furtar-se à decisão, constrói através de uma interpretação ora extensiva, ora restritiva, regras para os casos concretos que lhe são propostos. Em inúmeros casos os tribunais acabaram criando um Direito novo, embora aparentemente tenham se limitado a aplicar as leis existentes.
99.1 Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
Art 8o. CLT “As autoridades administrativas e a justiça do trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, ...”
Os que negam sustentam que o juiz é um mero intérprete da lei. Em verdade, ao dar certa conotação a um artigo de lei interpretando-o restritiva ou extensivamente, está apenas aplicando o Direito positivado. Exemplos de jurisprudência transformada em lei: 1. Pensão alimentícia, que era devida apenas após o trânsito em julgado e hoje em dia é devida desde a citação (alimentos provisórios) 24
2. Os direitos da concubina, já reconhecidos pela jurisprudência com base na sociedade de fato, agora estão contemplados em lei. Obs: Nos Estados de Direito codificado, a jurisprudência apenas orienta e informa, possuindo autoridade científica sem, no entanto, vincular os tribunais ou juizes de instância inferior. Jurisprudência x Precedentes Reserva-se o termo jurisprudência para as decisões dos tribunais e “precedentes” para as decisões de juízes de primeiro grau. comprometem o 99.1
As divergências jurisprudenciais Direito?
Segundo Miguel Reale, “... as divergências que surgem entre as sentenças, relativas às mesmas questões de fato e de direito, longe de revelarem a fragilidade da jurisprudência, demonstram que o ato de julgar não se reduz a uma atitude passiva, diante dos textos legais, mas implica notável margem de poder criador.”
Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
5. Direito Comparado Ao confrontar ordenamentos jurídicos vigentes em diversos povos, o Direito Comparado “aponta-lhes as semelhanças e as diferenças, procurando elaborar sínteses conceituais e preparar o caminho para unificação de certos setores do Direito” (Wilson de Souza Campos Batalha) É expressamente indicado como fonte do Direito pelo art. 8º da CLT.
25
UNIDADE IV DO DIREITO
–
INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO
EQÜIDADE
Na concepção de Aristóteles, a característica do eqüitativo consiste em restabelecer a lei nos pontos em que se enganou, em virtude da fórmula geral de que se serviu. O art. 127 do CPC determina que o juiz só decida por eqüidade nos casos previstos em lei. Este artigo, entretanto, deve ser interpretado em comunhão com o art. 5o da LICC, que estabelece:
99.1
“Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que se dirige e às exigências do bem comum.”
Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
Ex.: art. 1040, IV e 1456, do CC. Para Paulo Nader, a eqüidade não é fonte do Direito. É, em verdade, um critério de aplicação pelo qual se leva em conta o que há de particular em cada relação.
26
ANALOGIA
Analogia É a utilização de certo dispositivo legal adequado para certa situação, para regular outra semelhante. Num sentido geral, não jurídico, Aurélio Buarque de Holanda define analogia como ponto de semelhança, entre coisas diferentes.
Implica, portanto, numa semelhança entre a hipótese tomada como padrão existente na lei e aquela a ser resolvida, sem norma disciplinadora a respeito.
99.1 Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
Ex.:
Se a lei diz que o indivíduo que causar prejuízo a outrem deve reparar o dano, o mesmo princípio deve se aplicar, por analogia, às pessoas jurídicas. A lei civil não prevê a ineficácia de um legado quando o beneficiário deixa de cumprir encargo estabelecido em testamento. Entretanto, os tribunais vêm assim decidindo, por analogia, com base no disposto no parágrafo único do art. 1181 do CC, que permite a revogação de doação onerosa por inexecução de encargo. O art. 230 do CPC admite que o oficial de justiça promova a citação em comarca 27
contígua, disposição que pode ser estendida, por analogia, à hipótese de intimação.
Para alguns autores há duas espécies de analogia: Legis - diz respeito ao aproveitamento de determinado ato legislativo, como nos exemplos acima. Analogia
99.1 Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
Iuris - o princípio para o caso omitido se deduz do espírito e do sistema do ordenamento jurídico, ou seja, utiliza-se de todo o ordenamento jurídico como paradigma. Para Paulo Nader só existe analogia legis, já que a segunda seria a utilização dos princípios gerais do Direito. Observações:
A utilização da analogia nas normas penais em sentido estrito (normas penais incriminadoras - definem infrações e cominam pena) é vedada em razão do princípio da reserva legal: Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal - art.
28
5o XXXIX da CF. Ex.: furto de uso não é crime É vedada a analogia em malam partem.
Art. 128, II, do CP, considera lícito o aborto praticado por médico se a gravidez resulta de estupro (art. 213 do CP) e sua prática é precedida do consentimento da gestante. Pergunta-se: E se a gravidez resultar de atentado violento ao pudor (art. 214 do CP), pode haver o aborto pelo médico com consentimento prévio da gestante? Sim, pois pode-se utilizar a analogia em bonam partem no direito penal.
Analogia x interpretação extensiva
99.1
Interpretação extensiva - o caso é previsto pela lei diretamente, apenas com insuficiência verbal, já que a mens legis revela um alcance maior para a disposição => Má redação do texto pode ser uma das causas. - Busca o sentido da lei obscuro ou incerto. Ex: art. 234 CC
Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
Procedimento analógico - a lacuna da lei é pressuposto básico. Busca a solução de um caso não previsto em lei em outro dispositivo legal que regula situação semelhante.
PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO
Interpretação semântica de Mans Pigarnau : Princípios: idéia de fundamento, origem, começo, razão, condição e causa; 29
Gerais: idéia de distinção entre o gênero e a espécie e a oposição entre a pluralidade e a singularidade Direito: caráter de jurisdicidade, o que está conforme a reta, o que dá a cada um o que lhe pertence.
Princípios Gerais do Direito São aqueles em que se assenta a legislação positiva e, embora não se achem formulados em nenhum lugar, formam o pressuposto lógico necessário das várias normas dessa legislação. (Coviello)
“Eles se abrem num leque de preceitos fundamentais que vão desde intangibilidade dos valores da pessoa humana até os relativos à autonomia da vontade e a liberdade de contratar, à boa-fé como pressuposto de conduta jurídica, à proibição de locupletamento ilícito, ao equilíbrio obrigatório dos contratos com a vedação de onerosidade excessiva para um dos contratantes.” (Miguel Reale)
99.1 Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
Merecem destaque alguns inseridos na CF: a) art. 5o, caput b) art. 5o XLV c) art. 5o LV d) art. 6o
30
UNIDADE V
- NORMA JURÍDICA
INTRODUÇÃO
Conhecer o Direito é conhecer as normas jurídicas em seu entrelaçamento lógico e sistemático. As normas jurídicas estão para o Direito de um povo, assim como as células para um organismo vivo. (Paulo Nader) 99.1
Não basta que os homens de uma sociedade queiram praticar a justiça => As normas jurídicas devem ser práticas => Fórmula de justiça que satisfaça a sociedade num determinado momento histórico.
Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
Direito Positivo => Normas jurídicas (padrões de conduta social impostos pelo Estado, para que seja possível a convivência entre os homens)
31
NORMA JURÍDICA CONCEITOS
Conduta exigida ou o modelo imposto de organização social (Paulo Nader) São as regras imperativas pelas quais o Direito se manifesta, e que estabelecem as maneiras de agir ou de organizar, impostas coercitivamente aos indivíduos, destinando-se ao estabelecimento da harmonia, ordem e da segurança da sociedade. (Orlando de Almeida Secco)
INSTITUTO JURÍDICO CONCEITO
99.1
É a reunião de normas jurídicas afins, que rege um tipo de relação social ou interesse e que se identifica pelo fim que se quer realizar. Ex.: Adoção, pátrio poder, hipoteca, divórcio, naturalização, etc. (Paulo Nader)
Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
Qualidades do instituto jurídico: • harmonia • coerência lógica • unidade de fim. Diversas normas afins => Instituto Diversos institutos afins => Ramo do direito Diversos ramos => Ordenamento jurídico
Tipos de comandos
32
Existem dois tipos de comandos, segundo Kant: 1- Imperativo categórico - fórmula simples, "deve ser A" => Mais comuns na religião, na moral e nos costumes, embora também existam normas jurídicas com este tipo de comando => Constituída por um único elemento (enunciado, dispositivo ou conseqüência) => Caráter taxativo sentido positivo - determina que se faça alguma coisa. Ex.: "Silêncio", "Respeite a fila" (deve-se fazer silêncio, deve-se respeitar a fila). a)
b) sentido negativo - "É proibido fumar", "É proibido falar com o motorista" (não se deve fumar, não se deve falar com o motorista).
99.1 Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
2 - Imperativo hipotético - fórmula composta, "se for B, então deve ser A" => Se for B (hipótese, suposto ou fato), deve ser A (enunciado, dispositivo ou conseqüência) => O enunciado fica na dependência de ocorrer a hipótese ou fato.
Obs.: A maioria das normas jurídicas se enquadra no tipo representado pelo imperativo hipotético, embora algumas sejam do primeiro tipo.
Exemplos de imperativo hipotético nas normas jurídicas 33
1 - Art. 520, I, do CC: "Perde-se a posse das coisas: I - pelo abandono." Se for abandonada a coisa (B), deve ser perdida a posse da mesma (A). É norma do tipo imperativo hipotético, porque somente é aplicável na ocorrência da hipótese estipulada, qual seja, o abandono da coisa. 2 - Art. 183, XII, CC: "Não podem casar: XII - As mulheres menores de 16 anos e os homens menores de 18 anos." - é uma ordem hipotética proibitiva ou imperativo hipotético em sentido negativo.
eleitores
os 99.1
3 - Art. 14, parágrafo 2o., da CF: "Não podem alistar-se como estrangeiros."
4 - Art. 121, CP: "Matar alguém: pena - reclusão de 6 a 20 anos".
Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
Exemplos de imperativos categóricos nas normas jurídicas: 12-
Art. 153, VI, da CF Art. 856, I, do CC
Norma jurídica => Imperativo categórico => Tem apenas dispositivo (enunciado da lei ou dispositivo legal) Norma jurídica => Imperativo hipotético => 2 componentes: hipótese, suposto jurídico ou fático (se for B) e conseqüência, enunciado da lei ou dispositivo legal (deve ser A) 34
ESTRUTURA LÓGICA DA NORMA JURÍDICA Concepção de Kelsen - "Em determinadas circunstâncias, um determinado sujeito deve observar tal conduta; se não a observa, outro sujeito, órgão do Estado, deve aplicar ao infrator uma sanção." Esta concepção pode ser dividida em duas partes: a) Norma primária - Dado fato, deve ser P - dado um fato temporal deve ser feita a prestação. Ex.: O pai que possui um filho menor deve prestar-lhe assistência material. b) Norma secundária - Dado não P, deve ser S. Dada a não prestação, deve ser aplicada uma sanção. Ex.: O pai que não prestou assistência material ao filho menor deve ser submetido a uma penalidade.
