Universidade Federal do Espírito Santo
Fichamento Capitulo Capitulo 4 do livro História da educação no no Brasil (ROMANELLI, Otaíza) Licenciatura Letras Português Disciplina: Fundamentos histórico-filosoficos da educação Discente: Gabriel Bravim Rodrigues 2014
ROMANELLI, Otaíza. História da Educação no Brasil: 1930-1973. Petrópolis: Vozes, 2001. (Cap. IV e V).
Capítulo 4 – A organização do ensino e o contexto sócio-político após 1930
4.1. Introdução
A autora antecede que seu propósito, neste capítulo, é mostrar que a manutenção e aprofundamento da defasagem entre a educação e o desenvolvimento no Brasil são vinculados às contradições políticas causadas pela luta entre as várias facções das camadas dominantes na estrutura do poder. Para tanto, Romanelli se utiliza da legislação do ensino (a partir de 1930) e parte das hipóteses de que a legislação evoluiu de forma contraditória, porém pendendo mais em favor das correntes conservadoras e de que este fato representou um controle quantitativo e uma orientação dos rumos para os quais deveria dar-se a expansão. 4.2. O movimento renovador
Um grupo de educadores brasileiros com idéias renovadoras reunia-se no Rio de Janeiro para criar a Associação Brasileira de Educação. O movimento renovador iria ter na ABE seu órgão representativo e seu centro divulgador. “Era também o começo de uma luta ideológica que iria culminar na publicação do ‘Manifesto dos Pioneiros da Educação Nacional’, em 1932, e nas lutas travadas mais tarde em torno
do
projeto de lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional.” (p.129). “[...] subjacentes aos objetivos explícitos dessa luta, estavam, na verdade, objetivos implícitos, que
consubstanciavam o verdadeiro sentido do movimento. A reafirmação dos princípios e valores da educação confessional significa, em realidade, a determinação dos grandes grupos, que até então vinham monopolizando o ensino, de impedir, a todo custo, a perda desse monopólio que a ação do Estado naturalmente haveria de acarretar.” (p. 130).
4.3. A reforma Francisco Campos
4.3.1. Introdução
O Governo Provisório (em 1930) estabeleceu condições de infra-estrutura administrativa para fazer prevalecer alguns dos princípios básicos em que se fundamentava o novo regime. Foi instituído o Ministério da Educação e Saúde Pública que teve como seu primeiro ministro, o Sr. Francisco Campos. “Efetivamente, credita-se-lhe,
entre outros méritos, o de haver dado uma estrutura orgânica ao ensino
secundário, comercial e superior. Era a primeira vez que uma reforma atingia profundamente a estrutura do ensino e, o que é importante, era pela primeira vez imposta a todo o território nacional. Era, pois, o início de uma ação mais objetiva do Estado em relação à educação.” (p.131).
4.3.2. A reforma do ensino superior
4.3.2.1. O aparecimento das Universidades no Brasil Apesar de já terem sido criadas a Universidade do Rio de Janeiro e a Universidade de Minas Gerais, a Universidade de São Paulo foi a primeira a ser criada e organizada segundo as normas dos Estatutos das
Universidades, em 1934. As demais universidades eram, até então, organizadas pela simples incorporação dos cursos existentes e autônomos. “A Universidade de São Paulo foi criada segundo as normas do decreto e apresentava a novidade de possuir
uma Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras que, segundo Fernando Azevedo, passou a ser a medula do sistema, tendo por objetivos a formação de professores para o magistério secundário e a realização de altos estudos desinteressados e a pesquisa.” (p.133).
4.3.2.2. O Estatuto das Universidades Brasileiras O Estatuto fixou os seguintes fins para o ensino universitário: “[...] elevar o nível da cultura geral; estimular a investigação científica em quaisquer domínios dos
conhecimentos humanos; habilitar ao exercício de atividades que requererem preparo técnico e científico superior; concorres, enfim, pela educação do indivíduo e da coletividade pela harmonia de objetivos entre professores e estudantes e pelo aproveitamento de todas as atividades universitárias, para a grandeza da Nação e para o aperfeiçoamento da Humanidade”. (p.133).