99.1 Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
Concepção de Carlos Cossio - Para o autor argentino, as normas jurídicas não são do tipo imperativo hipotético, mas do tipo imperativo disjuntivo. Este, embora condicional como o primeiro, dele se diferencia pelo fato de que, enquanto no hipotético a condicionante é uma situação prévia, no disjuntivo há duas ou mais condicionantes internas que se excluem mutuamente, de modo que somente uma prevalecerá ao final. "Dado A deve ser P, ou dado não P, deve ser S. A conjunção ou separa, de um lado, a conduta humana lícita (endonorma) e, de outro, a conduta humana ilícita (perinorma). A ilicitude acarretará sempre numa sanção, expressa nessa fórmula por S. Diferença entre a concepção de Kelsen e de Carlos Cossio: enquanto a norma primária e a secundária se justapõem, a endonorma e a perinorma estão unidas pela conjunção ou. 35
Conclusão de Paulo Nader: Não se pode dividir a norma jurídica em duas partes, sob pena de aparentar que ela oferece uma alternativa para seu destinatário: cumpri-la ou submeter-se à sanção nela prevista. Para ele, a norma jurídica apresenta uma estrutura una, na qual a sanção se integra, decorrendo daí a seguinte formulação: Se A é, B deve ser, sob pena de S. Ex.: Quem é contribuinte do imposto de renda (A) deve apresentar a sua declaração até determinada data (B), sob pena de perder o direito ao parcelamento do débito (S).
Natural
Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
Técnica
ESQUEMA INTERPRETAÇÃO "Deve ser A" Impõe-se por si própria (A) "Se A é, B deve ser, Sob determinada condição (A), sob pena de S" deve-se agir de acordo com o que for previsto (B), sob pena de sofrer uma sanção (S) "Se A é, tem de ser B" Ao escolher um fim (A), tem-se que adotar um meio (B) "Se A é, é B" Ocorrida a causa (A), ocorrerá o efeito (B) 99.1
NORMA Moral Jurídica
CARACTERÍSTICAS O que efetivamente caracteriza uma norma jurídica, de qualquer espécie, é o fato de ser uma estrutura enunciativa
36
de uma forma de organização ou de conduta, que deve ser seguida de maneira objetiva e obrigatória. (Miguel Reale) Organização (Ex.: art. 1248 do CC) Norma Jurídica Conduta (Ex.: art. 121 do CP) Considerando-se as categorias mais gerais das normas jurídicas, podemos dizer que apresentam as seguintes características na opinião predominante dos diversos autores: 1- Bilateralidade - As normas jurídicas, em regra, vinculam duas ou mais pessoas, impondo deveres a uma parte e conferindo deveres à outra.
99.1 Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
Sujeito ativo (portador do direito subjetivo) < norma jurídica > sujeito passivo (possuidor do dever jurídico) O direito de uma parte estará sempre ligado ao dever de outra parte. 2- Generalidade - As normas jurídicas dirigem-se a todos que se acham em igual situação. Da generalidade da norma, deduzimos o princípio da isonomia da lei, segundo o qual todos são iguais perante a lei. 3 - Abstratividade - As normas jurídicas visam estabelecer uma fórmula padrão de conduta aplicável a qualquer membro da sociedade. Regulam casos como ocorrem, via de regra, no seu denominador comum. Se abandonassem a abstratividade para regular os fatos em 37
sua casuística, os códigos seriam muito mais extensos e o legislador não lograria seu objetivo, já que a vida em sociedade é mais rica que a imaginação do homem. 4- Imperatividade - O Direito se manifesta através de normas que possuem caráter imperativo. Caso contrário, não ofereceria a segurança e a justiça almejadas pela sociedade. Sua força imperativa implica imposição de vontade e não mero aconselhamento. Nas normas permissivas ou proibitivas, o caráter imperativo é facilmente percebido. Nas normas explicativas ou declarativas essa característica será notada na associação entre duas ou mais normas. 5- Coercibilidade - As normas jurídicas têm a possibilidade do uso da coação para se fazer cumprir. 99.1
Psicológico (intimidação) Elementos
Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
Material (força) Já que a norma jurídica pode ser cumprida espontaneamente, seria a coação elemento essencial ao Direito? Para Ihering, sim, pois sem ela o Direito seria como o fogo que não queima. Para outros autores, o elemento essencial não é a coação, mas a coercibilidade, traduzida pela possibilidade do uso da força. CLASSIFICAÇÃO DAS NORMAS JURÍDICAS
38
Paulo Dourado de Gusmão Pelo âmbito espacial de sua validade
Da amplitude de seu conteúdo
Da força de seu conteúdo
Regra de direito comum Regra de direito particular Regra de direito interno e de direito internacional Regra de direito geral Regra de direito especial Regra de direito excepcional Norma constitucional Lei complementar Norma ordinária 99.1 Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
No campo doutrinário da classificação das normas jurídicas, os autores não são unânimes. Cada um utiliza método e terminologia próprios. Utilizaremos a classificação oferecida em nosso programa.
CRITÉRIO DA DESTINAÇÃO - normas de direito, normas de sobredireito, normas de organização ou estrutura e normas de conduta Certos autores => Destinatário da norma jurídica seria o corpo social => Observância aos mandamentos 39
Outros autores => Destinatário da norma jurídica seria o Poder Judiciário => Aplicador dos mandamentos jurídicos Todavia, dividindo as normas jurídicas em normas de organização e normas de conduta, mais evidenciados tornam-se seus destinatários:
Normas de conduta (norma de direito) - normas que disciplinam o comportamento dos indivíduos, as atividades dos grupos e entidades sociais em geral => Destinatário: o corpo social (pessoas físicas, jurídicas ou autoridades que estiverem na situação nela prevista). Todavia, quando surge o eventual conflito levado ao Poder Judiciário, este passa a ser seu destinatário.
CRITÉRIO implícita
DA
Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
Normas de organização (norma de sobredireito) normas instrumentais que visam a estrutura e funcionamento dos órgãos, ou a disciplina de processos técnicos de identificação e aplicação de normas, para assegurar uma convivência juridicamente ordenada => Destinatário: o próprio Estado 99.1
EXISTÊNCIA - norma explícita e norma
A norma explícita é a norma tal qual está escrita nos códigos e nas leis. 40
A normas implícita é aquela subentendida a partir da norma explícita.
Só a existência deste direito implícito pode responder pela afirmativa de que o ordenamento jurídico não tem lacunas. Serve ele, portanto, não apenas à interpretação da lei, como, igualmente, à integração do Direito. Por seu intermédio é que o Direito positivo se completa, garantindo-se. (Arnaldo Vasconcelos)
99.1 Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
CRITÉRIO DA EXTENSÃO estaduais e municipais
TERRITORIAL
- normas federais,
As normas jurídicas são classificadas desta forma em razão da esfera do Poder Público de que emanam, pois todo 41
território de um Estado acha-se sob a proteção e garantia e um sistema de Direito. Assim, as normas jurídicas são federais, estaduais ou municipais, na medida em que sejam instituídas respectivamente pela União, pelos Estados-Membros e pelos Municípios. • A propósito: há hierarquia entre as normas jurídicas emanadas de cada ente da Federação acima elencado? Para responder a pergunta acima, faz-se mister a distinção da competência legislativa da União, dos Estados-Membros e dos Municípios. Segundo Miguel Reale, “não há, pois, uma hierarquia absoluta entre leis federias, estaduais e municipais, porquanto esse escalonamento somente prevalece quanto houver possibilidade de concorrência entre as diferentes esferas de ação. A rigor, as únicas normas jurídicas que primam no sistema do Direito brasileiro são as de Direito Constitucional.”
99.1 Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
CRITÉRIO DO CONTEÚDO - direito público, direito privado e direito social A diferenciação entre essas normas já foi abordada quando falamos sobre as divisões do Direito. Contudo, é bom ressaltar que a teoria que prevalece atualmente para a 42
distinção dessas normas é a teoria formalista da natureza da relação jurídica:
Normas de Direito Privado: regulam o vínculo entre particulares => Plano de igualdade => Relação jurídica de coordenação Ex.: As normas que regulam os contratos. Normas de Direito Público: regulam a participação do poder público, quando investido de seu imperium, impondo a sua vontade => Relação jurídica de subordinação. Ex.: As normas de Direito Administrativo. Normas de Direito Misto => Tutelam simultaneamente o interesse público ou social e o interesse privado. Ex.: Normas de Direito Família
99.1
Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
CRITÉRIO DA IMPERATIVIDADE - normas impositivas (cogentes) e dispositivas (permissivas) e proibitivas Imperativas impõem.
-
ordenam,
Ex.: Art. 964 do CC 43
Normas impositivas (ou cogentes)
Proibitivas - vedam, proibem. Ex.: Art. 1650 do CC Interpretativas esclarecem a vontade do indivíduo manifestada de forma duvidosa.
Ex.: Art. 1666 do CC Normas dispositivas (ou permissivas) Integrativas - preenchem lacunas deixadas por ocasião da manifestação da vontade.
Ex.: Art. 1348 do CC 99.1
Normas impositivas - limitam a autonomia da vontade individual, por repressão, ora mandando, ora proibindo,
Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
Normas dispositivas - facultam, auxiliam ou até mesmo completam essa manifestação de vontade individual. Enquanto que as normas impositivas são taxativas, ora ordenando, ora proibindo, as normas dispositivas limitamse a dispor, com grande parcela de liberdade.