De acordo com Romanelli, a Universidade brasileira vem perseguindo apenas os objetivos ligados à formação profissional, com raras exceções. 4.3.3. A reforma do ensino secundário
Romanelli afirma que a reforma do ensino secundário, consolidada em 1932, teve como resultado a implantação de um currículo enciclopédico, mas teve o mérito de dar organicidade ao ensino secundário, estabelecendo o currículo seriado, a freqüência obrigatória, dois ciclos, um fundamental e outro complementar, e a exigência de habilitação neles para o ingresso no ensino superior. A autora sustenta ainda, que o ensino secundário teve um caráter “elitista”, tendo em vista a vastidão do currículo e a rigidez
do sistema de avaliação. “[...] a reforma da educação levada a cabo por Francisco Campos criou um verdadeiro ponto de
estrangulamento no ensino médio, para todo o sistema educacional. Os cursos profissionais (a reforma só cuidou do ensino comercial) não tinham nenhuma articulação com o ensino secundário e não davam acesso ao ensino superior [...] Aqui talvez esteja uma das fortes razões que orientaram a demanda social de educação em direção ao ensino acadêmico, desprezando o ensino profissional.” (p.139).
4.3.4. A reforma do ensino comercial
O ensino comercial foi organizado nos níveis médio e superior, em 1931, e é considerado pela autora como um sistema fechado sem articulação com os outros ramos de ensino, terminal em alguns casos e com uma possibilidade única de acesso à educação superior. 4.3.5. O Conselho Nacional de Educação
O CNE foi criado em 1931 como o órgão consultivo máximo destinado a assessorar o Ministro na administração e direção da educação nacional. A autora ressalta duas falhas graves neste órgão: a falta de representação do magistério ou de pessoal ligado ao ensino primário e profissional e o excesso de representantes do ensino superior. 4.3.6. Conclusões
A autora conclui este item afirmando que os aspectos negativos da reforma Francisco Campos denunciavam a existência de uma política educacional baseada numa concepção ideológica autoritária e aristocrática. “As classes que iam gradativamente assumindo o poder contavam entre si com a presença, de um lado, dos jovens oficiais progressistas e da nova burguesia industrial, que exigiam inovações de toda ordem, mas, de outro lado, contavam também com a presença de parte da velha aristocracia liberal, ainda apegada às velhas concepções. A expansão do ensino e sua renovação ficaram, portanto, subordinadas ao jogo de forças que essas camadas manipulavam na estrutura do poder.” (p.142).
4.4. As lutas ideológicas em torno da educação na primeira fase do novo regime
4.4.1. As lutas ideológicas e o “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”
De acordo com Romanelli, a proscrição do ensino religioso e sua instituição foram feitas à base de lutas ideológicas que chegaram ao topo por causa do conteúdo das reformas educacionais que começavam a ser implantadas em alguns estados e por causa dos princípios abraçados pelo movimento renovador da educação que tinham dado ênfase à necessidade da permanência da laicidade do ensino. A institucionalização da escola pública e sua expansão, bem como a igualdade de direitos dos dois sexos à educação eram também reivindicações do movimento renovador. Desta forma, dois grupos se formaram: o dos que promoviam e lideravam as reformas e o movimento renovador e o dos que combatiam, sobretudo, os três aspectos citados (na maioria católicos). “As classes médias em ascensão reivindicavam o ensino médio, e as camadas populares, o ensino primário.
Daí por que o movimento renovador compreendeu que havia chegado a hora de o Estado assumir o controle da educação e que, portanto, esta deveria se gratuita e obrigatória, dadas as necessidades da nova ordem econômica em implantação.” (p.143).
A luta ideológica apresentada não se revestia apenas de caráter religioso, mas estava também mesclada de aspectos políticos e econômicos. O movimento renovador, segundo a autora, mostrava-se confuso no campo teórico tendo as mais diversas doutrinas sobre educação se misturado, sem objetividade. Após a IV Conferência Nacional de Educação, em que, por causa da questão da laicidade da educação, não foi possível atender ao pedido do governo de que fossem elaboradas as diretrizes para uma política nacional de educação, os líderes do movimento renovador resolveram precisar seus princípios e torná- los públicos através do “Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova”, publicado em 1932.