CRITÉRIO DA SANÇÃO - normas perfeitas, mais que perfeitas, menos que perfeitas e imperfeitas Normas perfeitas - estabelecem a sanção na exata proporção do ato praticado. Invalidam quaisquer atos quando resultantes de transgressões a dispositivos legais. Ex.: Art. 207 do CC
44
Normas mais que perfeitas - estabelecem sanções em proporções maiores do que os atos praticados mediante transgressão de normas jurídicas. A sanção é mais intensa do que a transgressão. EX.: ART. 1538 DO CC Normas menos que perfeitas - não invalidam o ato, mas impõem uma sanção ao agente transgressor. EX.: ART. 225 DO CC Normas imperfeitas - Representam um caso muito especial. Nem invalidam o ato nem estabelecem sanção ao transgressor. Tal procedimento se justifica por razões relevantes de natureza social e, sobretudo, ética. EX.: ART. 215 DO CC 99.1 Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
CRITÉRIO DA NATUREZA: normas substantivas e normas adjetivas
Normas substantivas - reúnem normas de conduta social que definem os direitos e os deveres das pessoas em suas relações. Ex.: Direito Civil, Penal, Comercial, etc. Normas adjetivas - aglutinam regras de procedimento no andamento das questões forenses. 45
Ex.: Lei de Direito Processual Civil, Direito Processual Penal, etc. As leis substantivas são, em regra, principais, enquanto que as adjetivas são de natureza instrumental.
99.1 Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
46
UNIDADE VI – A Lei e o Ordenamento Jurídico
INTRODUÇÃO
Poder do Estado na ordenação jurídica da sociedade CONCEITOS
Estado Nação politicamente organizada. (Maquiavel) Complexo político, social e jurídico, que envolve a administração de uma sociedade estabelecida em caráter permanente em um território e dotado de poder autônomo. (Paulo Nader) Força a serviço do Direito. (Leon Deguit) 99.1
Elementos do Estado • Povo / território / governo • População (povo e nação) / território / soberania - Paulo Nader
Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
Povo - Indivíduos que habitam a mesma região e se subordinam à soberania do Estado. Nação - Coletividade de indivíduos irmanados pelo sentimento de amor à pátria. Território - Base geográfica que se estende em uma linha horizontal de superfície terrestre ou de água e uma vertical que corresponde tanto à parte inferior da terra e do mar, quanto à do espaço aéreo. Base geográfica em que o Estado exerce sua soberania. Soberania - Poder de autodeterminação do Estado. Expressa o poder de livre administração de seus negócios e independência em relação aos demais Estados. Obs. : art. 1o, I, da CF Origem do Estado 47
1 - Teoria do Contrato Social (Rousseau) - quando os homens passaram do estado natural para o estado de sociedade, teria havido um pacto de harmonia em que se obrigariam a viver pacificamente. Num segundo momento, todos os homens da sociedade firmaram outro pacto pelo qual se submeteriam a um governo por eles escolhido (defendida pelos adeptos da Escola do Direito Natural). 2 - Teoria Patriarcal (Summer Maine) - Nela, a idéia básica é a de que, no passado mais remoto, a única organização social que existia era representada pelas famílias. Em cada um destes núcleos, a autoridade competia ao varão mais antigo, que possuía poder absoluto sobre a vida de seus integrantes. Evolução: família patriarcal, gens, tribo, cidade, Estado. 3 - Teoria Matriarcal (Lewis Morgan) - De início, os indivíduos eram nômades e a filiação feminina antecedeu à masculina, competindo à mãe a chefia da família, enquanto o pai, ou não era membro da família, ou ocupava posição subordinada. Apenas mais tarde é que a família teria se organizado em torno da figura paterna.
99.1 Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
4- Teoria Sociológica (Émile Durkheim) - Os primeiros grupos não foram constituídos pela família, mas pelo clã, onde os vínculos não eram de parentesco, mas por crenças religiosas. Os membros do clã acreditavam na existência do Totem, que seria o antepassado místico do qual eram dependentes. O Estado teria surgido como decorrência de sua evolução para a territorial, em que os laços espirituais já não decorriam do totemismo, mas do fato de ocuparem a mesma área geográfica.
Fins do Estado 48
O fim a ser alcançado pelo Estado, na gestão dos interesses sociais, pode ser visto por diferentes concepções, assim sintetizadas por Gustav Radbruch: Concepção Individualista - Máxima liberdade dos indivíduos e mínima intervenção do Estado. Direito e Estado vistos como instrumentos para o bem-estar dos indivíduos - concepção que deu seus primeiros passos na Idade Média, com a Carta Magna, promulgada em 1215.
•
Concepção Supra-Individualista (intervencionista) Exalta os valores coletivistas, em oposição aos individuais. Entende que a excessiva liberdade dada ao indivíduo seria prejudicial à coletividade. Para ela, o Estado deve intervir sempre visando a garantia do bemestar da coletividade. 99.1
•
Obs.: Em algumas épocas, o Estado esteve muito mais a serviço de seu próprio fortalecimento e não objetivando o bem-estar da coletividade.
Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
• Concepção Transpersonalista - Procura compatibilizar o individualismo e o coletivismo. A opção entre um valor individual e outro coletivo, quando inconciliáveis, deve ser feita em função dos princípios de justiça, de tal sorte que o indivíduo não seja esmagado pelo todo nem a coletividade seja prejudicada pelos caprichos individualistas.
Teorias sobre a relação entre Direito e Estado 49
A doutrina registra três teorias: Teoria dualista - Direito e Estado constituem duas ordens inteiramente distintas e estão, um para o outro, como dois mundos que se ignoram. Obs.: O Estado, além de ser uma instituição social, é uma pessoa jurídica e portanto, portador de direito e deveres. Além disso, o Direito, para obter ampla efetividade, pressupõe a ação estatal. Teoria Monista - Sustenta que Direito e Estado constituem uma só entidade. O Estado, para ela, não é mais que a personalização de uma ordem jurídica.
Obs.: Entre os adeptos desta concepção, alguns admitem que o Estado é anterior ao Direito, acreditando outros no contrário. A posição majoritária, contudo, é a de que o Direito historicamente antecedeu ao aparecimento do Estado.
99.1 Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
Teoria do Paralelismo: Afirma que Direito e Estado são entidades distintas, mas que se acham interligadas e em regime de mútua dependência. OBS.: ENTRE DIREITO COMPENETRAÇÃO:
E
ESTADO
HÁ
INTERDEPENDÊNCIA
E
• O Direito emana do Estado e este é uma instituição jurídica. • A sociedade depende do Direito para organizarse e o Direito pressupõe a existência do Poder Político, como órgão controlador da produção jurídica e de sua aplicação. • A ordem jurídica impõe limites ao atuar do Estado, definindo seus direitos e obrigações. • Direito e Estado constituem um meio ou instrumento a serviço do bem-estar da coletividade. 50
“A participação do Estado na vida do Direito não se restringe ao controle da elaboração das normas jurídicas. Além de zelar pela manutenção da ordem social por seus dispositivos de prevenção, com seu aparelho coercitivo aplica o Direito aos casos concretos”. (Paulo Nader) Arbitrariedade e Estado de Direito Arbitrariedade é conduta antijurídica praticada por órgãos da administração pública e violadora de formas do Direito.
Pode ser praticada mediante uma ação (ex.: quando o poder público exorbita sua competência) ou por omissão (ex.: na hipótese de um órgão administrativo negar-se à prática de um ato para o qual é competente).
99.1
O conceito de arbitrariedade independe do valor da justiça. Ela pode ser justa ou injusta, mas é sempre ilegal.
Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
Nem todo ato ilegal praticado pelo poder público configura arbitrariedade. Esta ocorrerá quando o ato antijurídico for inapelável e emane de quem dispõe do supremo poder social. Se o ato for passível de retificação em instância superior ou emane de particular, não haverá arbitrariedade no sentido rigoroso do termo, mas um ato ilegal ou errôneo. Uma ato arbitrário é de impossível reparação dentro da ordem jurídica estabelecida. Só pode incorrer em arbitrariedade a autoridade que se coloca acima do Direito. Entre os meios preconizados para o combate à arbitrariedade, apontam-se os seguintes: a) Eliminação do arbítrio judicial, negando-se ao Poder Judiciário a possibilidade de criar o Direito; b) O controle jurídico dos atos administrativos; c) O controle da constitucionalidade das leis.
51
Estado de Direito O que caracteriza o Estado de Direito é a efetiva proteção aos chamados direitos humanos. Goffredo Telles Júnior identifica o Estado de Direito por três notas principais: • obediência ao Direito; • guarda dos direitos; • abertura para a conquista da cultura jurídica.
A REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL “Território é o limite espacial dentro do qual o Estado exerce de modo efetivo e exclusivo o poder de império sobre pessoas e bens.” (Alexandre Groppali)
99.1
O modo do exercício do poder político em função do território dá origem à forma de Estado:
Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
Se existe unidade de poder sobre território, pessoas e bens, tem-se Estado unitário. (França, Inglaterra, Uruguai, Paraguai e outros). Se o poder se reparte no espaço territorial (divisão espacial de poderes), gerando uma multiplicidade de organizações governamentais, distribuídas regionalmente, encontramo-nos diante de um Estado composto, denominado Estado Federal ou Federação de Estados. (Brasil e Estados Unidos da América). A repartição de poderes autônomos constitui o cerne do conceito de Estado Federal, dando origem a dois tipos de entidades: a União e as coletividades regionais autônomas.
52
Estado Federal: forma de Estado brasileiro O federalismo, como expressão do Direito Constitucional, nasceu com a Constituição norte-americana de 1787. O Brasil assumiu a forma de Estado Federal em 1889, com a proclamação da República, o que foi mantido nas constituições seguintes. Assim, a forma de Estado brasileiro é a federal. A federação consiste na união de coletividades regionais autônomas denominadas de Estados federados, Estadosmembros ou simplesmente Estados. Obs.: Veremos que, nesta composição, às vezes, entram outros elementos, como os Territórios Federais e o Distrito Federal. No caso do Brasil, deve-se destacar, ainda, os Municípios.
99.1
Estado Federal é o todo, dotado de personalidade jurídica de Direito Público Internacional.
Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
União é a entidade federal formada pela reunião das partes componentes, constituindo pessoa jurídica de Direito Público Interno, autônoma com relação aos Estadosmembros que a compõem, e a que cabe exercer as prerrogativas da soberania do Estado brasileiro. Estados-membros são entidades federativas componentes, dotadas de autonomia e de personalidade jurídica de Direito Público Interno. Soberania é fundamento do próprio conceito de Estado. Significa poder político supremo e independente. Supremo porque não está submetido a nenhum outro de ordem interna. Independente porque, na ordem internacional, não tem que acatar regras que não sejam voluntariamente aceitas e está em pé de igualdade com os poderes supremos de outros povos. 53
Autonomia dos Estados-membros compreende governo próprio dentro do círculo de competências traçadas pela Constituição Federal. A partir desta divisão constituem-se no Estado federal duas esferas governais sobre a mesma população e sobre o mesmo território: a da União e a de cada Estado-membro. No Brasil ainda há a esfera governamental dos Municípios. Obs.: Os estados federados podem se formar de duas maneiras e, normalmente, dependendo dessa formação, poderão ser mais ou menos centralizados. Forma de governo: República 99.1
Aristóteles concebeu três formas de governo: Monarquia - governo de um só Aristocracia - governo de mais de um ou de poucos República - governo em que o povo governa no interesse do povo
Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
1 2 3
Para ele, a monarquia poderia transformar-se em tirania. A aristocracia em oligarquia e a república em demagogia. Tal doutrina prevaleceu até que Maquiavel declarou que todos os Estados, todos os domínios que exercem ou exerceram poder sobre os homens, foram e são repúblicas ou principados. Assim, república é conceito que se contrapõe ao de monarquia.