“[...] a conclusão do ensino relig ioso
em caráter facultativo, nas duas Constituições (1934 e 1937), é o
resultado prático dessa luta. Fazendo-o incluir nas duas constituições, quis o Governo adotar nesse primeiro período, como já dissemos, uma política de conciliação e compromisso.” ( p.145).
4.4.2. O conteúdo do “Manifesto”
4.4.2.1. Educação e desenvolvimento A autora afirma que o Manifesto representa a ideologia dos renovadores, mas que, justamente por refletir as incoerências do período, exibe também suas inconsistências. Romanelli constata, ainda, que em determinados aspectos o Manifesto demonstra que a compreensão da realidade educacional, por parte dos pioneiros, estava muito próxima da concepção liberal e idealista dos educadores românticos do século XIX. O objetivo do documento é imprimir uma direção mais firme ao movimento renovador e defini-lo mais objetivamente. O Manifesto surge como uma convicção abertamente definida da necessidade de se construir e aplicar um programa de reconstrução educacional de âmbito nacional. “Percebe-se,
portanto, boa dosagem de otimismo e confiança nos poderes da educação, fatores que
constituíam a tônica mesma de todo o movimento renovador, mas percebe-se também a consciência da precariedade das reformas parciais e improvisadas e da importância e necessidade de se adotar um programa nacional de reorganização da educação.” (p.146).
4.4.2.2. Os fundamentos do movimento renovador De acordo com o Manifesto a finalidade da educação se define com a filosofia de cada época, tendo a nova educação de ser uma reação categórica, intencional e sistemática contra a velha estrutura do serviço educacional. Romanelli afirma que o momento histórico pedia que a educação se convertesse em um direito e que o Manifesto apresenta a novidade de vislumbrar a educação como um problema social. 4.4.2.3. Reivindicações contidas no “Manifesto” O Manifesto começa solicitando uma ação mais objetiva por parte do Estado, cabendo-lhe proporcionar a educação, como uma função social e eminentemente pública, de forma que nenhuma classe social seja excluída, devendo ser ministrada de forma geral, comum e igual. Apesar de reivindicar uma posição firme do Estado, no sentido de assegurar escola para todos, o Manifesto não recusa a contribuição da iniciativa particular, tocando profundamente, conforme aponta Romanelli, no aspecto político da educação. O manifesto reivindica, também, a laicidade do ensino público, a gratuidade, a obrigatoriedade e a coeducação. Finalmente, o Manifesto solicita autonomia para a função educativa e descentralização do ensino. 4.4.2.4. Plano de reconstrução educacional O Manifesto critica o sistema educacional por sua estrutura dual e propõe um sistema com a estrutura unificada.
4.4.3. O significado histórico do “Manifesto”
“Ao proclamar a educação como um problema
social, o Manifesto não só estava traçando diretrizes novas
para o estudo da educação no Brasil, mas também estava representando uma tomada de consciência, por parte dos educadores, até então praticamente inexistente.” (p.150).
A reivindicação da escola pública, gratuita, obrigatória e laica é conseqüência da nova situação criada com a ascensão de novas classes sociais e a complexificação crescente de todo organismo social. É uma conquista resultante da decadência da aristocracia e representa, ao Brasil, uma reivindicação ligada à nova ordem social e econômica, que começa a se definir mais precisamente após 1930. Romanelli afirma que o Manifesto é um plano avançado para a época e a realidade educacional brasileira de então, pois propõe algumas providências importantes, como a unificação do sistema e sua reestruturação e a formação universitária para os professores de todos os níveis. “Representa, portanto, a reivindicação de mudanças totais e profundas na estrutura do ensino brasileiro, em
consonância com as novas necessidades do desenvolvimento da época. [...] o movimento renovador teve consciência da defasagem existente entre a escola e a nova ordem social, sem todavia questioná-la, antes aceitando-a.” (p.150). “A evolução do sistema educacional brasileiro vai refletir as tentativas de acomodação e compromisso entre a ala jovem e a ala velha das classes dominantes, a partir de então. O ‘Manifesto’ representa o pensamento
da primeira. As Constituições e a legislação do ensino representam, daí pra cá, uma tentativa constante de acomodação dessas duas alas. Mas a prática educacional continuou a representar o predomínio das velhas concepções.” (p.150).
4.4.4. As vitórias e as derrotas do movimento renovador
Com exceção do artigo 153 que instituiu o ensino religioso facultativo nas escolas públicas, a Constituição de 1934 mostra grande influência do Manifesto, a saber: Artigo 148 – afirma ser a educação direito de todos e dever dos poderes públicos proporcioná-la, concomitantemente com a família. Artigo 150 – refere-se à fixação do Plano Nacional de Educação, à ação supletiva da União, ao ensino primário integral, à gratuidade do ensino, etc. Artigo 151 – declara competir aos Estados organizar e manter sistemas educativos nos territórios respectivos, respeitadas as diretrizes estabelecidas pela União. Artigos 156 e 157 – são uma tentativa de organização dos recursos fixados para a educação, reivindicados pelo Manifesto na parte relativa ao problema da autonomia da função educativa. Três anos mais tarde foi promulgada outra Constituição (com a instalação do Estado Novo) que não deu a ênfase na educação que havia sido dada em 1934.
Para concluir este item a autora trata de dois aspectos considerados relevantes por ela: (1) a Constituição se refere a um plano de limitação de matrículas e (2) oficializa o ensino profissional como ensino destinado aos pobres, instituindo assim, oficialmente, a discriminação social através da escola. 4.4. As leis orgânicas do ensino
4.5.1. Introdução A Constituição de 1937 deixava de proclamar o dever do Estado quanto à educação e limitava-lhe a ação. As reformas parciais do ensino, organizadas pelo Ministro Capanema, tomaram o nome de Leis Orgânicas do Ensino e abrangeram todos os ramos do primário e do médio. 4.5.2. O ensino técnico profissional
A autora caracteriza como aspecto de valor indiscutível da história do ensino profissional a preocupação do Governo de engajar as indústrias na qualificação de seu pessoal, além de obrigá-las a colaborar com a sociedade na educação de seus membros. “Este fato decorreu da impossibilidade de o sistema de ensino oferecer a educação profissional de que
carecia a indústria e da impossibilidade de o Estado alocar recursos para equipá- lo adequadamente.” (p.155). Algumas falhas eram notórias na legislação, a saber: a falta de flexibilidade entre os vários ramos do ensino profissional e entre esses e o ensino secundário, por traçar o destino do aluno já na 1ª série; e os exames de admissão para o 1º ciclo por revelar a oficialização da seletividade. 4.5.3. O ensino secundário
A chamada Lei Orgânica do Ensino Secundário, promulgada em 1942, tinha um caráter, indisfarçável, segundo Romanelli, de cultural geral e humanística dos currículos, com uma preocupação enciclopédica e ausente de distinção entre o curso clássico e o científico. Para ela, o Governo procurou criar no ensino um mecanismo capaz de formar “individualidades condutoras” fundamentado numa ideologia política definida
em termos de patriotismo e nacionalismo de caráter fascista. Além disso, a educação religiosa permaneceu facultativa e foi recomendado que a educação das mulheres se fizesse em estabelecimentos de ensino de exclusiva freqüência feminina. O descrito acima diz respeito ao momento político durante o Estado Novo, autoritário e populista. 4.5.4. O ensino primário
A Lei Orgânica do Ensino Primário aparecia num momento de crise política, gerada pela substituição do regime que implantara o Estado Novo por um regime de volta à normalidade democrática. Percebe-se um revigoramento da influência do movimento renovador e dos princípios do Manifesto dos Pioneiros. A autora ressalta que restou “apenas o espírito da lei que, revelando preocupações mais democráticas e
princípios mais afins com os defendidos pelo Movimento Renovador, demonstrou que, afinal, o contexto político tem algo a ver com a legislação escolar.” (p.163).