54
Rui Barbosa: o que discrimina a forma republicana da monárquica não é apenas a coexistência dos três poderes, indispensáveis em todos os governos constitucionais, mas a condição de que os poderes Legislativo e Executivo derivem de eleições populares (arts. 27, parágrafo 4o, 28, 29, I e II, e 77, todos da CF). Objetivos fundamentais do Estado brasileiro Para José Afonso da Silva, são quatro os elementos do Estado: povo, território, poder soberano e fins. Desta forma, os fins do Estado brasileiro (não todos, mas apenas os fundamentais) estão elencados no art. 3o da CF. 99.1
Poder Político Poder é fato da vida social. Pertencer a um grupo social é reconhecer nele o poder de exigir certos atos ou condutas de acordo com os fins perseguidos. Assim, o poder é uma energia capaz de coordenar e impor decisões visando à realização de determinados fins.
Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
O Estado, como grupo social máximo, tem também o seu poder, que é o poder político ou poder estatal. A sociedade estatal, também chamada sociedade civil, é composta por uma multiplicidade de grupos sociais, aos quais o poder político tem que coordenar e impor regras e limites em função dos fins globais do Estado. Assim, o poder político é superior a todos os outros poderes sociais, aos quais reconhece, rege e domina, visando ordenar as relações entre os diversos grupos.
55
Esta superioridade do poder político caracteriza a soberania (independência com relação aos poderes externos e supremacia sobre os poderes sociais interiores à sociedade estatal). Características do poder político: unidade, indivisibilidade e indelegabilidade. Governo e distinção de funções do poder Os órgãos do governo são:
2
Dependentes (administrativos) - aqueles que se situam em plano hierárquico inferior, cujo conjunto forma a Administração Pública => objeto do Direito Administrativo.
Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
Supremos (constitucionais) - aqueles a quem incumbe o exercício do poder político => objeto do Direito Constitucional. 99.1
1
Governo é o conjunto de órgãos mediante os quais a vontade do Estado é formulada, expressa e realizada, ou o conjunto de órgãos supremos a quem incumbe o exercício do poder político. O poder político - uno, indivisível e indelegável – desdobra-se em várias funções, que podem ser resumidas em três: 1
Função legislativa - consiste na edição de regras gerais, abstratas, impessoais e inovadoras da ordem jurídica, denominadas leis.
56
2
Função executiva – consiste na resolução de problemas concretos e individualizados de acordo com as leis, não se limitando à simples execução das leis. Divide-se em: • função de governo - com atribuições políticas, co-legislativas e de decisão • função administrativa - intervenção, fomento e serviço público
3
Função jurisdicional – consiste na aplicação do Direito no caso concreto, a fim se dirimir conflitos de interesses.
Divisão de Poderes Não se deve confundir distinção de funções do poder com divisão ou separação de poderes.
99.1 Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
A distinção de funções constitui especialização de tarefas governamentais à vista de sua natureza, sem considerar os órgãos que a exercem. Assim, há sempre distinção de funções, quer haja órgão especializado para exercê-las, quer estejam concentrados num só órgão apenas.
A divisão de poderes consiste em confiar cada uma das funções governamentais (legislativa, executiva e jurisdicional) a órgãos distintos. Se forem exercidas por um órgão apenas, teremos a concentração de poderes. Fundamenta-se em dois elementos: 1 Especialização funcional - significando que cada órgão é especializado numa função. 2 Independência orgânica - cada órgão deve ser independente do outro, não havendo meios de subordinação.
57
O princípio da separação dos poderes já se encontrava sugerido em Aristóteles, John Locke e Rousseau, mas foi com Montesquieu que se definiu e se divulgou. Tal princípio se tornou um dogma constitucional, a ponto de o art. 16 das Declarações dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, declarar que não teria constituição a sociedade que não assegurasse a separação dos poderes. Hoje, o princípio não configura a rigidez de tempos passados, tanto que se prefere falar em colaboração de poderes, que é característica do parlamentarismo, em que o governo depende da confiança do Parlamento. No presidencialismo desenvolveram-se as técnicas da independência orgânica e harmonia dos poderes. Independência a) A investidura e a permanência das pessoas num determinado órgão não dependem da confiança nem da vontade dos outros Poderes b) No exercício das atribuições que lhes sejam próprias, não necessitam os titulares consultar os outros, nem necessitam de sua autorização c) Na organização de seus respectivos serviços, cada um é livre, observadas as normas constitucionais
99.1 Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
Harmonia 58
1 2
Normas de cortesia no trato recíproco; Respeito às prerrogativas e faculdades a que todos têm direito.
Todavia, há interferências entre os poderes, que visam ao estabelecimento de um sistema de freios e contrapesos, na busca do equilíbrio necessário à manutenção da ordem e à realização do bem da coletividade. Exs.: Se ao Legislativo cabe a edição das normas gerais, o Executivo tem participação, quer pela iniciativa, quer pela sanção ou pelo veto. A iniciativa legislativa do Executivo é contrabalançada pela possibilidade que o Congresso tem de modificar os projetos por via de emendas ou até mesmo de rejeitá-lo.
99.1
O Presidente da República não interfere na função jurisdicional; em compensação, os ministros dos tribunais superiores são por ele nomeados, sob o controle do Senado Federal, a quem cabe aprovar o escolhido (art. 52, III, a, CF)
Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
Do Poder Executivo 59
O Poder Executivo é tratado constitucionalmente nos arts. 76 e seguintes e sua função primordial é resolver os problemas concretos e individualizados em conformidade com a lei. Na União, o Poder Executivo é exercido pelo Presidente da República e pelos Ministros de Estado (art. 76 da CF). No Estado-membro, o Poder Executivo é Exercido pelo Governador do Estado e pelos Secretários de Estado (art. 132 da Constituição do Estado do RJ). As atribuições do Presidente da República estão no art. 84 da CF e as do Governador do Estado do Rio de Janeiro estão no art. 142 da Constituição Estadual). Do Poder Judiciário
99.1
Suas linhas básicas são tratadas aos artigos 92 e seguintes. Podemos dizer que sua função primordial é a de dizer o Direito nos casos concretos (vide abstratividade da norma jurídica), quando da ocorrência de conflitos de interesses (função jurisdicional).
Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
Jurisdição - juris (direito) e dictionem (dizer) É o poder de dizer o Direito no caso concreto.
Este poder de conhecer e julgar as questões judiciais existe, independentemente de qualquer limitação, em todo representante do Poder Judiciário, o Magistrado.
60
Atribuição Ato ou efeito de atribuir, de imputar, de conferir. Competência ou faculdade conferida por lei ou em razão de cargo ou função. (Novo Dicionário Jurídico Brasileiro José Náufel) Enquanto o Poder Judiciário tem jurisdição, os demais poderes do Estado têm atribuição. Todavia, um só juiz não pode julgar todos os conflitos de interesse que são submetidos ao Poder Judiciário. Assim, por conveniência de trabalho, cria-se uma divisão de tarefas. Desta forma, um juiz da Comarca de Rio Claro só pode conhecer as causas judiciais ocorrentes em Rio Claro (delimitação geográfica). 99.1
Existem comarcas em que há dois juízes: um para casos de natureza criminal e outro para casos de natureza cível.
Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
Podem ocorrer, em megacomarcas, inúmeras divisões que abrangem não só o critério de distribuição como o da matéria a ser julgada. A esta divisão de trabalho chamaremos de competência.
Competência É o poder de exercer a jurisdição nos limites estabelecidos pela lei. É o âmbito dentro do qual o juiz pode exercer a jurisdição. (Moacyr Amaral dos Santos)
61
Diz-se que um juiz é competente quando, no âmbito de suas atribuições, tem poder de dizer o Direito (poder jurisdicional) sobre determinada causa). Obs.: Duplo grau de jurisdição - Julgar é atividade humana e, como tal, sujeita a erros. Daí a necessidade de facultar ao interessado o reexame da questão decidida no chamado primeiro grau de jurisdição. Assim, através de instrumento próprio e em prazo determinado, pode a parte que se sentiu prejudicada pedir que a questão seja reanalisada por um órgão jurisdicional superior, que manterá ou modificará a decisão proferida anteriormente. O Poder Judiciário, na União, é exercido pelos seguinte órgãos: Supremo Tribunal Federal (arts. 101 e 102 da CF) Superior Tribunal de Justiça (arts. 104 e 105 da CF) Tribunais Regionais Federais (arts. 106 e 107 da CF) Juízes Federais (art. 109 da CF) Tribunais do Trabalho (arts. 11 e 115 da CF) Tribunais Eleitorais (arts. 118 e seguintes da CF) Juízes Eleitorais (art. 119 da CF) Tribunais Militares (art. 123 da CF) Juízes Militares (art. 124 da CF)
99.1 Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
O Poder Judiciário dos Estados está disciplinado no art. 125 da CF. No Estado do Rio de Janeiro, a matéria encontra-se disciplinada no art. 148 e seguintes da Constituição Estadual, sendo tal poder exercido pelos: Tribunal de Justiça Juízes de Direito Conselhos de Justiça Militar Juizados Especiais
62
Técnica Jurídica
É o conjunto de meios e de procedimentos que tornam prática e efetiva a norma jurídica.
Paulo Nader distingue três espécies de técnica jurídica:
2
Técnica de interpretação - tem por objetivo a revelação do significado das expressões jurídicas. Não é tarefa a ser executada apenas por juízes e administradores, mas por todos os destinatários da norma jurídica. Os principais meios de interpretação do Direito são o gramatical, o lógico, o histórico e o sistemático.
3
Técnica de aplicação - tem por finalidade a orientação de juízes e administradores na tarefa de julgar. Não se limita à simples aplicação das normas aos casos concretos, mas compreende os meios de apuração das provas e pressupõe o conhecimento das técnicas de interpretação. Tradicionalmente o Direito é considerado um silogismo, em que a premissa maior é a norma jurídica, a premissa menor é o fato e a conclusão é a sentença.
Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
Técnica de elaboração - ligada ao direito escrito, engloba a fase de composição e apresentação do ato legislativo, denominada técnica legislativa; a parte relativa à proposição, andamento e aprovação do projeto de lei chama-se processo legislativo.
99.1
1
63
O Poder Legislativo O Poder Legislativo é tratado em nossa Constituição nos artigos 44 e seguintes e é exercido pelo Congresso Nacional. É composto por um sistema bicameral, que significa organizar o Poder Legislativo em dois ramos: o Senado Federal e a Câmara dos Deputados. Tal sistema vem disposto em todas as Constituições desde o Império, excepcionando-se as de 1934 e 1937. O Senado Federal é câmara representativa dos Estadosmembros e a Câmara dos Deputados é aquela que representa o povo.
99.1
As atribuições do Congresso Nacional estão descritas no art. 48 e 49, enquanto que as da Câmara dos Deputados estão reguladas no art. 51, e as do Senado Federal encontram-se no art. 52, todos da CF.
Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
A Câmara dos Deputados e o Senado Federal podem dispor sobre diversos assuntos conjunta ou separadamente. Quando atuam em conjunto, dizemos que atua o Congresso Nacional.
64
PROCESSO DE ELABORAÇÃO LEGISLATIVO
Processo Legislativo É o conjunto de atos realizados pelos órgãos legislativos visando à formação das leis constitucionais, complementares e ordinárias, resoluções e decretos legislativos. (José Afonso da Silva) Objeto: art. 59 da CF. Segundo José Afonso da Silva, as medidas provisórias não deveriam constar do rol do art. 59, pois sua elaboração não se dá por processo legislativo. A Constituição não trata do processo de formação dos decretos legislativos ou das resoluções.
99.1 Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
Decretos legislativos são atos destinados a regular matérias de competência exclusiva do Congresso Nacional (art. 49) que tenham efeitos externos a ele e independem de sanção e veto. Resoluções legislativas são atos destinados a regular matérias de competência do Congresso Nacional e de suas Casas, mas com efeitos internos. Assim, os regimentos internos são aprovados por resoluções. Exceção: arts. 68, parágrafo 2º, 52, IV e X e 155, V.
65
Atos do Processo Legislativo O processo legislativo é o conjunto de atos preordenados visando à criação de normas de Direito. Estes atos são: a) b) c) d) e)
Iniciativa legislativa Emendas Votação Sanção e veto Promulgação e publicação
Iniciativa Legislativa - É a faculdade que se atribui a alguém ou a um órgão para apresentar projetos de lei ao Legislativo. (art. 60, 61 e seu parágrafo 2º) 99.1
Votação - Constitui ato coletivo das Casas do Congresso. Geralmente é precedida de estudos e pareceres de comissões técnicas (permanentes ou especiais) e de debates em plenário. É ato de decisão (art. 65 e 66), que se toma por maioria de votos: • maioria simples (art. 47) para aprovação de lei ordinária • maioria absoluta dos membros das Câmaras, para aprovação de lei complementar (art. 69) • maioria de três quintos dos membros das Casas do Congresso, para aprovação de emendas Constitucionais (art.60, § 2º)
Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
Sanção e veto - São atos de competência exclusiva do Presidente da República. Sanção e veto somente recaem sobre projetos de lei. Só são cabíveis em projetos que disponham sobre as matérias elencadas no art. 48 da CF. Sanção é a adesão do Chefe do Poder Executivo ao projeto de lei aprovado pelo Legislativo; pode ser expressa (art. 66, caput) ou tácita (art. 66, parágrafo 3º). 66
Veto é o modo pelo qual o Chefe do Poder Executivo exprime sua discordância com o projeto aprovado, por entendê-lo inconstitucional ou contrário ao interesse público (art. 66, parágrafo 1º). O veto pode ser total, recaindo sobre todo o projeto, ou parcial, quando atingir somente parte dele. O veto é relativo, não trancando de modo absoluto o andamento do projeto (art. 66, parágrafos 1º e 4º da CF). Caso o veto seja rejeitado por votação da maioria absoluta dos Deputados e Senadores, em escrutínio secreto, o projeto se transforma em lei, sem sanção, que deverá ser promulgada. Não se alcançando a maioria mencionada, o veto ficará mantido, arquivando-se o projeto.
99.1
Promulgação e publicação - Promulga-se e publica-se a lei, que já existe desde a sanção ou veto rejeitado. É errado falar em promulgação de projeto de lei.
Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
Promulgação é a declaração da existência da lei. É meio de se constatar a existência da lei. A lei é perfeita antes de ser promulgada; a promulgação não faz lei, mas os efeitos da lei só se produzirão depois dela. A publicação da lei constitui instrumento pelo qual se transmite a promulgação aos destinatários da lei. É condição para que a lei entre em vigor, tornando-se eficaz (ou efetiva).
67
TÉCNICA LEGISLATIVA
Técnica Legislativa É a arte de dar às normas jurídicas expressão exata; de vestir com palavras mais precisas os pensamentos que encerram a matéria de um Direito positivo. (Rudolf Stammler) A elaboração de um ato legislativo não implica o simples agrupamento assistemático de normas jurídicas. A formação de uma lei requer planejamento e método. O ato legislativo deve ser todo harmonioso e eficiente, a fim de se alcançar o máximo de fins com o mínimo de meios. 99.1
Apresentação formal dos atos legislativos Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
A apresentação formal diz respeito à estrutura do ato e às partes que o compõem, que, em geral, são as seguintes: preâmbulo, corpo ou texto, disposições complementares, cláusula de vigência e de revogação, fecho, assinatura e referenda. 1
Preâmbulo - é toda a parte preliminar às disposições normativas do ato. Modernamente, o preâmbulo reúne apenas os elementos necessários à identificação do ato legislativo. O preâmbulo compõe-se dos seguintes elementos: epígrafe, rubrica ou ementa, autoria e fundamento legal da autoridade, causas justificativas, ordem de execução ou mandado de cumprimento.
68
a) epígrafe - é a primeira parte do ato legislativo e contém a indicação de sua espécie ou natureza (lei, medida provisória, decreto), o seu número de ordem e a data em que foi assinado. Ex.: Lei 6.624, de 23 de março de 1979. A epígrafe é útil para facilitar a busca e a indicação de um texto normativo, bem como para situar o ato na hierarquia das fontes formais do Direito, definindo a primazia de uns sobre outros no caso de conflito de normas. Em caso de igual hierarquia, a data constante na epígrafe resolverá o eventual conflito em favor da norma mais recente. Obs.: A lei mais nova, quando trata de forma diferente sobre a mesma matéria que um dispositivo mais antigo, acaba por revogá-lo (vide art. 2o, § 1o da LICC)
99.1
b) rubrica ou ementa - é a parte do preâmbulo que define o assunto disciplinado pelo ato. Não constitui um resumo, pois somente faz a referência à matéria tratada no ato. Apresenta-se, normalmente, em destaque, ora em negrito, ora em grifo. Ex.: DECRETO N° 2.172, DE 5 DE MARÇO DE 1997 (epígrafe)
Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
Aprova o Regulamento dos Benefícios da Previdência Social (rubrica) Pode ocorrer que conste da epígrafe: “Dispõe sobre ação de alimentos e dá outras providências.” (Lei 5.478, de julho de 1968) Neste caso, é indispensável que o não explicado (“e dá outras providências”) se relacione com o referido na rubrica. (vide art. 23 e 24 da mencionada lei).
Obs.: epígrafe + rubrica = título (do ato legislativo) 69
c) autoria e fundamento legal da autoridade - a autoria se define na parte que se segue à rubrica. Quando o ato é de autoria do Executivo, o preâmbulo registra ainda o fundamento legal em que se apoiou a autoridade: “O Presidente da República (autoria), no uso das atribuições que lhe confere o item IV do art. 81 da Constituição Federal (fundamento)...” Quando o ato é elaborado pelo Poder Legislativo, a fórmula usual é: “O Presidente da República: Faço saber que o Congresso Nacional decreta (autoria) e eu sanciono a seguinte Lei: ... “ (Lei 4.132, de 10 de setembro de 1962). 1
A palavra “decreta” está empregada impropriamente. Aqui deveria ser usado o termo “aprova”. Aqui não há fundamento.
2
99.1
Obs.:
d) causas justificativas - Comuns no passado, hoje em dia pouco se recorre a este elemento, onde o legislador declara as razões que o levaram a editar o ato. As causas justificativas se revestem de duas formas principais: considerandos e exposições de motivos.
Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
•
considerandos - quando ato legislativo se reveste de grande importância para a vida nacional; quando se destina a reformular amplamente as diretrizes sociais, introduz normas de exceção ou vai provocar um certo impacto na opinião pública, a autoridade apresenta o elenco de razões que determinou a edição do instrumento legal. Finalidade: dar uma satisfação aos destinatários e prepará-los psicologicamente para a efetividade do novo Direito. 70
•
na prática, a expressão de motivos leva a chancela do Ministro da Justiça e é dirigida ao Presidente da República. Este, ao encaminhar a proposta de novo código ao Poder Legislativo, já sob a forma de projeto, envia também a exposição de motivos respectiva, que constitui, em regra, um repositório de lições jurídicas.
Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
exposição de motivos - modalidade de justificação privativa das codificações. Nela são indicadas as inovações incorporadas ao texto e suas fontes inspiradoras. Trata-se de peça mais ampla e analítica, que acaba por mencionar as teorias que foram contempladas na nova Lei, fazendo referências eventuais ao Direito Comparado.
99.1
•
e) ordem de execução ou mandado de cumprimento parte que encerra o preâmbulo e que determina o cumprimento do ato normativo. Ex.: “Faço saber...” O Congresso Nacional decreta e eu sanciono ...” f)
valor do preâmbulo 1 na verificação da hierarquia, para dirimir conflito de leis no tempo. 2 na verificação da data de edição, também para dirimir conflito de leis no tempo. 3 eventualmente, na interpretação da lei (rubrica e causas justificativas), para verificar seu alcance.
2
Corpo ou texto - parte substancial do ato, onde se concentram as normas reitoras do convívio social.