4.5.5. O Ensino Normal
A Lei Orgânica do Ensino Normal teve os mesmos efeitos administrativos que a Lei Orgânica do Ensino Primário. A autora se força a admitir que as finalidades do Ensino Normal eram bem definidas e objetivas. Romanelli faz críticas sobre o currículo do curso normal, por conter predominantemente matérias de cultura geral em detrimento às de formação profissional. 4.6. A legislação complementar das reformas do ensino profissional 4.6.1. A criação do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) e do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC)
Após a crise de 1930 e o conseqüente abandono gradativo da forma tradicional de industrialização, que deu lugar ao modelo de substituição de importações, fizeram-se necessárias algumas medidas no sentido da preparação da mão-de-obra coerente com a nova fase industrial em que o Brasil se encontrava. Como o sistema educacional não possuía a infra-estrutura necessária à implantação, em grande escala, do ensino profissional de grau médio, a indústria recorreu ao Governo para que fosse criado um sistema de ensino paralelo ao oficial, que foi organizado em convênio com a Confederação Nacional das Indústrias. Este foi o contexto de criação do SENAI. O Estado passou a interferir mais profundamente no processo de industrialização e, com isso, começaram a organizar-se as Escolas Técnicas Federais. Quatro anos após a criação do SENAI, foi criado o SENAC, dirigido e organizado pela Confederação Nacional do Comércio. 4.6.2. As reformas e o dualismo do sistema educacional
A autora constata que o sistema oficial não tinha condições para comandar o treinamento rápido de mão-deobra de que precisava a expansão econômica da época e que a formação dada por esse sistema estava longe de poder acompanhar o ritmo do desenvolvimento tecnológico dos últimos anos. A população que procurava as escolas de aprendizagem, na sua maioria mantidas pelo SENAI e SENAC, tinha urgência de preparar-se para o exercício de um ofício, precisava começar a trabalhar mais cedo, não podendo, portanto, freqüentar as escolas do sistema oficial. Romanelli enfatiza que as escolas do SENAI e SENAC eram as únicas nas quais os alunos eram pagos para estudar, o que funcionava como um grande atrativo para a população pobre. “[...] tornou-se
evidente que o sistema oficial de ensino, em seus ramos secundário e superior, continuou
sendo o sistema das elites, ou, ao menos, das classes médias e altas, enquanto o sistema ‘paralelo’ de ensino
profissional, ao lado das escolas primárias, passou a ser mais acentuadamente o sistema educacional das camadas populares.” (p.169).
4.7. A Constituição de 1946 e as novas lutas ideológicas em torna das Diretrizes e Bases da Educação Nacional
4.7.1. A Constituição de 1946
Com a abertura democrática e liberal, expressa na Constituição de 1946, ficou estabelecido que à União cabia legislar sobre as diretrizes e bases da educação nacional e proposto os requisitos mínimos para que essas diretrizes e bases fossem estipuladas. Segundo Romanelli, a Constituição de 1946 é um documento de inspiração ideológica liberal-democrática, com os princípios liberais asseguradores de direitos e garantias individuais inalienáveis, fato que, para a autora, foge da filosofia liberal inspiradora da política econômica européia dos séculos XVIII e XIX. Baseado na doutrina elaborada pela Carta de 1946 começa, para Romanelli, um dos períodos mais fecundos da luta ideológica em torno dos problemas da educação. 4.7.2. O reinício das lutas ideológicas em torno da organização do sistema educacional: as polêmicas suscitadas pelo projeto das Diretrizes e Bases
Votada em 1961, 13 anos depois da elaboração de seu anteprojeto, a Lei 4.024 resultou, de acordo com Romanelli, negativamente para a evolução do sistema educacional brasileiro e positivamente para a própria luta, revelando, entre outros aspectos, uma disposição firme, por parte dos educadores, para a continuação da luta iniciada duas décadas antes, mas interrompida durante o intervalo ditatorial. “A consciência aprofundada e amadurecida dos problemas relativos à nossa realidade educacional agora mobilizavam um contingente muito mais significativo do que aquele com que tinham contado ‘os pioneiros’.
Participavam também da luta estudantes, operários e intelectuais.” (p.172). Após relatar as formulações e reformulações ocorridas no anteprojeto da Lei 4.024, a autora afirma que, em 20 de dezembro de 1961, com sua promulgação, a lei , “que fora tão discutida e que pode ria ter modificado substancialmente o sistema educacional brasileiro, iria, no entanto, fazer prevalecer a velha situação, agora agravada pela urgência da solução de problemas complexos de educação criados e aprofundados com a distância que se fazia sentir , havia muito, entre o sistema escolar e as necessidades do desenvolvimento.” (p.179). 4.7.3. A Lei 4.024, de 20 de dezembro de 1961
De acordo com a autora, a aplicação de uma lei depende de uma série de fatores. Em primeiro lugar, ela afirma que “os efeitos de uma lei de educação, como qualquer outra lei,
serão diferentes, conforme pertença
ela ou não a um plano geral de reformas”; em segundo está “a dependência das condições de infra -estrutura existentes”; em terceiro lugar “está a adequação dos objet ivos e do conteúdo da lei às necessidades reais do contexto social a que se destina”; e por fim a autora afirma que “a eficácia de uma lei depende dos homens que a aplicam”. Desta forma, conclui que “operou, como força de inércia, a tradição jurídica que p ossuímos.
Esta, agindo sobre a mentalidade dos nossos homens públicos, levou-os, geralmente, a interpretar a lei mais segundo os mecanismos próprios do espírito jurisdicista do que segundo os objetivos e as necessidades de sua aplicação .” (p.179).
Os fins propostos pela lei, segundo Romanelli, são os fins genéricos da educação universalmente adotados. Aplicam-se a qualquer realidade, porque, na verdade, embora sejam incontestáveis em termos axiológicos, em termos práticos tem pouca objetividade. Diz ainda que, em essência, a lei nada mudou. “[...] a retirada de autonomia e de recursos da esfera pública para privilegiar a esfera privada, essa proteção à
camada social, que podia pagar educação, à custa das camadas que não podiam, só é compreensível dentro do quadro geral da organização da sociedade brasileira e do jogo de influências que as camadas dominantes exerciam sobre os representantes políticos no legislativo.” (p.183).
4.7.4. Expectativas e resultados: situação do ensino alguns anos depois
A lei de Diretrizes e Bases foi uma oportunidade com que contou a sociedade brasileira para organizar seu sistema de ensino, pelo menos em seu aspecto formal, de acordo com o que reivindicava o momento, em termos de desenvolvimento. Porém, as heranças impediram que fosse criado o sistema necessário. A autora afirma que a educação pode funcionar num esquema de desenvolvimento como fator de distribuição mais eqüitativa e mais justa da riqueza criada e que é evidente que esta tarefa não compete à iniciativa privada. “Não
se concebe, portanto, que um Estado pobre, de parcos recursos destinados à Educação, deixe de
atender às necessidades básicas de todos para privilegiar culturalmente poucos. Assim fazendo, o estado deixa de ser um Estado democrático, ou seja, o Estado de todos para ser o Estado de poucos [...] comprometendo assim o seu próprio desenvolvimento econômico.” (p.184).
Em 1962 foi instalado o Conselho Federal de Educação que aprovou um Plano Nacional de Educação, para o período de 1962 a 1970, que previa a escolarização de 100% da população de faixa etária de 7 a 14 anos, no primário, e nas duas primeiras séries ginasiais e de 50% da população de 13 a 15 anos, nas duas últimas do ginásio, bem como 30% de escolarização para a faixa etária de 15 a 18 anos, nas séries colegiais. Dessas metas, nenhuma foi alcançada, mas o plano foi quase um êxito quanto ao aspecto da extensão da escolaridade. A autora conclui afirmando que em termos de extensão da escolaridade, a lei e o plano, “se
não falharam completamente, pelo menos não conseguiram resolver o problema da democratização do ensino.” (p.187).