71
3
Disposições complementares - são partes especiais que contêm orientações diversas necessárias à aplicação do novo texto. Dividem-se em preliminares, gerais ou finais e transitórias.
a) Disposições preliminares - antecedem as disposições principais e têm a finalidade de fornecer esclarecimentos prévios, como o da localização da lei no tempo e no espaço, os objetivos do ato legislativo, definições de alguns termos, etc. b) Disposições gerais e finais - vinculam-se diretamente às questões materiais da lei. Nos atos mais extensos, que se dividem em títulos e capítulos, pode ocorrer a necessidade de se estabelecerem princípios gerais de interesse de apenas uma das partes da obra legislativa. Neste caso, tais disposições gerais devem figurar imediatamente antes ou imediatamente depois da parte a que se referem. Quando essas normas são aplicáveis a todo o texto legislativo, devem ser colocadas ao final, sob a denominação de disposições finais.
99.1 Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
c) Disposições transitórias - são disposições que regulam situações passageiras. Destinam-se a resolver problemas pendentes, causados pela mudança na legislação. São disposições de adaptação entre a retirada de vigência de determinado regramento e a entrada em vigor de outro.
72
4
Cláusula de vigência e de revogação - A primeira consiste na regência à data em que o ato se tornará obrigatório. Ex.: “esta lei entra em vigor na data de sua publicação.” Quando os atos legislativos são extensos ou complexos é indispensável a vacatio legis (intervalo entre a data de publicação e início de vigência). Na falta de disposição expressa, aplicar-se-á a regra geral contida na Lei de Introdução ao CC.
A cláusula de revogação consiste na referência que a nova lei faz aos atos legislativos que perderão sua vigência. Como o parágrafo 1º do art. 2º da LICC dispõe que “a lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior”, desnecessária se faz a menção à fórmula “ficam revogadas as disposições em contrário”, contida em diversas normas.
99.1
Fecho - indica o local e a data da assinatura, bem como os anos que são passados da independência e da proclamação da República.
6
Assinatura - Como documento que é, o ato legislativo somente passa a existir com a aposição das assinaturas devidas. O ato deve ser assinado pela autoridade que o promulga.
7
Referenda - No plano federal, a referenda consiste no fato de a assinatura do ministro de Estado acompanhar a do Presidente, assumindo uma co-responsabilidade com a edição do ato. Atualmente, a referenda não é essencial à validade dos atos presidenciais, como no regime parlamentar vigente no início dos anos 60, embora constitua uma praxe reveladora da coesão existente entre as autoridades que administram o país.
Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
5
Apresentação material dos atos legislativos 73
O método empregado na distribuição do conteúdo normativo de uma lei em artigos, seções, capítulos e títulos visam dar-lhe uma ordem, proporcionando ao Direito uma forma prática de exteriorização. O eixo principal em torno do qual se desenvolve a apresentação material dos atos legislativos é formado pelos artigos. Os demais elementos são divisões deles, como os parágrafos e itens, ou representam seu agrupamento, como as seções, capítulos e títulos. 1 Artigo - significa parte ou trecho. É a unidade básica para a apresentação, divisão ou agrupamento de assuntos. Obs. 1: Quando o artigo é dividido em parágrafos ou itens, a parte que antecede o desdobramento denomina-se caput. 99.1
Regras orientadoras da elaboração dos artigos: a) Os artigos não devem abordar mais de uma assunto (art. 31 do CC) b) No artigo deve figurar apenas a regra geral. As exceções e especificações devem ser definidas pelos parágrafos e itens (art. 524 do CC) c) A linguagem abreviada das siglas deve ser evitada, pois cria dificuldade no entendimento do artigo. d) Deve ser redigido de forma inteligível, ao alcance de seus destinatários. Deve ter, portanto, linguagem simples, clara e concisa, evitando-se expressões regionais. e) Deve-se evitar o emprego de expressões esclarecedoras como “isto é”, “ou seja”, “por exemplo” ou outras semelhantes, pois o texto bem redigido é claro o suficiente para dispensá-las. f) Devem ser conservadas as mesmas expressões para exprimir as mesmas idéias, evitando-se a sinonímia para não gerar dúvidas ou especulações quanto à interpretação do texto.
Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
74
2
Parágrafo - provém do latim paragraphus, composto de para (ao lado) e graphus (escrever), significando, assim, escrever ao lado. Tem como finalidade explicar ou excepcionar o artigo. Não deve, desta forma, formular regra geral, nem princípio básico, mas é autônomo, pois deve tratar de assunto intimamente relacionado com a parte inicial do artigo.
3
Item e letra - item significa igualmente, também, como e é utilizado com a finalidade de enumerar hipóteses, indicar requisitos ou discriminar elementos. Obs.: As letras possuem idêntica função à dos itens.
4
Alínea e Inciso - São vocábulos empregados, via de regra, como referência aos itens e letras.
Agrupamentos de artigos Nos atos legislativos mais extensos, como os códigos e as consolidações, a matéria legislada é organizada por natureza de assuntos. Cada um destes assuntos é arrumado em um bloco de artigos: a) os artigos formam a seção; b) as seções formam o capítulo; c) os capítulos formam o título; d) os títulos formam o livro; e) os livros formam a parte; f) as partes formam o código.
99.1 Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
Obs.: A enumeração acima representa uma ordem crescente de generalização. Assim, o capítulo contém assuntos mais genéricos do que as seções e mais específicos que o título.
Sistema e Ordenamento Jurídico: unidade, coerência e completude 75
Norberto Bobbio distingue os ordenamentos jurídicos em simples e complexos. a) Ordenamentos jurídicos simples são aqueles que derivam de uma só fonte => neles existem dois personagens: legislador e súditos => divisão puramente escolástica b) Complexos são os ordenamentos que derivam de mais de uma fonte => necessidade de muitas regras de conduta para a manutenção de uma sociedade => impossibilidade de um único órgão suprir tal necessidade A complexidade do ordenamento jurídico, ou seja, o fato de as normas de um ordenamento jurídico afluírem de diversas fontes decorre de duas razões fundamentais: O Estado não é uma sociedade natural completamente privada de leis. Pelo contrário, nele vigem normas morais, sociais, religiosas, usuais, consuetudinárias, convencionais, etc. O novo ordenamento que surge não elimina completamente as estratificações normativas que o precederam. Assim, parte daquelas regras, através de um reconhecimento expresso ou tácito, comporá o novo ordenamento, que surge limitado pelos ordenamentos precedentes. - Limites externos do poder soberano
Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
2
99.1
1
O poder originário cria novas centrais de produção de normas jurídicas (Poder Executivo, Unidades Territoriais Autônomas, Cidadão), pela necessidade de uma normatização sempre atualizada e adaptada às diversas realidades. - Limites internos do poder soberano ou autolimitação
Construção escalonada do Direito 76
A complexidade do Direito não exclui a sua unidade, fundamentando-se tal afirmação na teoria da construção escalonada do ordenamento jurídico, elaborada por Kelsen. Para esta teoria, as normas de um ordenamento jurídico não estão no mesmo plano, existindo, assim, normas superiores e inferiores. Subindo a escala das normas, chegar-se-á a uma norma suprema, sobre a qual repousa a unidade do ordenamento. Esta norma fundamental faz das diversas normas inferiores e de diversas proveniências um conjunto unitário chamado ordenamento. Sem esta norma fundamental, as demais constituiriam um amontoado. Desta forma, por mais numerosas que sejam as fontes do Direito de um ordenamento complexo, todas as normas remontam a uma única norma. Há, portanto, uma estrutura hierárquica de normas.
99.1 Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
PIRÂMIDE DE KELSEN 77
Representa-se esta estrutura hierárquica de um ordenamento através de uma pirâmide. O vértice é ocupado pela norma fundamental e a base pelos atos executivos.
. Processo de produção . Poder . Dever . Processo de execução
99.1
Obs.: Há ordenamentos nos quais não existe diferença entre leis constitucionais e leis ordinárias. Estes são aqueles ordenamentos em que o Poder Legislativo pode formular, através do mesmo procedimento, leis ordinárias e leis constitucionais.
Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
Limites materiais e limites formais Quando um órgão superior atribui a outro inferior um poder normativo, não lhe atribui um poder ilimitado. Assim como 78
o poder jurisdicional é limitado pelo Poder Legislativo, o exercício do Poder legislativo é limitado pelo poder constitucional. Os limites impostos pelos poderes superiores aos inferiores podem ser de duas espécies: 1 2
Materiais (ligados ao conteúdo) - Ex.: art. 30 da CF, art. 25, §1o da CF Formais (ligados à forma) - art. 60 da CF
A observação destes limites é importante, já que delimitam o âmbito em que a norma inferior emana legitimamente: uma norma inferior que exceda os limites materiais, regulando matéria diversa da que lhe foi atribuída, está sujeita a ser declarada ilegítima e ser expulsa do sistema. 99.1
Assim, quando a lei constitucional atribui aos cidadãos o direito à liberdade religiosa (art. 5o, VI, da CF), limita o conteúdo normativo do legislador ordinário, isto é, proíbelhe estabelecer normas que tenham como conteúdo a supressão da liberdade religiosa.
Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
Os limites formais estão sempre presentes. Sempre haverá um disciplinamento sobre o modo de funcionamento dos órgãos legislativos. Todavia, o mesmo não se pode dizer quanto aos limites materiais. Estes limites podem faltar nos ordenamentos em que não exista uma diferença de grau entre leis constitucionais e leis ordinárias (as chamadas Constituições flexíveis). Nos ordenamentos em que as Constituições são flexíveis, o legislador ordinário pode legislar em qualquer matéria. (Constituição Inglesa). Nossa Constituição é rígida. Os limites do legislador ordinário estão dispostos na Constituição Federal, quando estabelece certos pré-requisitos para que ela mesma seja 79
modificada, havendo, portanto, distinção entre emendas à Constituição e lei ordinária.(art. 60 e art. 61, da CF). Quando se diz que o juiz deve aplicar a lei (Direito Substantivo), significa que sua atividade está limitada pela lei, ou seja, o conteúdo da sentença por ele proferida deve corresponder ao conteúdo de uma lei. Não havendo esta correspondência, sua sentença pode ser declarada inválida, tal como a lei não-conforme à Constituição. As leis relativas ao procedimento (leis adjetivas), constituem limites formais à atividade do magistrado, devendo ele dizer o direito no caso concreto segundo um ritual preestabelecido. A norma fundamental
99.1
Para fecharmos o sistema, devemos dar um passo além das normas constitucionais.
Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
Toda norma pressupõe um poder normativo. Norma significa imposição de obrigações e onde há obrigações há poder. Se existem normas constitucionais, deve existir poder normativo do qual elas derivam. Este poder é o poder constituinte, poder originário.