4.8. A legislação escolar e suas relações com o contexto sócio-político Romanelli conclui o capítulo afirmando que “a Reforma Francisco Campos e as Leis Orgânicas do Ensino a
despeito de terem dado uma real contribuição para organizar a educação brasileira, tiveram, como características principais, a centralização e a rigidez excessiva, a inelasticidade da oferta da educação por inelasticidade de organização do sistema, a falta de flexibilidade, a supervalorização do ensino secundário em detrimento de outros ramos do ensino médio e, com essa valorização, a criação de condições formais para que a procura de escolas fosse favorável àquele ramo do ensino médio.” (p.187). “[...] parece-nos
lícito afirmar, mais uma vez, que a manutenção do atraso da escola em relação à ordem
econômica e à ordem social, longe de ser uma contradição de fato, era uma decorrência da forma como se
organizava o poder e, portanto, servia aos interesses dos gru pos nele mais notavelmente representados.” (p.191). Capítulo 5 – A política educacional nos últimos anos 5.1. A educação brasileira após 1964: síntese dos fatos
A opção levada a cabo pelas lideranças do movimento de 1964 foi definida em termos de uma orientação dos rumos da política e da economia de forma que eliminasse os obstáculos que se interpunham à sua inserção definitiva na esfera de controle do capital internacional. “[...] impõe-se
não só um estudo descritivo-analítico dos principais fatos que marcaram a evolução do
sistema educacional, a iniciar em 1964, mas também, e principalmente, uma reflexão sobre o significado das mudanças que nele ocorreram.” (p.197).
5.2. A ajuda internacional para a educação brasileira 5.2.1. A ajuda internacional para a educação no atual estágio da expansão capitalista: sua funcionalidade
Segundo a estratégia que compartimenta a realidade dos países subdesenvolvidos, o problema do subdesenvolvimento deve ser tratado como um problema técnico, o que torna, de acordo com Romanelli, a educação como fator importante na produção de recursos humanos para o desenvolvimento desejado. “Quanto ao desenvolvimento e à expansão do ensino, parece -nos
que a ajuda internacional só interfere
quando o contexto interno apresenta certas condições básicas, como a expansão da demanda social da educação [...] A estrutura social e política de dominação pode utilizar-se da seletividade do ensino como instrumento de manutenção do status quo. Também o tipo de modelo econômico pode lucrar com a permanência de mão-de-obra de baixo nível para cuja manutenção contribui a falta de uma escolarização mais extensa.” (p.203). “Nas sociedades subdesenvolvidas, em que são acentuadas as distâncias sociais e a estrutura de dominação
interna privilegia camadas e grupos restritos, a expansão do ensino é sempre controlada por mecanismos legais, que a mantêm seletiva e, como se viu no caso brasileiro, socialmente discriminante.” (p.204).
5.2.2. A crise da educação brasileira no período 64/68 e a ajuda da AID
5.2.2.1. Bases sociais e econômicas da crise estudantil A crise a que a autora se refere foi resultado da aceleração do ritmo de crescimento da demanda efetiva de educação, que resultou da conjugação de dois fatores: (1) a implantação da indústria de base e (2) a deterioração dos mecanismos tradicionais de ascensão da classe média. Pela incapacidade do sistema educacional de funcionar como mediador eficiente no controle da crise entram em cena a cooperação financeira e a assistência técnica prestadas pela AID que, no caso específico da educação, resultaram na série de acordos MEC-USAID.
“Na verdade, a crise, em si, não era a condição básica para esses programas de cooperação, mas sim,
segundo o que podemos perceber, a necessidade de se anteciparem projetos de reforma s que ‘preparassem’ o sistema educacional para contribuir ou atuar mais eficazmente, na fase de retomada da expansão, já então prevista pelo setor externo, dadas as condições de viabilidade criadas pelo setor interno. ” (p.209). 5.2.2.2. Os acordos MEC-USAID e a definição da política educacional brasileira Romanelli afirma que a USAID seguiu as linhas gerais da ajuda internacional para o desenvolvimento da educação que resulta em benefícios maiores para o país fornecedor do que para o país beneficiário. 5.2.2.3. A ação do Governo perante a crise A autora percebe uma mudança substancial na política de aplicação de recursos pela adoção de princípios nacionais do planejamento educacional, com vista à maior produtividade, eficiência e controle da direção da ex pansão do ensino. “Neste sentido, a ação governamental passou a ser taxativa, quanto à orientação da demanda: controlando a expansão das áreas saturadas e incentivando a expansão das áreas deficitárias, a política educacional comporta-se como uma busca de adequação entre a produção do sistema educacional e as necessidades do desenvolvimento.” (p.227).
5.3. A reforma universitária 5.3.1. A definição do modelo
A autora afirma que a racionalização administrativa e a modernização organizaram uma estrutura universitária com as seguintes características, definidas por ela (p.229-230): a) Integração de cursos, áreas, disciplinas. b) Composição curricular, que teoricamente atende aos interesses individuais dos alunos [...] c) Centralização da coordenação administrativa, didática e de pesquisa. d) Cursos de vários níveis e de duração diferente. e) Incentivo formal à pesquisa. f) Extinção da cátedra. g) Ampliação da representação nos órgãos de direção às várias categorias docentes. h) Controle da expansão e orientação da escolha da demanda pelo planejamento da distribuição das vagas. i) Dinamização da extensão universitária, etc. “[...] processaram-se as mudanças sem que estas tivessem ajudado a criar condições para a formação de um
padrão intelectual mais autêntico, mais autônomo.” (p.230). 5.3.2. O novo modelo e sua funcionalidade
Romanelli constata que a modernização acabou criando uma complexidade administrativa e uma intrincada teia de mecanismos de controle dentro e fora da Universidade, tornando-a mais conservadora na sua estrutura geral do que a do antigo modelo.
“Com tudo isso, a racionalidade só veio acarretar um poderoso aumento do esquema de dominação dentro e fora da Universidade, do que resultou a perda total de s ua autonomia.” (p.233).
5.4. A reforma do ensino de 1º e 2º graus 5.4.1. O modelo
Conforme afirma Romanelli, a Lei 5.692, referente ao ensino de 1º e 2º graus, tem como propósito possibilitar um tipo determinado de formação, com o objetivo de que “essa formação possa concorrer para
que o educando se auto realize, se qualifique para o exercício de uma atividade e atue conscientemente no meio social e político que o cerca. Parte, assim, de um objetivo geral imediato, o da formação, visando a objetivos mais mediatos, que são os que levam ao ‘desfrute do próprio ser’ [...] e suas relações com o meio, através do trabalho e da convivência social.” (p.236). Segundo ela, os problemas que se colocam aos
objetivos não são decorrentes de sua fixação, mas sim das condições de sua realização. 5.4.2. Algumas incoerências da reforma do ensino de 1º e 2º graus
Com o intuito de salientar as incoerências na reforma de 1º e 2º graus, Romanelli aponta alguns problemas atrelados a ela, a saber: a relação entre a obrigatoriedade (7 a 14 anos) sobre a antecipação da iniciação para o trabalho; a antecipação da terminalidade; a aplicação da reforma na zona rural; a grande concessão para que subsista a educação de caráter geral e acadêmico; a extensão do currículo; a previsão da profissionalização em nível médio, paralelamente com a presença do ciclo básico da Universidade; e, por fim, o agir e pensar muito em plano exclusivamente teórico por parte do Conselho Federal de Educação. A autora afirma que as contradições internas encontradas nas inovações da Lei são o reflexo da polarização dos interesses na esfera das decisões. “Adequar o modelo de ensino ao modelo econômico não tem sido encarado, a nosso ver, de forma
homogênea pelo processo político e pelo processo econômico. Há convergências e divergências. Isso confirma, de certa forma, a tese de que a modernização, se obtida por pressão de fatores externos, é absorvida em função também de interesses internos, e de que a dependência não é um processo ditado mecanicamente de fora para dentro.” (p.254).