Poder originário O poder originário é o ponto de referência último de todas as normas. É o poder além do qual não existe nenhum outro pelo qual se possa justificar o ordenamento jurídico. Esse ponto de referência é necessário para fundar a unidade do ordenamento jurídico. (Norberto Bobbio) 80
Dado o Poder Constituinte como poder último, devemos supor uma norma que atribua a ele a faculdade de produzir normas jurídicas obrigatórias a toda a comunidade. Esta, então, seria a norma fundamental, a fonte das fontes do Direito, podendo assim se manifestar: “A coletividade é obrigada a obedecer às normas estabelecidas pelo poder constituinte.” Notem que esta norma não é expressa, mas nós pressupomos sua existência para fundar o sistema normativo. Para se fundar o sistema é necessário que haja uma norma última além da qual seria inútil ir. Para que possamos ir além desta norma, devemos sair do sistema jurídico para chegarmos a um sistema maior, dentro do qual o jurídico estaria incluído.
99.1 Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
81
A VALIDADE DA NORMA JURÍDICA
A pertinência de uma norma a um ordenamento é aquilo que se chama de validade. Se uma norma jurídica é válida, significa que é obrigatório conformar-se a ela e, caso não nos conformemos, o juiz será obrigado a intervir, atribuindo esta ou aquela sanção. Pode-se estabelecer a pertinência de uma norma a um ordenamento e, portanto, sua validade, remontando-se de grau em grau, até a norma fundamental. Concluímos, assim, que a norma fundamental é o fundamento de validade de todas as normas, sendo também, e por conseqüência, princípio unificador das normas de um ordenamento.
99.1 Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
Direito e força Falamos que a norma fundamental estabelece que é preciso obedecer ao poder originário. Mas o que é poder originário?
Poder originário É o conjunto de forças políticas que, num determinado momento histórico, tomam o domínio da sociedade e instauram um novo ordenamento jurídico. (Norberto Bobbio)
82
O ordenamento só é jurídico se for efetivo. A norma fundamental que manda a todos obedecerem aos detentores do poder originário é aquela que os legitima a exercerem a força. Veja-se que uma das características do ordenamento jurídico (das normas jurídicas) é a possibilidade do uso da força (coercibilidade). Assim a força pode ser vista como um instrumento para a realização do Direito. Para Norberto Bobbio, um ordenamento se torna jurídico quando se vêm formando regras para organizar uma sociedade pelo uso da força (passa-se da fase do uso indiscriminado da força à do uso limitado e controlado da força). Todavia, não é correto dizer que um ordenamento jurídico é um conjunto de regras para o exercício da força, como queria Kelsen. O objetivo de todo o legislador não é o de organizar a força, mas organizar a sociedade mediante a força.
99.1 Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
83
SISTEMA E ORDENAMENTO JURÍDICO: COERÊNCIA
O ordenamento jurídico é uma unidade sistemática, entendendo-se por sistema um conjunto de entes entre os quais existe uma certa ordem. Kelsen distingue dois tipos de sistemas existentes nos ordenamentos normativos:
Sistemas estáticos - as normas derivam umas das outras, partindo-se de uma ou mais normas originárias de caráter geral, levando a outras de caráter mais específico. - as normas, aqui, relacionam-se em função de seu conteúdo;
2
Sistemas dinâmicos - as normas que o compõe derivam umas das outras através de sucessivas delegações de poder. - as normas, aqui, se relacionam pela forma de sua concepção.
99.1
1
Exemplo de sistema estático - Um pai ordena a seu filho que estude. O filho lhe indaga: Por quê? O pai explica: Porque deves aprender. O filho pergunta: por que devo aprender? O pai explica: Para seres aprovado.(conteúdo)
Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
Exemplo de sistema dinâmico: O pai ordena a seu filho que estude. O filho indaga: Por quê? O pai explica: Porque deves obedecer a teu pai. O filho pergunta: Por que devo obedecer a meu pai? O pai responde: Porque teu pai foi autorizado a mandar pela lei do Estado.(forma) Kelsen sustenta que os ordenamentos jurídicos são de sistema dinâmico. Por que o ordenamento jurídico é um sistema? Porque, além das normas contidas no ordenamento derivarem umas das outras, nele não podem coexistir normas incompatíveis, ou seja, o Direito não tolera antinomias. 84
Antinomia Jurídica Situação que se verifica entre duas normas incompatíveis, pertencentes ao mesmo ordenamento e tendo o mesmo âmbito de validade. (Norberto Bobbio) Existem quatro âmbitos de validade:
4
Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
3
99.1
2
1 Validade temporal: “É proibido fumar das 5 às 7h” não é incompatível com “É permitido fumar das 7 às 9h”. Validade espacial: “É proibido fumar na sala de projeção” não é incompatível com “É permitido fumar na sala de espera”. Validade pessoal: “É proibido aos menores de 18 anos fumar” não é incompatível com “É permitido aos adultos fumar”. Validade material: “É proibido fumar charutos” não é incompatível com “É permitido fumar cigarros”.
As regras fundamentais para a solução das antinomias são: 1 2 3
Critério cronológico (lex posterior derogat priori) art. 2o, § 1o, LICC Critério hierárquico (lex superior derogat inferiori) Critério da especialidade - art. 2o., p. 2o., LICC
Obs.: Lei especial é aquela que anula uma lei mais geral ou subtrai de uma norma uma parte da sua matéria para submetê-la a uma regulamentação diferente (contrária ou contraditória). Corresponde a uma exigência fundamental de justiça: tratamento igual às pessoas que pertencem à mesma categoria.
85
Ao deparar-se com uma antinomia, o aplicador do Direito deverá utilizar as regras mencionadas, resultando três possibilidades: 1 Eliminar uma das regras, aplicando a outra (antinomia real) => interpretação ab-rogante => ab-rogação simples 2 Eliminar as duas, aplicando uma terceira (antinomia real) => interpretação ab-rogante => dupla ab-rogação 3 Conservar as duas (antinomia aparente) Obs.: Veja-se que, ao notar uma antinomia, um juiz poderá utilizar uma das regras, enquanto outro utilizará a norma contrária. Conclusão: A coerência não é condição de validade, mas sempre condição de justiça do ordenamento. Quando duas normas contrárias são válidas, podendo haver indiferentemente a aplicação de uma ou de outra, viola-se duas exigências fundamentais em que se inspiram os ordenamentos jurídicos: a certeza (correspondente ao valor da paz e da ordem) e a justiça (que corresponde ao valor da igualdade).
99.1 Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
86
SISTEMA E ORDENAMENTO JURÍDICO: COMPLETUDE Completude É a propriedade pela qual um ordenamento jurídico tem uma norma para regular qualquer caso. Uma vez que a falta de uma norma se chama geralmente “lacuna”, “completude significa “falta de lacunas”. (Norberto Bobbio) Art. 4o. da LICC: Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais do Direito. Art. 126 do CPC: O juiz não se exime de sentenciar ou despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito.
99.1 Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
Art. 127 do CPC: O juiz só decidirá por eqüidade nos casos previstos em lei. O princípio de que o ordenamento jurídico seja completo para fornecer ao juiz, em cada caso, uma solução sem recorrer à eqüidade é dominante até agora na teoria jurídica européia de origem romana. O dogma da completude nasce provavelmente na tradição românica medieval, dos tempos em que o Direito romano vai sendo considerado Direito por excelência, enunciado no Corpus Iuris, ao qual não há nada a acrescentar ou a retirar, pois contém regras suficientes para resolver qualquer problema jurídico que possa surgir.
87
Nos tempos modernos, o dogma da completude tornou-se parte integrante da concepção que faz da produção jurídica um monopólio do Estado. Por esta concepção, admitir que o ordenamento jurídico estatal não era completo significava introduzir um Direito concorrente, quebrando o monopólio do Estado. Com as grandes codificações (desde a francesa de 1804 até a alemã de 1900), desenvolveu-se entre os juristas e juízes a admiração incondicional pelo legislador, gerando uma crença cega de que o código, uma vez promulgado, bastavase a si próprio, inexistindo neles qualquer lacuna. Na medida em que as codificações envelheciam, crescia também o fenômeno da revolução industrial, que gerou uma profunda e rápida transformação da sociedade. Esta mudança fez parecerem as primeiras codificações anacrônicas e inadequadas.
99.1
Surge, assim, a corrente do Direito Livre, combatendo o monopólio jurídico do Estado e, por conseqüência, o dogma da completude. Esta corrente defendia que somente o Direito livre (Direito criado pelo juiz) estaria em condições de preencher as lacunas da legislação.
Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
Todavia, prevaleceu o dogma da completude, pois curvar-se ao Direito livre significava quebrar a barreira do princípio da legalidade, que havia sido colocado em defesa do indivíduo, abrir as portas ao arbítrio, ao caos e à anarquia. A completude não era um mito, mas uma exigência de justiça.
O ordenamento jurídico fixa normas para certas situações e deixa de regulamentar outras, fazendo parecer que aquelas 88
não regulamentadas não importam ao mundo jurídico. Entretanto, entre os casos inclusos expressamente e os exclusos, há, em cada ordenamento, uma zona incerta de casos não regulamentados, mas potencialmente colocáveis na área de influência dos casos normatizados. (exceção: Direito Penal (fixação de crimes) - art. 5o. XXXIX da CF e Direito Tributário (instituição de tributos) - art. 150, I, da CF) Para se completar um ordenamento jurídico, pode-se recorrer a dois métodos: Heterointegração: busca do complemento fora do ordenamento, mas autorizado por ele. • recurso a ordenamentos diversos - Ex.: Direito Natural • recurso a fontes diversas daquelas dominantes (a lei) - costumes, eqüidade e doutrina
99.1 Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
1
2 Auto-integração: busca do complemento no próprio ordenamento. Ex.: Analogia e princípios gerais do Direito.
89
Hierarquia das Leis A Constituição é a lei das leis, a lei suprema à qual se devem subordinar todas as demais leis. Todas as demais leis tornar-se-ão inconstitucionais e perderão a vigência na proporção em que deixarem de respeitar a Constituição. As leis constitucionais procedem do poder constituinte. As leis ordinárias (todas as demais leis) procedem do poder legislativo. De acordo com o art. 59 da Constituição Federal vigente, o processo legislativo compreende a elaboração de : no
ápice da
99.1
I - Emendas à constituição (estão elaboração legislativa)
II - Leis complementares à constituição (têm o caráter de leis orgânicas e procuram pôr em execução preceitos da própria Constituição) (têm,
praticamente,
Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
III - Leis ordinárias mesmo IV - Leis delegadas V - Medidas provisórias
o
valor jurídico)
VI - Decretos legislativos VII - Resoluções
90
Abaixo destes atos legislativos, temos os decretos executivos, emanados pelo Presidente da República, para execução das leis provenientes do congresso ou não. Depois dos decretos executivos, temos as portarias ministeriais, as portarias de diretores de departamentos, as instruções, as circulares, as ordens de serviço. Abaixo dos regulamentos, já não temos propriamente leis e sim atos normativos.
O Problema da Legitimidade da Norma Jurídica 99.1
Vigência (validade formal): Para a norma jurídica ingressar no mundo do direito, produzindo seus efeitos, é necessário que tenha vigência ou, no dizer de Paulo Nader, validade formal.
Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
1
Validade formal => ter preenchido os requisitos técnico-formais. Se o processo de formação da lei foi irregular, sem que tenha havido, por exemplo, tramitação pelo Senado Federal, as normas não obterão vigência. Paulo Dourado de Gusmão diferencia, no sentido técnico-jurídico, vigência de validade. Vigência, para este autor, diz respeito à dimensão temporal e espacial da obrigatoriedade do Direito. Determinável, começa da data em que for publicada a norma no Diário Oficial, ou da data nela prevista, terminando na sua revogação, quando lei posterior dispuser em sentido contrário.
91
2
Eficácia (validade social): Eficaz é o direito efetivamente observado pela sociedade e aplicado pelo Poder Judiciário e que atinge a sua finalidade. Obs.: Há quem faça distinção entre eficácia e efetividade.
3 Fundamento (validade ética): O direito é válido se corresponder à justiça, às aspirações morais do povo e às reais necessidades sociais, bem como se atender às suas finalidades (ordem, paz e segurança).
Existência, Validade, Eficácia e Efetividade da Lei 99.1
INÍCIO DA VIGÊNCIA DA LEI Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
Após a sanção, a lei já existe e é válida, tendo em vista que a promulgação é ato declaratório de sua existência. Todavia só terá vigência a partir da data disposta nela mesma. Pode ocorrer que a lei não mencione a data a partir da qual vigorará. Neste caso prevalece a regra geral do art. 1o da LICC (entrará em vigor 45 dias após a data de sua publicação). Obs.: Chama-se vacatio legis o período que medeia a data de publicação da lei e a de sua entrada em vigor.
92
PRINCÍPIO DA OBRIGATORIEDADE DAS LEIS
Publicada a lei, esta passa a ser do domínio de todos, sem exceção. Desta forma, diz o art. 3o da LICC: “Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece.” O princípio da obrigatoriedade, inscrito no artigo mencionado, é bem recente, porque, no direito romano, admitia-se a desculpa do erro pelo desconhecimento do direito. Tal princípio, atualmente, comporta poucas exceções (Ex.: art.8o. da Lei de Contravenções Penais: “no caso de ignorância ou errada compreensão da lei, quando escusáveis, a pena pode deixar de ser aplicada”.) 99.1
DAS
LEIS
Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE
Este princípio está contemplado no art. 2o da LICC, quando menciona que uma lei só deixa de vigorar quando modificada ou revogada por outra posterior. Há que se fazer uma distinção entre derrogação e abrogação. A derrogação significa revogação parcial enquanto que a ab-rogação diz respeito à revogação total. Ambas, derrogação e ab-rogação, são espécies do gênero revogação.
93
CESSAÇÃO DA EFICÁCIA DAS LEIS
A lei nova revoga a anterior quando trata sobre o mesmo assunto de forma diversa. Assim, nos fatos ocorridos após a sua revogação, a lei antiga não produzirá qualquer efeito, cessando, desta forma, sua eficácia. Mas, com relação aos fatos ocorridos anteriormente à edição da nova lei, a lei antiga poderá continuar produzindo efeitos. Tal fenômeno é chamado de ultratividade da lei.
99.1
REVOGAÇÃO: EXPRESSA E TÁCITA Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
Se a lei posterior disser, de maneira expressa, que a lei anterior está revogada, temos a revogação expressa. A revogação tácita é a que decorre da vigência de uma nova disposição que colide com a anterior, sem que seja mencionada a lei nova a revogação da antiga. Assim, está implícita sua revogação. Há também revogação tácita quando a lei posterior regula inteiramente certa matéria tratada por lei anterior, sem que, ao final, diga expressamente que revogou a lei antiga. Obs.: Costume não revoga lei.
REPRISTINAÇÃO
94
A lei posterior revoga a anterior quando trata da mesma matéria de forma contrária. Uma vez revogada a lei nova, volta a vigorar a lei antiga? Art. 2o, parágrafo 3o, da LICC: “Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência”. Repristinação seria o restabelecimento da lei revogada após a perda da vigência da lei revogadora. Tal fato, como vimos, não é possível em nosso ordenamento jurídico, salvo disposição expressa em contrário. Obs.: Tal dispositivo não se aplica às leis temporárias. - art. 2o, caput: “Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.”
99.1
Pergunta-se: 1- Uma lei pode ter validade sem ter vigência e eficácia? 2- Pode uma lei ter validade e vigência sem ter eficácia? 3- Pode uma lei ter vigência e eficácia sem ter validade? 4- Pode uma lei ter validade e eficácia sem ter vigência?
Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
95
UNIDADE VII - CONFLITO DE LEIS NO TEMPO DE NO ESPAÇO
DIREITO INTERTEMPORAL
Toda a matéria tratada no art. 2o da lei de Introdução ao Código Civil, dá margem a uma infinidade de conflitos. Tais conflitos são chamados de “conflitos das leis no tempo”. O conflito das leis no tempo nasce justamente da colisão da lei nova com a anterior. Muitas vezes permanecem conseqüências da lei antiga, sob a vigência da lei nova. E, muitas vezes, situações que foram criadas pela lei antiga já não encontrarão apoio na lei nova. Então há que se estudar até que ponto a lei antiga pode gerar efeitos e até que ponto a lei nova não pode impedir esses efeitos da lei antiga. Chamaremos tal fenômeno de direito intertemporal.
99.1 Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
As normas legislativas de direito intertemporal são chamadas disposições transitórias. As própria lei pode estabelecer tais disposições (vide Constituição Federal), dispondo sobre sua vigência ou sobre a vigência de leis anteriores. Todavia, são os princípios jurídicos que estabelecem as grandes linhas do direito intertemporal. Entre tais princípios estão os da retroatividade e da não-retroatividade da lei.
96
PRINCÍPIO DA IRRETROATIVIDADE DAS LEIS
Por retroatividade da lei entende-se que a lei nova pode atingir situações abrangidas por leis anteriores. Ao contrário, por irretroatividade das leis a lei nova não pode atingir situações reguladas pela lei anterior. O princípio da irretroatividade encontra respaldo em nosso ordenamento jurídico tendo em vista a necessidade de segurança e estabilidade necessários à vida em sociedade. Assim, temos a certeza de que o nosso direito de hoje não será violado pela lei de amanhã. Desta forma, dispõe o art. 6º da Lei de Introdução ao CC que “a lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada”. No mesmo diapasão dispõe o inciso XXXVI do art. 5º da CF/88 “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”.
99.1 Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
Assim, para entendermos a irretroatividade, é importante que se entenda o que significa direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada. Direito adquirido é aquele que, na vigência de determinada lei, incorporou-se ao patrimônio de seu titular. Ex.: Alguém pode aposentar-se por exercer atividade penosa após 25 anos de serviço. Apesar de passados os anos exigidos, não se utiliza da vantagem. De repente, sobrevém uma lei que considera tal atividade não penosa e alarga o tempo exigido para aposentadoria para 30 anos. Mesmo não tendo o indivíduo exercido o seu direito à época em que completou os 25 anos de serviço (sob a vigência da lei antiga), poderá ele valer-se da lei antiga para 97
obter o benefício, uma vez que o direito já estava adquirido à época da mudança da lei. Dispõe o parágrafo 2º, do art. 6 º, da Lei de Introdução do CC: “Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou condição preestabelecida inalterável, a arbítrio de outrem”. A noção de direito adquirido, em que pese a sua influência no campo do direito tradicional, tem sido modernamente abandonada para substituir-se pela teoria dos chamados fatos consumados. Ferrara preconiza, para solução dos problemas da irretroatividade, o princípio tempus regit factum, pelo qual os fatos se regem pela lei vigorante à época de sua ocorrência.
99.1 Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
Assim, uma lei antiga conserva sua capacidade de produzir efeitos, mesmo sob a vigência de nova lei. Isto, porém, só se dá de matéria de interesse exclusivamente privado. Se assim não fosse, não seriam possíveis leis como a da abolição da escravatura, que extinguiu efeitos do regime legal anterior. Coisa Julgada - Depois de decidida uma questão pelo Judiciário, se já não há possibilidade de recurso, faz ela lei entre as partes, estabelecendo obrigações e direitos entre as mesmas. A lei nova não atingirá tais decisões.
98
Ato Jurídico Perfeito - É aquele que se realizou inteiramente sob a vigência de determinada lei. Assim, se alguém comprou alguma coisa, pagando na hora o respectivo preço total, o direito daquela pessoa sobre tal coisa está consumado, não podendo ser atingido por lei nova. Conclusão: Se o ato não estiver terminado, a lei nova o atingirá. Obs. 1: A expectativa de direito é a possibilidade de se vir a ter um direito. Ela não confere direitos. Ex. 1: Se alguém tem 24 anos de serviço e frente à lei vigente lhe falta 1 ano para aposentar-se, este indivíduo tem uma expectativa de direito à sua aposentadoria. Caso a lei mude neste momento, terá ele que submeter-se ao novo regramento.
99.1
Ex. 2: O filho, estando seu pai ainda vivo, tem expectativa de direito quanto à herança. Entretanto, os bens de seu pai ainda não incorporaram ao seu patrimônio, não gerando, portanto, direito adquirido.
Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
Conclusão: A lei nova atinge as expectativas de direito. Obs. 2: Faculdade Jurídica é um mero poder conferido a determinada pessoa para realizar determinada ação. Não é propriamente um direito, mas “um modo pelo qual o direito se manifesta em dadas circunstâncias”, como diz Clóvis Bevilacqua. A Faculdade Jurídica consiste, assim, na possibilidade que tem o indivíduo de exercer certo direito. Ex.: Casar-se, conferir um mandato, comprar, vender, etc. Conclusão: A lei nova atinge a faculdade jurídica. 99
100 Prof. Andr é Uch ôa Cava lcant i IED 1
99.1